Autoconhecimento

Vivemos em tempos nos quais o autoconhecimento parece ter virado um artigo de luxo. Todos dizem sobre a sua importância. E revelam seu desejo por adquiri-lo. Falam como se fosse um objeto que encontramos na prateleira do supermercado, adquirimos, levamos para casa e fazemos um bom uso. Uma visão interessante, apesar de ingênua. Porque, não. O autoconhecimento não está exposto na vitrine de uma loja de produtos exóticos. Não dá para adquiri-lo fazendo uma busca pelo comércio virtual. Nem é algo que podemos importar. Na verdade, o autoconhecimento não é “adquirível”. Ele é construído. Todos os dias. A cada experiência. E a cada passo que damos ao longo de nossa história de vida. Afinal de contas, só podemos conhecer completamente algo que está devidamente terminado, concluído. Nós, humanos que somos, estamos sempre em construção. Portanto, conhecer-nos é um exercício para a eternidade!

Da forma que pintam parece que o autoconhecimento é uma espécie de redenção capaz de nos levar ao paraíso. De certa forma, ter um conhecimento de quem nós somos pode nos poupar de escolhas equivocadas, decisões das quais nos arrependeríamos amargamente. Pode ainda nos ajudar a evitar conflitos desnecessários pelos mais fúteis motivos, isso porque paramos de levar sempre ao pessoal o que, na verdade, se trata do outro. Então, sim. Desenvolver o autoconhecimento pode ser extremamente benéfico e libertador. O problema do discurso é que pouco se diz sobre como se dará esse processo. E se esconde que que tal caminhada não é apenas em direção ao céu, precisamos descer aos mais obscuros e escondidos confins da terra. Já dizia Jung que para tocar os céus é antes necessário fincar raízes no inferno. Desenvolver o nosso potencial exige, antes, que saibamos quais são as nossas deficiências, isto é, que nos deparemos com aqueles aspectos de nós mesmos que procuramos ignorar, pois revelam o quanto somos insuficientes, frágeis, dependentes e pequenos.

Com isso quero dizer que conhecer-se nem sempre será um passeio agradável pelo parque. Pelo contrário. Parafraseando um professor a cuja aula assisti há muito tempo, é mais como uma extração de siso. Isso porque seremos confrontados por nossos defeitos, nossas imperfeições, nossas partes “feias”. E isso é incômodo. Talvez alguém até esteja torcendo o nariz. O problema é que pintam o autoconhecimento como essa coisa glamorosa capaz de nos fazer conhecer e reconhecer o quanto somos poderosos, bonitos e exuberantes. Mas, convenhamos... Somos tão esbeltos assim? Claro que não. Há dias que, embora não saibamos exatamente o motivo, por não estarmos tão próximos de nossas características e necessidades, nem nós mesmos nos suportamos. Então é claro que o autoconhecimento não é tão bonito quanto parece. Ele tem os seus frutos. Mas como toda colheita, exige, antes, um árduo trabalho de cultivo.

Os corajosos não se recearão de viver aquilo a que estamos habituamos a chamar de autoconhecimento, mas que gosto de ver como um “autorreconhecimento”, visto que estamos, a cada instante, nos transformando de alguma maneira e em alguma medida. Eles não se incomodarão com seus aspectos alienados. Antes compreenderão que só poderão funcionar “plenamente” se forem capazes de integrar o seu organismo, ver suas partes “ruins”, respeitá-las como sendo suas e vê-las como necessárias, até “boas”, nos momentos nos quais a vida assim exigir. Porque no final não há essa de aspectos bons ou maus. Há simplesmente aspectos. A qualidade se dá no contexto e no uso. Como usarei a mim mesmo e o meu potencial é o que determina se o resultado será bom ou ruim. A empatia, normalmente vista como boa e necessária, pode ser extremamente irritante e cruel quando, obcecado por “me colocar no lugar dos outros”, privo-os de sua autonomia.

Com tudo o que falei, quero que pense no autoconhecimento como algo necessariamente complexo. Não se deixe enganar por discursos que iludem pontuando o quanto ele é apenas maravilhoso, florido e perfumado. Antes, alimente-se daqueles que, reconhecendo a maravilha de tal processo, não deixa de expressar o quanto ele dói e machuca em certas subidas e descidas. O que é necessário. A dor também diz algo a nós sobre nós mesmos. Se soubermos ouvi-la aprenderemos algo a nosso respeito. Eis o autoconhecimento!

(Texto de @Amilton.Jnior)