Bip-bip

Ele andava pensativo...

Isto não era bom! Não era bom porque ele vivia um momento particularmente feliz na vida. Estavam sossegados os seus desejos no amor e sentia-se confortável dentro das suas aspirações profissionais, gozava de boa saúde, estabilidade financeira e tinha uma boa família e um bom círculo de amizades.

Mas ele andava pensativo... E pensamento são projeções. Filosofava sobre a vida ter altos e baixos e a gratidão pelo momento atual trazia a sombra que confirmava a existência dos “baixos”. Eles estavam ali junto com o deus Tempo esperando o seu momento.

Sabia que o preocupar-se era ocupar-se prematuramente de algo que ele nem sabia o que seria. Sabia que esta preocupação roubava um tempo que deveria ser usado para curtir o bom momento. Mas ele andava pensativo... Era mais forte do que ele.

Possibilidades mil assombravam sua paz. Cenários de dor, doença, humilhação, miséria, luto, pairavam como nuvens no horizonte que prometia tempestades para o futuro.

Sabia do poder dos pensamentos. Os seus eram como um criadouro de vento, que como um redemoinho pareciam sugar as nuvens num horizonte longínquo para sua cabeça.

Procurou livros de autoajuda, oração, mas seu medo era um oponente de peso.

Precisava procurar um amigo e dividir suas angústias.

Foi o que ele fez. Seu amigo era sempre um bom ouvinte. Para ele poderia contar tudo. Dele não tinha medo de julgamento. Sabia que, se ele tivesse algo para dizer, seria só para tentar ajudar.

Seu amigo lembrou de como ele venceu o medo da morte de sua irmãzinha pequena. Lembrou que, quando ele era um menino, tinha muito medo de pegar o neném no colo, pois imaginava ele caindo e quebrando o pescoço. Quando começou a gatinhar pensava num carro dando a ré e não vendo o neném atrás. Seu medo estava destruindo sua saúde mental. Lembrou da saída maluca e pouco convencional que lhe salvou. Cada vez que imaginava um acidente com o neném ele criava uma continuação de desenhos animados. Assim se visualizava o neném caindo de cabeça no chão, imaginava pegando a cabeça e colocando no lugar, se imaginava um carro passando por cima imagina o neném como uma folha de papel que ele pegaria, balançaria no ar para lhe devolver o conteúdo normal. Lembrou que esta estratégia deu certo e as imagens de acidente foram desaparecendo da sua cabeça.

Ok, mas o que esta estratégia poderia ter a ver com o que se passava com ele no momento.

Iria imaginar continuações de desenho animado para cenários ruins que vislumbrasse?

Seu amigo disse que é natural pensarmos no futuro, mas se o futuro que estamos vislumbrando não parecer favorável, desloquemos o nosso estar no último “Baixo” de nossa vida e de lá pensemos no futuro que construímos.

Ele não entendeu como seria isto na prática, então seu amigo passou a detalhar os baixos anteriores ao seu momento atual. Você lembra da dor? Você lembra da injustiça? Você lembra do fogo de paixões devastadoras? Você lembra que vislumbrava um futuro sem graça?

Viaje para estes momentos e veja como seu futuro foi transformado.

Viajando para as sugestões do amigo não podia viajar para as sombras do futuro que ainda não foi. Nossa mente pode estar em diversos lugares, mas não no mesmo tempo.

Seu amigo dizia que ele deveria e tinha a propriedade de escolher a viagem. Se um destino era ruim ele deveria ir para um que ele gostasse.

Ele disse que iria considerar a sugestão, mas disse que seu pensamento teimava em pegar a passagem para o incerto, indefinido.

Seu amigo disse que neste momento devemos fazer escolhas. No passado sua saída foi para o mundo do desenho animado. A sugestão é isto, apenas uma sugestão. Cada um pode encontrar sua melhor estratégia e ele já tinha a credencial de ter conseguido antes e, que a história foi lembrada não como solução, mas como lembrança do seu potencial para criar estratégias bem sucedidas.

E seu amigo levantou uma perna disse bip-bip e, deixando uma bolinha de poeira no seu lugar, sumiu na estrada.