Egoísmo Delirante

Exercício da psicoterapia I

Este ainda não é para que compreendam o que penso. Pois, para me explicar, não tenho nenhuma palavra guardada. Este é meu retorno a uma viagem à estibordo de mim mesma. Para além do sentido da vida, o sentido que inventei por último.

Esta é uma viagem às cavernas profundas, abissais do oceano que se revolta e se levanta em meu coração.

Aqui poderei ser mais livre. Um pouco menos presa, aliás.

Aqui o idioma será o que eu inventar.

Minha inspiração não terá que obedecer a nenhum parâmetro de estilo. A isto dou o nome de escrita livre sem saber se, de fato, é isso que significa a escrita livre da oficina de escritoras.

Espero retornar sempre que tiver algo a dizer, mesmo que ainda não tenha encontrado uma razão menos egoística para a necessidade de ser lida.

Gostaria de ser lida por quem não tenho nenhum interesse em conversar?

Gostaria de que quem lesse minha alma fosse justamente alguma pessoa contra quem ergui muros tão altos que beijam as nuvens?

Pensar nisso me incomoda. Pensar nisso faz minha palavra hesitar antes de sair de mim para morar no mundo.

E hesitar é uma coisa que detesto, pois sinto como se revelasse o segredo do truque de uma mágica incrível e fascinante, que é a ação espontânea.

Aviso que este texto é sobre mim, como pretendo que sejam todos.

É um texto experimental sobre mim. Sobre o quanto sou a personagem mais complexa dessas histórias que me ocorrem.

Já que somente posso explicar o mundo sob meu próprio ponto de vista, esta é a execução de um projeto de autoestima delirante.

Então, continuando de onde havia parado, tenho que dizer que minha ação espontânea é a melhor parte da chama dourada que colore minhas pupilas.

E é uma chama que a mim é muito cara e que, por ela, já abri mão de diversos caminhos, inclusive pelas ruas ladrilhadas de pedrinhas de brilhantes ou caminhos forjados em luas de sangue na cachoeira, às 3h da manhã.

Abri mão de tudo que me separasse da glória de ter bebido a vida até a última gota.

Cuspi o pão, a maçã e assolei sozinha diversos infernos com seus diabos falsos que atendiam pelo nome de Paixão.

Lavei beijos com sabão e quebrei pratos-coração onde comi. De alguns me orgulho mais que de outros.

Profanei o sagrado coração. Transformei altares de hipócritas em um museu de baleias.

Cumpri pena por ter assassinado saudades com o veneno que escorreu do fundo da minha boca.

Feri orgulhos e expectativas de quem tentou salvar minha alma de mim mesma. Também, queimei com a ponta do meu cigarro os olhos de quem esperou se deleitar com a notícia do meu fim.

Queimei cidades maiores que Roma tantas vezes que tenho certeza de que Nero, do outro lado, espera minha chegada com louros para enfeitar meus cabelos. Evitei , entretanto, contemplar as chamas, pois aprendi cedo a história da mulher que vira estátua de sal.

Vivi mil vidas no tempo de uma ampulheta com nem tantos grãos de areia assim.

Contemplei muito feliz a vista de cima de mais abismos do que sonhei poder algum dia.

Nunca tive medo de abismos. Só fingi. O poeta é um fingidor, você já deve ter lido.

Nunca tive medo de afundar, de sucumbir.

Nunca tive medo de altura.

Eu sei nadar. Eu sei voar. Não me rendo ao medo de coisa alguma.

A verdade, preciso dizer, é que teve um monstro uma vez. Ele ousou tentar me destruir muito cedo. Mas eu o capturei, fiz dele meu refém e o deixei para morrer a ermo.

Não me rendo ao medo.

Dessas caminhadas, não carrego mais traumas nem arrependimentos.

Abandonei as bagagens junto com uma pele de vítima em algum camarim mal iluminado. Porque no final, se fui vítima, também fui meu próprio algoz e o saldo cai para zero, ninguém me deve coisa alguma.

Arrependimento nenhum, preciso deixar escrito. De nenhuma caminhada nem de nenhum dia de repouso. Não me arrependo de absolutamente nada. Tenho orgulho de absolutamente tudo.

Hoje, assisto ao passado de algum lugar seguro, confortável e com poltronas reclináveis, em 6D, pipoca amanteigada e guaraná..

Um lugar seguro onde o passado não pode mais mudar para me ferir ou se vingar por eu ser quem sou. O passado não é uma profecia astral. É, porém, estático, morto e sem ressurreição no terceiro dia. É findo.

Hoje o vejo como sendo um filme incrível de comédia, com um roteiro sensacional. Tudo graças ao meu senso de humor implacável. Sempre sorrio por último, não importa se venci. Sorrir por último é uma glória da qual também não abro mão.

Meu riso sempre ecoará pelo infinito do espaço, de forma a me tornar eterna e inevitável, como uma deusa. Sobre isso, disse meu superego embriagado de sono: "Deusa de ninguém. Deusa sem súditos, porque deles nunca precisou. Uma alma que performa sem platéia. Obcecada por seu próprio veredito de adoração e por seu próprio aplauso. Viciada em morrer pelo seu próprio delicioso veneno."

Faria tudo como me desse na telha outra vez. Rugiria tudo novamente, mesmo que por esses tempos eu tenha escolhido reagir às coisas com, digamos, menos poesia.

Mesmo assim, sigo fascinada por aquela filosofia proibida e pervertida e não a trocaria por nenhuma outra que trouxesse mais paz ou a devoção de alguém descartável.

Aliás, isso depende muito do dia.

Por hoje, escolho não trair a mim mesma, pois foi à minha alma bonita que jurei fidelidade primeiro.

Yasminina
Enviado por Yasminina em 25/02/2023
Reeditado em 27/02/2023
Código do texto: T7727181
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