O amor é uma arte

Eu já escrevi que a vida é uma arte. E na ocasião fiz referência ao trabalho de um pintor ou uma pintora. Deve ser minucioso. Cuidadoso. Deve ser um trabalho minimamente pensado. Para a maioria de nós, leigos na arte do pintar, talvez um quadro abstrato não faça tanto sentido e cheguemos a, contaminados por nossa falta de informação, dizer que a pessoa que o pintou simplesmente respingou o pincel por sobre a tela em branco. Mas não é verdade. Chame o autor ou a autora de tão enigmática obra. E lhes dê a chance de explicarem de onde veio a inspiração, qual foi a motivação e qual é a reflexão que querem transmitir. Podemos acabar surpreendidos por entendermos que o mais “desajeitado” tracejo possuía um significado profundo para quem o fez. São detalhes como esse, sem sentido para tantos, que permitiu à obra o seu real valor e sentido.

Na vida ocorre o mesmo. Precisamos ser cautelosos, cuidados, minuciosos. A tela está diante dos nossos olhos. O pincel bem em nossas mãos. Resta-nos pintarmos a nossa existência. No entanto, precisamos ter em mente que intempéries podem ocorrer. Ventos fortes talvez tremulem nossas pinceladas, pessoas apressadas talvez passem correndo e nos deem um esbarrão do qual nem conseguem se desculpar, maldades frias talvez nos sejam dirigidas e faça borrões de tinta respingarem sobre nosso quadro. Como bons artistas que somos o que nos resta? Rasgar a tela e recomeçar? Quem nos dera se fosse tão fácil assim!

Não podemos simplesmente apagar tudo e começar do zero. Pode ser que nem tenhamos tempo para a finalização. Resta-nos, mesmo com as dores da vida, continuar a pintura, fazendo remendos, usando a criatividade para disfarçar os erros ou mesmo transformá-los em verdadeiros acertos! Resta-nos, como autores de nossa obra, proprietários de nossa vida, não prestarmos tanta atenção ao que nos fizeram, mas ao que nós, enquanto sujeitos existentes, faremos com isso.

Nem todos conseguem. E nem todos conseguem porque não entenderam que precisam viver a vida como artistas: paciente, atenta, criativa e, acima de tudo, sensivelmente! Porque ser artista é estar sensível ao mundo, ao ambiente, às nuances, aos menores detalhes, às mais sutis mudanças do cenário. Ser artista é entender que em uma tempestade, apesar dos estragos que devem ser reparados e dos traumas que precisam ser cuidados, é possível encontrar inspiração para novas construções.

E quanto ao amor? Poderíamos dizer o mesmo? Renato Russo responderia que sim e complementaria que “o amor é uma arte, mas nem todo mundo é artista”.

Eu acho que todos podemos ser artistas. Acredito que temos em nós o potencial para isso. Não artistas no seu significado mais imediato, tornando-nos cantores ou cantoras, atores ou atrizes, músicos ou musicistas, e daí em diante. Mas temos algo de artístico dentro de nós, uma sensibilidade, uma intuição, alguma característica que nos ajudaria a encarar a existência com mais leveza e fazer dela algo mais belo. O que acontece é que nem todos despertamos para esse potencial que carregamos dentro de nós. É como se não soubéssemos que somos capazes de fazer a vida mais bonita, de fazer as experiências por esse mundo mais enriquecidas, de fazer o amor ser o que ele deve ser: grandioso, magnífico, transformador!

Se o amor é uma arte então ele exige de nós as mesmas atribuições que a vida exige: paciência para entendermos que a pessoa diante dos nossos olhos possui histórias únicas e singulares e que precisa ser respeitada em seu tempo; atenção àquilo que é significativo e importante para ela, coisas que são capazes de lhe tirar um sorriso nos dias mais nublados que precisarem ser superados; criatividade para que a monotonia da rotina nunca nos entedie, nunca se sobreponha aos nossos mais profundos sentimentos, os quais, a cada dia, precisam ser renascidos; e sensibilidade para compreendermos que a outra pessoa não é uma mera projeção de nossas expectativas, vontades e sonhos, mas alguém com desejos próprios que, como nós, imaginou o dia no qual teria ao seu lado alguém que, se não lutasse pelos mesmos objetivos, ao menos estaria na torcida!

Percebe o que é o amor? Ele exige de nós o que a arte exige dos mais talentosos e das mais admiráveis artistas: consciência do mundo – do nosso e do da outra pessoa. Quando me conheço e reconheço, entendo que meus desejos são meus, minhas expectativas são minhas e não coloco sobre você aquilo que pertence apenas a mim. E quando você se conhece e se reconhece, compreende quais são suas inclinações e quais os seus objetivos e não exige de mim algo que apenas a sua existência pode lhe proporcionar. Quando estamos bem conscientes de nossos limites conseguimos, então, ampliar as fronteiras e construir pontes entre nossos corações. Exatamente o que faz a arte: conecta admiradores e admirados.

(Texto de @Amilton.Jnior)