O que é amar alguém?

Você sabe amar?

Pense um pouco.

Você sabe o que é o amor?

A verdade é que o amor é indefinível. Aliás, penso que é inútil tentar defini-lo com nossos conceitos tão simplórios perante sua grandeza e profundidade. Acredito que o amor seja “vivível”. Está aí para ser vivido. Para ser usufruído. Para ser desfrutado em suas mais variadas formas e possibilidades. Mas como o vivemos diante de tanto egoísmo e mesquinharia? Não amamos as pessoas. Amamos o que pensamos sobre elas. Por conseguinte, amamos a nós projetados nelas. Então não amamos as pessoas. Amamos apenas as nossas extensões que incutimos nelas...

Se levarmos em conta que amar outra pessoa não é amar o que projetamos nela e sim a sua humanidade e singularidades, não será difícil compreender que o amor é um desafio nos tempos de modernidade líquida (Bauman)

“Amar outra pessoa não é amar o que projetamos nela”. Consegue visualizar a riqueza que há nessa sentença? Amar outra pessoa é real e exatamente isso: amar outra pessoa. O amor próprio é uma necessidade, já conversamos sobre isso em outra ocasião. E esse amor é dirigido a nós mesmos. Quando nos cuidamos, nos respeitamos, nos valorizamos. Mas quando nos dispomos a amar alguém, é isso o que precisamos fazer: amá-lo com tudo o que isso quer dizer. Se o amor próprio envolve cuidar, respeitar e valorizar a nós mesmos, então amar alguém significa cuidar, respeitar e valorizar esse alguém. Mas só queremos ser cuidados, mal dizemos um verdadeiro “amo você” a quem está ao nosso lado. Exigimos respeito, mas estamos a todo instante tentando mudar o jeito de ser daquele que convive conosco. Estamos sedentos por valorização em todos os contextos da vida, mas na hora de reconhecer o valor e a importância daquele que divide o caminho da vida conosco, simplesmente desconsideramos todos os seus esforços e chegamos a afirmar que qualquer um também conseguiria. Queremos alguém que reflita a nossa imagem. Não queremos alguém que resplandeça o próprio brilho. Porque amar alguém também é aplaudir o seu próprio espetáculo.

Amar outra pessoa é amar “a sua humanidade e singularidades”. Outra riqueza. Humanidade. Humanidade é a característica de quem é humano. E o ser humano é cheio de potencialidades, de criatividades, de atratividades. Mas este mesmo ser também é frágil, é falho, nem sempre acerta e comete erros. Amar a humanidade de alguém é amar a sua existência com tudo o que isso implica. É acolher sua força, mas também respeitar sua fraqueza. É admirar sua beleza, mas também compreender que existe um lado que ele tenta esconder por considerar obscuro. Amar a humanidade de alguém é entender que preciso amá-lo como gostaria de ser amado, porque se sofro as dores do ser humano, o outro também as sente.

E o que dizer sobre as singularidades? São essas coisas que nos tornam únicos e nos distinguem em um mundo de bilhões de outros seres. E amar as singularidades de alguém é amar o seu jeito de ser, sem querer transformá-lo, sem querer moldá-lo à nossa imagem e semelhança. É respeitar a sua forma de existir. É sorrir por, ao vê-lo se comportar daquela maneira tão característica, ter a certeza de que ninguém mais seria capaz daquilo. Amar a singularidade de alguém é amar sua essência. E amar a essência de alguém é amar a sua alma. E amar a alma talvez seja a definição do que é o amor.

Mas, como pontua Bauman, vivemos na tal da modernidade líquida, esses tempos nos quais as coisas mudam tão repentinamente, inclusive nossos sentimentos. O amor foi banalizado. “Ama-se” de qualquer jeito, a qualquer um, sem amar a alma. O que quer dizer que não é amor. É qualquer coisa, sentimentos efêmeros e superficiais, mas não é amor. Deixa-se de amar pelos mais irrisórios motivos. Só porque o outro não falou a palavra como eu gostaria que ele falasse. Ou só porque o outro não sorri como eu disse que é o jeito certo de sorrir. Nesses tempos de modernidade líquida, nos quais nós mesmos mudamos a todo instante e mal sabemos quem somos, fica difícil amar alguém quando só sabemos amar projeções, porque hoje projetamos uma coisa, amanhã outra e depois de amanhã ainda outra, porque nem nós mesmos sabemos o que queremos ou do que gostamos. E por isso é desafiador. Nesses tempos de modernidade líquida, quando tudo fica obsoleto, nem as almas têm resistido. E se amor é amar a alma, ninguém mais tem amado.

(Texto de @Amilton.Jnior)