POST SCRIPTUM

Eu nunca gostei da expressão "Fulano morreu"...

"Morreu", a própria sonoridade da palavra deixa um peso, sabe ? De pedra, de cova, de coisa deixada ao rés do chão... Morrer, a gente deve deixar mesmo as coisas ruins. Que morra a mágoa. Que morram os entraves que nos impedem de evoluir. Que morra o ódio que machuca tantos meus e minhas por aí...

Não, eu gosto de dizer que alguém "se foi", sabe ? Tem uma leveza, quase uma candura, uma luminescência de alguém que sai caminhando, casualmente numa tarde de domingo, depois de uma visita a um parente, tomar um café requentado, conversar sobre a família...

Simplesmente "se foi", de pé, impávido, com o eco de suas boas lembranças lhe fazendo companhia. Só se foi, pegou a estrada, não avisou quando voltava, mas foi. Sorrindo, caminhando na serenidade dos passos, por aquela estrada comprida que ninguém sabe onde vai dar.

E a gente ? A gente fica. Sentado na varanda, com uma xícara de café a mais. Só sorrindo e acenando, muitas das vezes esse aceno nem nos é dado de volta.

“Ele se foi”. Saiu caminhando. Eterno, imbatível. Ninguém morre. As pessoas apenas se vão. Leves simples. Não são peso. Se tornam brisa. Voam etéreas para longe. Com nenhum peso acorrentado a suas memorias. Peso quem carrega somos nós. Em nossa pressa por rever. Em nossa inconformidade de deixar ir. “Toma mais um gole” ”Ainda é cedo”, “fica um pouco mais”, gostamos de protelar essa partida. Temos medo da estrada. É comprida, e ninguém sabe exatamente onde ela pára. Uns dizem que ali, outros dizem que acolá, outros dizem que em uma paragem mais distante ainda.

Mas eles vão. Tem que ir. A gente que fica, mais dia, menos dia, também se sentará a derradeira varanda, também tomará seu caneco de café, também vai precisar levantar e pegar a estrada. Seguir, protegido do vento frio, pelo manto do mistério, que envolve essa nova etapa.

Talvez se bata com quem se foi, talvez dê tempo de sentar noutras varandas, tomar outro café requentado, falar da família. Mais dia, menos dia...

Quem sabe ?

Doug A Souza
Enviado por Doug A Souza em 07/07/2021
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