A impermanência

Fomos habituados a deduzir que o “sempre” era o caminho óbvio para tudo que construímos, buscamos, vivenciamos e sentimos.

Fomos habituados a almejar uma vida sem incômodo, sem percas, na permanência do que nos torna fortes e consequentemente na constante busca pelo que não temos, pelo que não somos e meio par de sonhos idealizados.

Fomos habituados a sonhar com a perfeição diária, com o salário adequado, morar na cidade predileta, com relacionamentos perfeitos e porque não dizer que os pensamentos sejam sempre os melhores e positivistas. A permanência do “sempre” nos esmaga de tal maneira que na primeira oportunidade de uma mudança de paradigma nos desesperamos ao projetarmos o extremo oposto.

Quando tudo está favorável sofremos ao imaginar que em algum momento não será, e quando tudo for o oposto sofremos porque assim persistirá por muito tempo, um tempo chamado “sempre”.

Vejamos o ano: há frio, há chuva, há seca, há o florescer, há época da manga, do caju, do piqui e do buriti. Vejamos uma árvore: já foi semente, muda, sombra, fonte de alimento, resistiu à seca, mas a depender do fogo morreu por meses até que pudesse novamente florescer.

Vejamos o céu: lua cheia, minguante, nascente, crescente, nova...

Vejamos a nossa capacidade de se relacionar: estáveis, instáveis, afetuosos, irritáveis, introspectivos, extrovertidos, pacientes, impacientes, com maior ou menor grau de liberdade...

Imaginemos agora um gráfico oscilatório de picos e vales, assim é o mudar em nossa vida. O que é cômodo para nós é idealizarmos uma vida doce e acolhedora como reflexo daquilo que ofertamos, sem grandes mudanças, sem grandes equívocos, incômodos ou sacrifícios. E assim por anos nos alimentamos incorretamente por medo de provar o que não conhecemos, nos recusamos ao exercício e nos rotulamos a preguiça de nunca mais tentar, já que amigo do “sempre” é o “nunca”.

Nós fomos habituados a pensar que precisaríamos ser fortes em todo momento, ou que o caminho correto era somente aquele que conduzia a felicidade, como se não pudéssemos e ao mesmo tempo precisássemos “sentir”.

Assim vamos engessando nossas mentes e vivências à parcela que conhecemos e que não necessariamente representa o todo. E aí quando pensamos ser muito doloroso a quebra instantânea do dever do “sempre” e do “nunca”, nos negamos o direito de sentir. Porque a premissa que fora quebrada ainda permanece nos negando o direito irrevogável de restabelecermos, ter o nosso tempo, deixarmos nossas folhas caírem para então em outro momento preencherem a copa. E assim carregando o fados do desejo pelo “sempre“ vamos compreendendo que a impermanência nada mais é do que a própria vida, que vamos passando e vivendo em suas fases mais impensáveis do breve tempo que somos.

Está chovendo? Vou aproveitar o tempo para escutar os pingos de água e sentir o cheiro do solo molhado. Está sol? Aproveito para lavar as cobertas na época de sol para me aquecer no frio.

E o emprego? Não sou só máquina, profissional ou estudante. Sou esposa, filha, neta, irmã, amiga e gente.

E o relacionamento? Nos alinhamos diariamente, podemos alimentar a parte saudável e desabrigar o que não é notoriamente necessário.

E o “nunca”? Permanece sobre o querer e ao conhecimento de Deus.

E o “sempre”? Tem se modificado, superado e subestimado.

Porque sobre tudo o que é impermanente prevalece a graça imutável que é o agir de Deus. E quando tudo o que buscarmos for o melaço de uma vida sob controle, que tenhamos boas histórias para contar do que fizemos ao perceber que há paladar para todo tipo de tempero.

Jamais porque desafiamos a inconstância com nosso velho hábito do sempre, mas porque aprendemos a como aproveitá-la tirando as maiores lições, nos dando o direito das lágrimas, da felicidade, da surra, da força da nossa razão e do nosso sentir.

Já que não podemos ver todo o trajeto aproveitemos a estrada permitindo-nos aprender e ser.

16/04/2021

Keith Danila
Enviado por Keith Danila em 16/04/2021
Reeditado em 17/04/2021
Código do texto: T7233864
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