Que Tritura

"Just give me medicine

Prescribe me anything

Just knock me out and walk me through the door

I have no desire to see through my own eyes anymore."

Como eu posso começar isso? Começar pelo que me trouxe até aqui. Tanta coisa. Não consigo estabelecer uma prioridade do que é, com o perdão da transgressão à norma culta, mais ruim. Não é mais fácil eu abandonar o non dvcor dvco e me deixar ser conduzido por você? Você acha mesmo, que eu quero tudo na mão, assim, na lata? Deixa eu pensar um minuto. Nessa hora meus pensamentos se embaralham e se atropelam e viram um furacão e eu fico catatônico não conseguindo captar nada dessas sinapses mambembes. Falar do que sinto? Dos sentimentos? Eu sinto raiva, doutor. Medo. Sinto uma angústia profunda. O que chamam de ansiedade. Às vezes um, às vezes outro, às vezes tudo ao mesmo tempo. Eu sinto que eu estou enlouquecendo. O termo básico do leigo alheio às nomenclaturas das patologias mentais: louco, simplesmente com o parafuso solto. No Google é como se eu me encaixasse em todas elas. Transtorno de personalidade borderline é a minha favorita. Hã!? O que cada um deles desencadeia? Deixa eu ver. Raiva: eu esperneio. Em um nanosegundo eu posso estar zen e no nanosegundo subsequente explodir em cólera. Parece exagero, mas é verdade. Pelas coisas mais banais. Banais, mas repetitivas, rotineiramente monótonas e reprisadas: a moto que não funciona, uma colher de chá que cai no chão e atrasa o término da lavagem da louça. Tem dias que estou insuportável e cogito seriamente ficar batendo a cabeça na parede até desmaiar, já que dormir é impossível com essa mente malsinada. Do medo: eu tenho medo de ser abandonado. Esse medo não vem assim de repente: ele é o resultado de uma profunda reflexão e regressão que acesso quando fumo maconha. E não é irônico? Eu que abandonei as pessoas que me davam amparo e agora esse temor. Não é uma coisa que me ocorre com frequência, que eu fique pensando oh, pobre de mim. Não. Sim. É. Me amar mais e tudo o mais para não ficar sem chão quando o chão tremer, esse papo de blogueira com filtro de gatinho, botox no beiço, cabelo platinado, clareamento anal, iPhone do ano e céu azul de verão em Carneiros regado a gim tônica fluorescente com especiarias intragáveis boiando dentro. Da angústia. Essa... Rapaz... Não sei como descrever. Me sufoca. É o que me faz chorar. E não é lagriminha e eufemismo de internet. Só consigo me livrar dela me encolhendo em posição fetal. Que é quando começo a questionar minha sanidade. Quando começo a questionar a minha vida. Se o jeito que a levo não está totalmente errado. Se é possível mudar. Ou se é só isso mesmo, e se ela é uma grande perda de tempo que eu posso dar cabo e fazer as pessoas felizes estando debaixo do chão sendo eternamente carcomido pelos vermes que carrego no corpo; refestelá-los finalmente, puta que pariu, trinta e quatro anos esperando por esse rango, humm, gostoso. Minha falta de foco me mata. Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade é a minha segunda favorita da pesquisa-google-do-que-eu-tenho-será?, e na lista de sintomas que o buscador traz eu praticamente faço bingo. O que mais? Minha pretensão aqui contigo é um remedinho, doutor. Que me faça esquecer a vida ou malmente aceitá-la. Que acabe com meus ataques de pânico no supermercado. Ficar calminho e não ser paranoico. Um que me faça deitar olhando pras paredes pensando: que a vida venha. Que elimine minhas manias. De preferência um que dê pra pegar na farmácia do SUS. Eu tenho alguém, sim. O que sinto em relação a essa pessoa é o que eu posso chamar de amor. Às vezes de ódio. Eita, essa dualidade cíclica da impermanência. É recíproco, sim. Óbvio. Pouco antes de dar o horário de me arrumar e sair de casa e estar aqui eu abri um bloco de notas no celular e comecei a escrever sobre essa pessoa. Já tinha uns meses desde a última vez que eu tinha sentido essa urgência caiofernandoabreulística de escrever daquela maneira esquisita que escrevo. Posso mostrar, sim. Não sem ficar embaraçado. Mas não fui muito longe. Começava assim. "A sensação febril que eu tenho quando chego perto de você às vezes me assusta. Vem sempre como resposta a algo que anseio e que não sei precisar o que é. Conforto...". Acabou aí porque vi coisa que me deixou com pulga atrás da orelha. É uma porra: num segundo mergulhado no bálsamo do lindo lago do amor massacrando o teclado ouvindo a preferida dela da Lana Del Rey e no outro iniciando uma escaramuça requentada. O raciocínio do texto de amor se perdeu. Estava tão cristalino e ficou baço enquanto o ciúme ficou ali me fazendo ser impulsivo e passional. Sim, quero recuperar o texto. Quero estancar essa sangria toda e vê-la feliz e segura e febril do mesmo jeito que me sinto quando a abraço. Suprir a confessa falta de me ler que ela tem. E eu só posso pagar por essa consulta. Eu não quero ficar conversando. Ainda sou xucro pra isso, acho viadagem, quero é ficar entorpecido mesmo, doutor.

11/01/2021

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 11/01/2021
Código do texto: T7157414
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