Nota Sobre Dias Depressivos

Sinto como que me aproximo do ápice de um nada, de uma nudez de tudo e de todos. A tristeza tem, se me permite tirar dela algo a somar, a habilidade de despir o mundo. Nestes dias as paredes de minha casa perderam as cores, meus banhos quentes são incômodos e mesmo torturantes; e as datas a que se chamam especiais, essas são denominações fúteis com que se alcunha dias ordinários. Eu sorrio, mas os lábios de certo não voltam à forma primeira depois, escondendo novamente os dentes e ceifando o sorriso? O abraço, na engenharia de seu movimento, não se comporta em retrospectiva, voltando os braços de ambos os amigos a cruzarem-se, solitariamente? A comida não perde o gosto ao avançar garganta abaixo? E acordar para quê, se a roda incolor e muda girará novamente na mesma monotonia lúgubre com que girou nos dias recentes?

É bem verdade que reluto em convencer-me ou mesmo em admitir que o ponto alto dessa crueza insípida de tudo já me envolveu quase que de alma, de corpo, de mente... É bem verdade, também, que, não obstante o ódio que sinto em relação à vida nesses dias desgraçados, se faz necessário o despertar diário, o sorriso efêmero, a comida de sabor passageiro e o banho quente calmante e insuportável. Não por mim - é claro! Ora, estou bem certo de que devo, em nome dos que teimam em velar-me, fazê-lo. Minha passagem não doeria em mim, morto que estou, como doeria neles, que vivos sentem as suas e as minhas dores. A mim, infame e maldito, não resta sequer o direito da desistência.

Buri, 10 de abril de 2020.

Luis Felipe Souza
Enviado por Luis Felipe Souza em 10/04/2020
Reeditado em 10/04/2020
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