Eu Lamento e Outras Coisas

Tim Maia lamentava.

Repetidamente, Tim Maia lamentava.

Alhures, ainda ali ao lado da caixa de som, eu também.

Assim mesmo, no pretérito imperfeito do indicativo, lamentava o porvir.

Ainda que risse de escárnio de situações hipotéticas que estavam acontecendo somente na minha cabeça, me entregava a um luto antecipado por perder o que nunca tive. As zebras, li ou escutei certa vez, ainda que pareçam ter as mesmas listras, usam delas para se reconhecerem como indivíduos. Olhar duas jabuticabas pretas incrustadas se movendo dentro dum crânio e se reconhecer e sentir o frio amargo de si, tão inalienável quanto intrínseco, no outro. Maus presságios. A natureza selvagem, desprendida e vadia. Fins repetidos sem fim. Paranoia.

*

Instaurar pensamentos falsos em sentimentos verdadeiros para conseguir verbalizar um amor indizível. Racionalizar o irracionalizável com o intuito único de fazer florescer a sua vaidade; vaidade tua que suscita a minha, que enseja as veleidades de minha alma. Estar ao seu lado é, em êxtase, sambar no liame que liga a supressão à loucura: como me entregar sem aviso-prévio um tão enorme bem-querer? Inquiro às paredes e, em silêncio, elas respondem em letras garrafais – que desfilam em hologramas nas minhas retinas – que não, o ar não deve vibrar e nem a tinta ser gasta com mensagens capciosas. O chão se enraíza a meus pés, os joelhos tremem, a boca seca, o verbo emudece, as pálpebras pululam: o que é isso? Enlouqueço só.

*

Ela olhava assim com uns olhos de quem busca novidade e reinvenção constante e não consegue encontrar, se deparando com o habitual e frustrante muro que vai se soerguendo tijolo após tijolo de tédio que a rotina assenta numa argamassa farinhenta sem liga que se desfaz com o primeiro sopro de confronto. Eu fingia absorver o brilho desanimado daqueles olhos com calor e inocência e desconhecimento pleno do que se passava por trás deles. Teria como eu saber? Eu não sabia. Supunha saber através dos toques com duração de milissegundos que antes, nos momentos de certeza, nos arroubos apaixonados, se estendiam por minutos e horas. Tinha acontecido. Acontece. Sempre acontece. O tempo todo. Com todo mundo. No mundo todo. Consolo-me sorrindo debilmente, adormecendo.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 23/08/2019
Código do texto: T6727398
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