A morte de Tatiane

É triste pensar na morte de Tatiane. Triste porque ela traz à tona a morte e a vida de todas as mulheres, ou melhor, de todas NÓS, mania que temos de falar das mulheres (sendo uma delas) sempre na terceira pessoa. "Elas" não são "elas", são "Nós". O que aconteceu com Tatiane não é o que aconteceu a ela, é o que acontece a todas nós.

É o que acontece quando nos calamos ao presenciarmos uma briga de marido e mulher porque aprendemos que não é da nossa conta. Mas é. É o que acontece quando paramos de tentar ajudar aquela nossa amiga que está em um relacionamento abusivo e não percebe. É o que acontece quando Ele levanta a voz conosco pela primeira vez e aceitamos porque "ele estava nervoso, coitado".

O que aconteceu a Tatiane já aconteceu à Maria, à Paula, Joana, Francisca, Ana, Luzia e tantas outras mulheres que ficaram escondidas atrás do véu de uma impunidade cruel e dolorosa. O caso de Tatiane teve visibilidade porque ela era advogado, seu marido era professor universitário. Tatiane era jovem, bonita, rica, estudada. Seu marido aparentemente tinha as mesmas características. Mas Maria, Paula, Joana e Francisca, não. Dessas ninguém ousa dizer o nome.

O caso de Tatiane choca porque foi o típico rapaz de família e de boa índole que deu uma escorregada. Choca porque as pessoas se deparam com a realidade de que o marido, pasmem, não é um monstro. É um homem. Um homem comum. Rico. Formado. Professor universitário.

Tatiane no dia em que morreu gritou por socorro. Correu. Esperneou. Ninguém ajudou. Completa omissão. Luis Felipe a agrediu no carro, na garagem, no elevador, no apartamento. Luis Felipe jogou Tatiane do 4° andar. Limpou o sangue do elevador e saiu pela porta da frente.

A mídia apenas deu continuidade ao processo de omissão quando estampou em todas as suas páginas que a jovem havia "caído" do 4° andar, afinal, esse foi o depoimento prestado pelo cidadão de bem. Suicídio, claro. Jamais homicídio. Jamais feminicidio.

Quando se trata de aborto, de manifestações sem roupa, do que devemos ou não devemos fazer, eles se sentem no direito e no dever de se intrometerem em nossas vidas. Mas quando se trata de briga de casal, de morte, de marido atirando mulher pela janela, de namorado estuprando namorada, todo mundo se omite porque não se deve mexer com a propriedade do outro.

Quem foi jogada do quarto andar fomos nós, todas juntas com Tatiane. Luis Felipe está preso. O Zé, marido da Maria, que a matou a facadas depois de uma briga de casal, não. Da Maria ninguém nem ficou sabendo.

Nina Cerqueira
Enviado por Nina Cerqueira em 06/08/2018
Reeditado em 06/08/2018
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