O Menino
O menino vê a vida vazar de seu corpo. Seus sonhos lúdicos da perfeição, o beijo tenro da mãe, a rigidez do pai. O mundo segue a perder suas cores, o céu a perder seus anjos. O menino segue a se decompor, e a vida vai tirando sonhos, impondo horários, tirando o beijo e apresentando o mundo. O menino segue impúbere, mas com desejos, esperanças, certezas de alegria e paz interior. São conflitos, medos sem termo, sonhos ainda belos. O menino segue a virar homem.
São pelos, peles, ereções, desejos sem fim de quem ainda acredita, sonhos ainda coloridos com cor de pele predominante. Agora são cabelos, roupas, brincos, tatuagens e confusões inglórias. O menino segue meio que cambaleando, trançando as pernas com sua inclinação a ser Deus...
O dia já virou noite, a vida já é monocromática, os sonhos se despedaçam, o menino segue, segue para o seu fim de virar adulto, segue para forca à força. Tudo é triturado e digerido, o menino virou homem, virou gente, virou carne, produto, salário, comida e número.
O menino segue a morrer a cada dia, anulando-se cada vez mais, procriando novos meninos que fenecerão amanhã, girando na roda sem fim de crescer menino e morrer cidadão.