O fim muitas vezes liberta

existe um mito de que o fim petrifica o ser humano. mas o fim muitas vezes liberta. o fim muitas vezes reafirma que você precisava, oh como precisava, seguir a vida. mudar de endereço. entrar em outra faculdade. conhecer gente nova. sair para novos lugares e aprender a decorar outros nomes, outras funções para o coração além de permití-lo sentir. o fim muda o estado das coisas. ele chuta para frente nossas vontades. enfia goela abaixo ensinamentos. diz assim: vai. vai que você precisa entender por que está passando por isso. qual é o momento exato entre queda e redenção. vai, que é preciso que você corte o laço, não volte atrás e queime em novos ciclos.

isso. queime. porque acabou ontem e hoje é o que existe. amanhã tem coisa pra você fazer. lavar a louça. ouvir samba. ir até o chão com seus amigos. reconstruir a própria pele. a própria vontade de viver. o fim não existe pra nos colocar sobre uma cama e desejar que a vida termine. é no fim que a vida se inicia. se reinicia. e vai indo. você vai chorar bastante ainda. ih. mas tanto. e você vai voltar também. pra entender o porquê de doer tanto. dói muito, eu sei. parece que o peito vai explodir todos aqueles fogos artifícios do final de ano. porque quando termina, você amaldiçoa o dia em que cruzou com ele. você quer deletar as mensagens, fotos, sensações, cheiros, gostos e tudo. eu sei. também quis. e fiz. mas falo como quem atravessou a ponte e já está deste lado. apagar não ajuda muito. bloquear qualquer lembrança só desperta ainda mais dor. é você lutando contra você, entende? é você sendo seu próprio inimigo. e se você está disposto a lutar contra si próprio, por que não tenta também deixar ir? permita que seu corpo descanse um pouco. inclusive do fim.

o fim costura na gente proposta: que tal por aqui? e se você tentar esse caminho agora? e se a respiração for mais pausada, o chá menos quente e as festas terem gosto de festas, de novo? e se você se permitir entender o amor de maneira diferente, experimentar da sensação de quando você tá gostando de alguém e aquilo faz suas pernas bambearem, o coração palpitar, o suor virar parte do seu sangue?

é disso que tô falando. às vezes o fim pode ser só uma ponte pra algo maior. na maior parte do tempo, ele é o encontro de você com um outro-você. um outro-você menos pesado, ferido e magoado. um outro-você menos dependente dos outros, mais feliz em sua própria solidão, mais completo e com mais opções de vida. cinema argentino, por que não? mais filmes nacionais, por que não também? e sobre trocar de escritor favorito por uns três meses, já pensou? a vida é sobre os ciclos. sobre o que podemos fazer com eles e dentro deles.

navegue pelo fim. aproveita ele. olhe no olho. faça perguntas. às vezes você tá gritando tão alto que não consegue absorver o que vem. e vem tanta coisa com o fim. autoconsciência de si, do mundo. entendimento sobre relações, o seu próprio estar nas relações, como seguir menos doloroso. você pode, claro, seguir com o coração apertadinho. com o coração todo machucado. com as asas cortadas, já que o tombo foi feio dessa vez. você pode seguir até sem coração. mas só segue. corre mais um pouco essa avenida que é a reconstrução. corre mais um pouco essa avenida que é esse olhar-para-si com mais disposição. corre mais um pouco, a partir do ponto em que te abandonaram, e olhe com mais cuidado para o seu cansaço.

você vê o que eu vejo? você correu até aqui. e tá correndo. não se trata de fugir. trata-se de você só abandonar aquele lugar em que te deixaram. trata de você olhar para frente, para os lados, para o céu, para dentro de si mesmo, para o centro do universo: você está aqui. vivo. não é certo que entenda seu propósito, inclusive, ao vivenciar o fim?

das coisas, das relações, das pessoas indo embora, de tudo esmoronando?

você vai sentir, sim. e bastante.

esse é o preço que pagamos por ousar existir.

Emanuele Rodrigues
Enviado por Emanuele Rodrigues em 10/01/2018
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