TRIBUTO A UM IRMÃO

Algumas coisas se confundem na minha cabeça, há uma mistura de lembranças reais com projeções, a partir de histórias contadas. No fim, tudo se transforma em lembranças.

Foi com certa confusão que recebi a notícia que iria ganhar um irmãozinho, talvez um pouco de medo de perder o carinho, a atenção que eram só pra mim, no entanto, logo me animei com a ideia de que você seria meu presente, seria meu companheirinho e que, portanto, eu também iria cuidar de você.

No começo eu ainda te trocava por danoninho, mas com pouco tempo juntos, nem por todos os danoninhos do mundo. O sentimento de amor, de cuidado só aumentavam.

Toda vida fui um pouco sacana nas brincadeiras, as vezes até te fazia chorar enquanto minha barriga doía de tanto rir dos seus sustos. Me lembro bem das vezes que jogava pererecas ou sapos em você, de quando me escondi em cima do guarda roupas e joguei uma boneca gigante em você que morria de medo do Brinquedo Assassino (risos). No susto, saiu correndo e bateu com a cabeça na quina da porta e cortou. Fiquei muito arrependido, com remorso e te pedi desculpas.

Também te machuquei quando te balançava na rede e fui tentar fazer um giro de 360°. Como eu não tinha tanta força, a tentativa falhou e você caiu, rachando um dentinho em dois. Claro, minha versão foi que você tentou sair da rede enquanto eu te balançava.

Apesar das maldades, nunca deixei ninguém te fazer mal, nunca permiti que te batessem na escola e se acontecesse, depois eu acertava as contas. Uma vez em uma briga na escola você levou a pior e eu te vi chorando (eu nunca suportei te ver chorando). Ah se eu tivesse encontrado aquele menino!

Me lembro também de uma vez que estávamos jogando futebol numa quadra perto de casa, com uns meninos encrenqueiros do final do bairro, da beira do rio e um deles te derrubou por maldade e te machucou. Comprei briga com ele e com o maior deles quando me rodearam. Não apanhamos de sorte.

Você foi crescendo, as amizades já não eram mais comuns, nossos amigos eram diferentes e, por mais que eu tentasse te manter pertinho de mim, não era como eu queria.

Me conforta não encontrar nas minhas lembranças um "não" pra você. Mesmo no dia que te emprestei meu primeiro carro, contrariando as ordens do pai e da mãe e você chegou com ele todo arrebentado na parte da suspensão dianteira, pois foi fazer uma graça e bateu no meio fio. Me lembro de te dizer que estava sim triste com o que tinha feito, mas que iria continuar te dizendo sim quando me pedisse, que poderia destruir se quisesse, mas que eu ainda diria sim. Sei que aquilo doeu mais que uma bronca e nunca mais se repetiu.

Alguns anos se passaram e você encontrou uma mulher com quem teve uma filhinha linda e que te amava muito. Vocês sempre chegavam em casa nas manhãs de domingo, almoçávamos juntos e à tarde colocávamos cobertores nas janelas da sala para ficar escuro, jogávamos colchões no chão e preparávamos para assistir filmes até à noite. Essa imagem não sai da minha cabeça irmãozinho!

Quando você se separou, nos unimos ainda mais. As vezes chegava em casa, estava ouvindo música e eu imaginava que pudesse estar mal, então eu sofria também por você. Em um desses dias, entrei e você estava apenas deitado ouvindo "A escolha é sua", de Henrique e Juliano. Hoje não posso ouvir essa música, nem o início dela.

No final de semana que se aproximava eu tinha um acampamento em uma cachoeira com meus amigos trilheiros e, por não poder te levar, disse ao presidente da associação que, apesar de esperar ansioso pelo evento, eu não iria mais, pois estávamos só nós dois em casa e eu não iria te deixar sozinho. O responsável pela organização, que se tornou um grande amigo, permitiu que eu te levasse. O dinheiro que eu tinha naquele final de mês era pouco, mas deu para pagar sua parte e a gasolina e ficar sem dinheiro até acabar o mês, não era uma preocupação, pois meu irmãozinho estaria comigo por um final de semana inteiro.

Na noite de sábado para domingo, quase 1h da manhã, você e meus amigos estavam bebendo e resolveram ir até a cachoeira. Eu estava morrendo de frio já, cansado, mas fui com vocês, pois me preocupava contigo. Chegando lá, todos entraram na água, mas eu fiquei de fora te cuidando e te chamando de volta quando quis ir para o fundo.

Não foi minha última lembrança, mas foi a melhor delas. Passamos o tempo todo junto, pescamos às 6 horas da manhã do domingo, só nós dois enquanto os outros dormiam, até bebemos juntos. Foram muitos risos, fotos que ainda não consigo ver. Não sei o que aquilo representou para você, mas para mim foi mágico, mesmo antes do que aconteceu contigo, tanto que mandei nossas fotos para alguns amigos e cheguei a comentar que eu estava muito feliz por ter passado um final de semana contigo e que assim parecia estar te trazendo para mais perto de mim e te impedindo de se comportar mal. Foi o melhor final de semana da minha vida!

As vezes penso que falhei, pois não te chamei para um filme naquela noite, não estava contigo naquele momento, pois jamais te deixaria sair com aquela moto.

Tomara que, de onde estiver, consiga me ver, me ouvir, que tenha a noção do tamanho do meu amor por você e do tamanho da minha dor.

Desculpa por não ter cuidado de você o suficiente, perdão pelas vezes que te fiz chorar ou que deixei triste por algum motivo!

Saiba que te levo comigo para onde quer que eu vá e não tem um dia ao menos, que não me lembro de você, ou melhor, me lembro a todo instante, te sinto quando estou dirigindo, quando estou na minha moto de trilha, quando vou baixar uma música ou um filme, quando vou fazer uma janta em casa e que me lembro de não colocar cebola ou de bater no liquidificador para que não sentisse e de lembrar da minha satisfação ao ver você comendo sem nem querer deixar pros outros. Você era o degustador oficial. Tudo sempre estava bom.

Não sei muito em que acreditar, mas espero que tenha algo além disso, além do que vivemos aqui, pois espero te reencontrar um dia.

Adeus irmãozinho!!