PRIMAVERA

É domingo, a primavera está chegando. A temperatura está alta e eu estou trancada em meu quarto. Fico encarando o celular, e cada vez que o sinto vibrar por cima do colchão sinto minha barriga gelar.

Desbloqueio sua tela lentamente e torço mentalmente para que a notificação mostre uma mensagem dele.

Mas nunca é ele. E já fazem três dias.

Eu estou aqui deitada nessa cama, com as luzes apagadas, e penso em como arranjar forças para não ser aquela que irá mandar a mensagem. Mas não se engane pensando que faço isso por orgulho ou medo, eu simplesmente cansei de lutar contra uma maré que só o que faz é me afogar em profundidades cada vez maiores.

É difícil tentar não ser essa pessoa, porque eu sinceramente não consigo mais imaginar minha vida sem ele. Eu não faço ideia de quem eu sou sem ele!

O que eu gosto de fazer? Que tipo de música eu costumo ouvir? Qual é minha cor favorita?

Ele chegou em minha vida e de repente tudo em mim começou a girar em volta dele assim como o planeta nunca para de girar nesse universo enorme. E isso não deve ser romantizado ou tratado de forma gloriosa, porque não é nada bonito perder sua identidade em prol de outra pessoa! Não é nada atraente abrir mão daquilo que te faz feliz em troca de uma noite de beijos e carícias, em troca de mensagens de bom dia ou qualquer outra coisa que namorados costumam fazer.

Eu não sei quem eu sou! Eu não sei quem eu já fui e como vivi até encontrá-lo. Não faço ideia de como me afundei nisso e também não sei como sair.

É domingo, a primavera está chegando e eu nem sei qual é a min ha estação do ano preferida. Qual cor eu gosto de pintar minhas unhas? Eu tenho algum hobbie? Ou tudo o que faço é encarar a tela de um celular durante toda a madrugada?

É sério que essa é a minha vida? Esperar por mensagens e ligações que nunca receberei, chorar no travesseiro e evitar olhar em espelhos para não se assustar com o reflexo?

O que aconteceu com todos os sonhos que eu tinha?...

Isso não é romântico. É assustador... Eu estou assustada.

O que mais me deixa com medo nisso tudo, é minha falsa promessa ao dizer que não irei responder quando ele me chamar, mas responder mesmo assim quando o telefone tocar. É como se eu estivesse presa numa dessas montanhas russas enormes, num looping eterno onde nada nunca é suficiente, onde só o que eu faço, é me perder no futuro que eu mesma inventei.

Só por hoje eu gostaria de cumprir com as promessas que faço comigo mesma! Gostaria de me lembrar das pequenas coisas que me fazem ser quem sou.

Eu sou a garota que adora usar cabelo solto mesmo quando está calor, que pinta as unhas mas arranca o esmalte quando está ansiosa ou estressada. Eu assisto à filmes com histórias românticas e fico realmente triste se eles não têm finais felizes. Eu não curto fazer exercícios mas adoro dançar de frente pro rádio, costumo escutar qualquer coisa que tenha uma letra legal e me faça sentir arrepios. Eu ainda tenho minhas bonecas guardadas numa caixa em cima do guarda roupa, e durmo com um ursinho que ganhei há alguns anos. Eu canto no chuveiro e costumo sair com minhas amigas sem rumo nenhum, apenas pra rir e curtir a companhia umas das outras. Eu sempre adorei sentar na calçada de casa à noite e observar as pessoas indo e vindo, imaginando se são felizes como estão e quantas vezes já sobreviveram à corações partidos e desilusões.

É domingo a noite, a primavera está próxima e eu descobri que eu amo flores, não pelo velho clichê de ganhar buquês, e sim porque elas são delicadas e desabrocham quando ninguém espera. Eu gosto do frio porque é ótimo pra ficar em casa, mas adoro o calor, porque dá pra usar vestidos floridos e andar por aí sem medo de estar fora de moda.

Eu sou alguém. EU tenho uma vida só minha, eu sou um ímpar em meio à tantos pares e eu, exclusivamente eu, preciso descobrir como voltar a ser esse alguém. Eu o amei, eu o amo, isso nunca será um arrependimento para mim, mas se amá-lo significa abandonar a mim mesma, então prefiro não amar ninguém, afinal, ninguém nunca morreu por estar sozinho.

Eu preciso descobrir quem eu sou sem ele, porque ele sabe exatamente quem é sem mim.