Asfixia da insignificância

“E como diria Salomão, Deus, se “saber é um fardo” não te esqueças nos dar músculos mais fortes…”

Existem dias que parecem mais pesados – eu já disse isso várias vezes. Não sei… Se os dias fossem como uma fila de presidiários indo em direção ao corredor da morte para pagar pelos seus litígios, dias como hoje seriam os presos que arrastam bolas de ferro na perna.

Simplesmente parece que há dias que nos assalta aquela essência que permanece na maioria dos dias, não é um dia de tristeza, não é um dia de pesar, é só um dia vazio, é só um dia sem vida, um dia em que nos assaltaram o fôlego do querer, é uma coisa estranha que apareceu, como se a alma gripasse, tivesse febre e não quisesse sair da cama. Você para… pensa… Parece impossível não pensar num dia assim, e os filmes que passam na sua mente são piores que torturas, por mais irônico que pareça estes filmes são apenas os scripts do próprio passado, os filmes prot-agonizados por você mesmo.

E comigo hoje – na verdade o “hoje” que me refiro já vem se arrastando a mais de vinte e quatro horas, não é um hoje que se define por horas, é um hoje que se define por hoje, por agora. Hoje! Então… hoje sinto como se até então eu tivesse me enganado em relação a quase tudo que sei sobre mim, sinto, apenas sinto, não é que isso seja verdade, estou num daqueles momentos que dentro do coração as emoções aparentam ter mais sentido que os fatos, então preso a isso, vítima de mim, acabo encarcerado pelas próprias tribulações de me sentir, de ser como eu sou.

Parece-me que além de assaltarem-me aquela vivacidade normal do dia, me assaltaram os sonhos – ou a vontade de sonhar os tais sonhos, não tenho certeza. Estou entre o instante de silêncio entre as duas músicas favoritas, estou no instante da expectativa pelo que ainda não foi, pelo que talvez não seja, estou no instante em que se salta do ônibus e espera-se pelo próximo sem no fundo ter a certeza se ele realmente está vindo ou se quebrou no meio do caminho, estou no instante da pré-estreia de é como se é estar morto, sem sonhos, talvez ainda na vida, mas como se flutuasse, se a vida fosse um planeta grandioso e cheio de gravidade, eu seria apenas uma lua, algo que em certo sentido faz parte, mas que também não faz parte, que não consegue dar adeus e que fica apenas circulando preso à mesmice do vai-e-vem circular, contudo longe o suficiente para ser apenas uma ignorável coisa que no horizonte que some na sombra do céu.

Talvez eu tenha sonhado mais, sonhado de mais, sonhar não é pecado, não realizar os sonhos então o é. Sinto-me, então, como o maior dos pecadores, aquele que não se satisfez em mentir para a próximo, mas que teve ainda que mentir para si mesmo e para Deus quando disse “Eu serei”, mal sabia o próprio pecador que ele nunca foi para poder ser. Então o peso da insignificância pairou sobre mim. Sinto-me como o maior dos pecadores, aquele que fortuitamente apropriou-se exageradamente da paz que lhe foi dada por Deus, julgando que estava numa posição de requerer coisas que não eram suas, e que por consequência acabou inundado e afogado na própria frustração, mesmo que pelo que ainda não foi – uma frustração antes do próprio motivo para frustrar-se.

E se minhas razões não forem suficientes? E se Deus simplesmente, sendo Aquele que pretende o melhor sempre, não querer me dar a chance de conquistar na vida? E se realmente ao se ter medo mais se vale a pena esmorecer-se na insensibilidade do que cego, enxergando apenas por fé, tentar agarrar-se à esperança? E se os outros, e suas falhas tiverem finalmente me cansado? Deveria eu desistir dos outros? Deveria eu desistir de mim por ter me cansado de ter me cansado? Que nome se dá a este sentimento? Pré-morte?

Tudo é Graça – até a desgraça – porque por mais que não se pareça a desgraça nem sequer merecia ter tido chance de existir, e teve essa chance, de graça, gratuitamente. Outra verdade é que sentir dor é privilégio apenas dos vivos. Morto não chora, morto não sente, morto não fica doente, os doentes é que fazem de tudo para não se tornarem mortos.Entretanto, por mais que bíblicas, estas verdades não me parecem ter tanto poder para consolar. E daí que assim seja? Se no final das contas sou ingrato não devo, como gorjeta para a vida, ao menos ser sincero ao ponto de dizer com todas as palavras “Estou cansado” “Não sou satisfeito” “Por mim tudo seria diferente”?

Deus se importaria? Mas, Ele não preza antes de tudo pela sinceridade?

Outra coisa que me parece é que dias assim só têm uma explicação: Deixamos de ser criança. E ao deixarmos perdemos aquela pura sinceridade de realmente acreditar. Por mais que acreditemos em nossos sonhos hoje, a dor, o medo, é a prova que a vida já nos sujou o bastante, já nos infernizou o bastante, já nos transformou o bastante, para que não consigamos mais simplesmente sorrir sem chorar. Deixamos de ser crianças, hoje o que sonhamos tem muito mais a ver com nosso egoísmo do que com nossa essência. A criança que se desespera quando alguém que tanto ama simplesmente foi trabalhar sumiu, restou apenas o adulto que tem que trabalhar, e para isso deixa outra criança chorando. Deixamos de ser criança e aprendemos que o que fazemos e principalmente o que queremos têm sérias consequências. Não temos mais a mesma liberdade de agir sem se preocupar com o que acontecerá se fizermos o que planejamos. Nossos sonhos não conseguem mais ser tão puros como antes, eles já nascem um tanto negros, sombreados pelo medo de não dar certo, esfriados pela desconfiança de que as pessoas que amamos não nos apoiarão, asfixiados pela insignificância, assustados pelo fato de que “não é porque sonhamos que a vida tem o dever de realizar nossos sonhos, por mais que sejam sonhos bons, por mais que nos sentimos como boas pessoas ao sonharmos tais sonhos”. Nossos sonhos ainda que de pôr-do-sóis nos horizontes de belas praias, em algum momento são inundados por nevascas de tédio, de ceticismo, de fraqueza.

Parece que mesmo na infância tão controlada por regras éramos mais livres, e hoje sem tantas regras somos tão presos. Quando crianças éramos livres e por isso sabíamos sonhar, hoje como adultos somos presos, e a única coisa que sabemos é viver de obrigações e de egoísmos nas horas livres.

Sinto-me asfixiado por tanta insignificância. Eu queria ser tão grande como era quando era pequeno. Eu queria voltar a acreditar que meus sonhos são bons, são lindos, são maravilhosos, quero voltar a acreditar que sou especial, e que com variável facilidade vou conquistar tudo que quiser.

Nada me garante, nem meus estudos, nem meus esforços, nem os que amo, nem eu mesmo, nem sequer Deus, que o amanhã será o palco da minha realização – isso é realidade. Não teremos tudo aquilo que queremos. Isso é insignificância.

Não somos insignificantes para o amor de Deus, talvez essa seja a única exceção que nos faz ser realmente especiais. Mas, o problema é que Deus é um Cara estranho quando comparado com os nossos padrões de relacionamento. Por acaso alguém já viu um namorado provando o amor da sua namorada? Já viu uma mãe manter-se em silêncio e deixar que seu filho chore na solidão porque isso de alguma forma vai ensiná-lo? Por acaso alguém já viu uma noiva permitindo que outras mulheres seduzam seu noivo, assim de propósito, para que nisso o noivo possa encontrar forças e rejeitar todos estes “pratos de lentilhas” por um bem maior? Alguém já viu um alguém deixar um amigo seu quebrar a cara sabendo ele antes que tudo seria assim?

Eu O amo. Mas, não O entendo. É até irônico, no único sentido em que posso me sentir especial eu não posso entender, não consigo entender.

Pai… por mim não te peço agora, peço apenas pelos que chegaram aqui e que sentem algo parecido com o meu “hoje”. Não te peço para realizar sonhos, que sejas Tu o próprio sonho, já realizado, já satisfatório. Ser humano é algo que dói, venha, então, e faça alguma coisa, algo que só um não-humano pode fazer.

~Leandro Santtos

Leandro Santtos SM
Enviado por Leandro Santtos SM em 10/01/2017
Código do texto: T5877836
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