O Tormento de Adélia (Primeiro Ato)

Levantei pela manha desajeitada, não era um bom dia, eu não estava totalmente encaixada...

A realidade, a rotina, a vida...

Meio sem jeito calcei os chinelos e com um andar cambaleante chegando até o banheiro..

Exausta e sem forças apoiada na pia procurava meu batom vermelho...

Estava ali ainda aberto, mas meu problema era bem mais do que um mal estar matinal...

Era bem mais do que objetos esquecidos...

Meu rosto não estava ali...

Em choque gritei, mas na minha casa moro apenas eu a única a me escutar...

E mesmo se alguém escutasse como poderia me ajudar?

Esfreguei meus olhos e o borrão distorcido apenas se tornou mais nítido...

Estaria sob o efeito de alucinógenos? Ou apenas como o cisne negro per formava a agonia antes de terminar?...

Corri para a janela, não havia ninguém lá fora, cedo ou tarde demais talvez?

Nas minhas fotos mais queridas meus amigos se abraçavam...

Entre eles um espaço persistente, talvez fosse eu...

Eu de fato existo ou quero existir?...

Eles me conhecem ou nem mesmo notaram que estava ali?...

Alguém me ajude, por favor...

Eu pensava ter nome, eu pensava ter vida, até mesmo detestava minha rotina, que não lembro qual é...

O que esta imagem distorcida representa, seria esta a imagem da lucidez ou da loucura?

Talvez este seja meu primeiro dia lúcido e se for então...

Por quanto tempo dormi?...

Corri pelas ruas sem importar se vestida ou nua ou o que vão pensar, nem mesmo sei se existo, preocupar-me com a casca parece fútil agora...

Correndo até cansar, buscando a saída daquele lugar cheguei à beira do mar...

Esticando meus olhos a linha do horizonte até o mais longe que podia enxergar, escutando o som das ondas quebrando, sentido o cheiro...

Tudo parece tão real a minha volta, mas eu pareço não ser...

A fumaça e o barulho da cidade parecem desaparecer...

Há tanto barulho aqui, há tanta toxidade dentro de mim...

Leve embora mar, esta dor de ser e estar, leve embora além mar, além desta dor, da dúvida de ir ou de ficar...

O mar sem resposta continuou, a ir e vir, jogar seu vapor no meu rosto sem definição...

Já não sei o que são lágrimas, monção, ou emoção...

Meus cabelos curtos balançando ao vento, minha pele sente o frio, o calor...

Estou viva afinal?...

Fechei os olhos um instante para fixar meus outros sentidos, ao reabri-los estava deitada em minha cama...

Seria a realidade um sonho do qual acordei?...

Ao checar no banheiro meu rosto estava lá; olhos, boca...

Mas não sei mais se eu estava lá...

Sonho ou realidade, aquele borrão parecia mais como me sinto...

Sem saber exatamente qual seria minha prisão fico entre as grades, da realidade e dos sonhos...

Seria esta a tão falada liberdade?...

Por que ainda não me sinto livre então?...

Meus sonhos foram padronizados, minha realidade não tem expressão...

Tentando culpar alheios, outros além do meu espelho, condenando a todos e absolvendo o verdadeiro culpado...

O retrato falado falho, é truque da minha mente, sei quem sou sem precisar dos olhos ou de qualquer sentido...

Já estava aqui antes de saber a meu respeito e isso não me absolve, sei que ainda sou culpada...

O que faço então?

Devo esperar a próxima noite para me libertar, ou levanto pela manha e construo meus sonhos?...

Ou parar de perguntar o que eu mesma deveria responder?...

É tudo tão confuso e parece tão mais fácil fugir, evitar, esquivar, dormir...

Zeu Rodrigues
Enviado por Zeu Rodrigues em 14/12/2016
Código do texto: T5852958
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