Pensamentos de uma alma peregrina

Tenho procurado pessoas livres, mas tem sido tão difícil encontrar. Elas parecem não conseguir ver além das minhas palavras, das minhas imagens, dos meus sons. O fato é que nada é meu. Sequer eu sou meu. E a certeza disso é o que me dá todas as posses. Eis que assim o universo é meu, porque o universo é o próprio eu que sou. Mas dizer isso me faz parecer louco. Não aguento mais me chamarem de louco. Nem mesmo acreditam verdadeiramente que sou completamente louco.

Tenho procurado pessoas sem identidade. Todas elas têm e todas elas a desejam. Aí está a grande questão: elas desejam o que elas são enquanto dizem não desejar. Isso me deixa maluco! Quando ouço um humano falar, o que costumo é ouvir os maiores absurdos e contradições que só mesmo um ser humano teria tamanha criatividade pra inventar.

Talvez eu esteja indo por um caminho equivocado na minha busca. Eu pergunto se as pessoas estão livres, e prontamente elas me respondem que sim. Alguma coisa, no entanto, sempre me diz que elas sequer entenderam a magnitude da minha pergunta.

Também não quero me colocar em uma posição de glória. Sempre soa assim, infelizmente, mas não é disso que trato. Trato de outra coisa, outra coisa. Ora, trato da liberdade, do fato da liberdade, e não das conjunturas jurídicas de nada. Nem de ética falo. Falo de ser realmente livre pra ser e deixar de parecer, de pensar pra fora da cabeça, de notar que o que olha pelos meus olhos é alguma coisa além das imagens que vê, além das coisas que percebe. Falo da consciência que se nota consciente, como se, no meio do sonho, se tivesse despertado a noção de que se vive em um sonho e não há mais o que fazer além de esperar o momento em que se acorda de manhã. Mas as pessoas, pra entender o que eu pergunto, já deveriam estar pensando fora, na solidão da individualidade santificada, na plenitude perfeita de uma mente sozinha e inabalável.

É estranho considerar essas coisas, porque eu me perco na especulação da liberdade alheia. Então quem me entende está livre e só me acena de longe, no caminho que segue? Então não há como falar com quem se perdeu pra estimular o grande encontro? Como falar pra alguém que está perdido e acha que não está - e notavelmente não sabe pra onde vai (caráter do perdido) - que ele ou ela está perdido sem levantar uma muralha e receber um convite pra guerra? Isso quando pouco. Quando muito, nasce o pior: ignora-se tudo, toda mensagem, toda pergunta, toda dúvida, e tudo o que resta é uma venda de ilusão e ignorância.

Procuro os livres apenas pra estar livre junto e me sentir maior do que o que cabe no meu corpo. Nada que me perturbe demais não encontrar, já que há uma imensidão indescritível dentro de mim, onde não há dor nem sofrimento, onde o espaço e tempo convergem pro mesmo ponto até se fundirem em algo que estranhamente sinto vontade de chamar de "maior", mesmo sabendo o absurdo que é caracterizar o não-espaço atemporal com termos que só dizem respeito ao espaço e ao tempo. Mas estas próprias palavras só eu posso entender, porque são minhas, minhas palavras. E quem mais as entenderia além de mim? Apenas eu, Eu, O Eu, o grande e incomparável EU, o EU sem nome. Estou no coração de todos os que sabem ler. Eu não sou algo que se possa descrever, mas quem quiser, pode tentar, até notar que todo erro em tentativa só pode revelar a verdade que eu sou, atrás dos meus olhos humanos. Eu sou o próprio humano, o representante direto da espécie. Filho do homem eu sou. Filho da mulher. Sou a imagem no espelho de quem se olha nos próprios olhos, além da identidade.

Como compartilhar com todos a verdade dessa unidade inescrutável? Como viver agora sem desejar compartilhar todo esse amor? Onde encontrar quem queira amar? Onde estão os que não querem mais sofrer? Onde estão os príncipes do reino da paz pra que eu possa tão humildemente servi-los?

Julião Morsa
Enviado por Julião Morsa em 12/12/2016
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