Que o amor me invada

Um arrepio leve e passageiro, como a brisa matinal veio tocar-me a espinha me relembrando que essa vida nem se quer é minha.

Vi no espelho meu reflexo envelhecido, o cabelo em tom de cinza e uma saudade tão profunda no olhar. Mil memórias esvoaçavam então em torno de minha cabeça, algumas das quais já nem lembrava lembrar mais.

Vivo apegada a um presente que já nem presente é mais e daí por instantes fará parte da minha história, um passado equivocado do qual eu não soube cuidar, eu não soube abraçar enquanto presente.

Esse corpo que vagueia, que tomo como meu não é se não o barro moldado pela vida que nem minha era, essas batalhas que a custo fui ganhando e perdendo sem saber bem ao certo quanto sangue fui derramando.

Vivo de olhos abertos numa visão tão turva, um olhar de menina que espera ainda ter tempo, sem saber bem para quê, mas se esquece que os olhos como os corpos caminham para a velhice e a beleza que agora não foi contemplada, não mais o será.

Deixo então cair os braços até então cruzados, solto os cabelos que teimam em esvoaçar, fecho os olhos por instantes e sinto no rosto a brisa de final de tarde, que me acaricia como em tempos o faziam as mãos de minha mãe. Lembro com essa imagem os dias que se passaram sem troca de palavras... uma lágrima corre então pelo rosto pálido. Esqueci que assim como para mim também para ela o tempo passou. Pergunto-me se se lembra dos serões que a fiz permanecer acordada, das birras da infância e da arrogância da juventude. Espero que não me odeie, nem guarde rancor da menina difícil que fui, eu não sabia ainda o que era ser pessoa crescida, desconhecia a dor da perda, dessas batalhas constantes que é a vida.

E a lágrima deu lugar a um choro frenético e perco então o controlo,. Permaneço sentada na terra, que me vai cobrindo os pés descalços como manto castanho. E mais uma vez as memórias, e com elas a saudade.

Queria poder ter dito "fica mais um pouco, não te vás", mas quis Deus, o destino, a morte ou o que quer que tenha sido que o luto me abraçasse.

Que o amor me invada, e que me permita dizer na hora certa tudo aquilo que não quero lamentar ter calado, no futuro.

Liliana Soares
Enviado por Liliana Soares em 08/12/2016
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