Desculpa, mãe

Mãe, eu só queria alguém que acreditasse em mim. Eu achei que você acreditaria mas não parece ser o caso. Tudo me afeta, mãe, tudo tem me afetado. As lágrimas que de mim saem carregam uma dor que eu nem sabia que existia. Eu não sei o que acontece, mãe, eu não sei o que tem acontecido. Você pede pra eu contar minhas dores pra outras pessoas mas eu não consigo contar, mãe, eu não consigo contar porque nem eu sei o que eu sinto. Eu não sei nem se eu sinto. Eu queria comer estrelas, mãe, jantar estrelas todos os dias para que então algo brilhasse dentro de mim. Mas isso não existe, né, mãe? Isso é coisa de sonhador que não bate bem da cabeça. Me chamam de antissocial, me chamam de esquisita, mãe, e o que é ser isso? Quando me rotulam dessa forma eu dizia que era normal e que o resto do mundo é que é estranho. Mas eu não acredito nas palavras que eu pronunciava. Isso me afeta, mãe. Tudo me afeta. As guerras, a seca, a fome, a desigualdade, a dor que o mundo sente, eu também sinto, mãe. Onde fica o paraíso, mãe? Por que a gente precisa morrer pra chegar nele? Ele não devia ser aqui? Eu não sei mais o que aconteceu comigo, mãe, quem toma conta desse corpo não sou eu mais, é outra pessoa, uma que eu não conheço. Eu sinto medo, mãe, eu sinto medo 24h por dia, eu digo que não sei o que eu temo, mas eu sei sim, mãe, eu sinto medo de mim mesma, todo dia, o tempo todo. Porque essa não sou eu mãe, você sabe disso, eu não sou assim, então sabe-se lá o que mais eu posso me tornar. Eu me sinto imprevisível, sem saber quando vou surtar, quando vou sofrer, o que eu vou sentir. Eu não sei mais cantar, mãe, eu não sei mais escrever. Arrancaram a poesia de meus lápis, de meu peito, de minha alma. Cadê, minha poesia, mãe, cadê? Por que você não acredita em mim, mãe? Por que você acha que tudo eu posso controlar, que tudo eu vou saber? Por que você acha que não dormir é uma escolha? Por que você acha que tudo da minha vida ultimamente foi uma escolha e não porque eu me senti sem saída, mãe? Feche os olhos, mãe, feche os olhos. Quando eu os fechava eu via galáxias, mãe, eu via galáxias e cosmos e eu acreditava que eu era parte de uma galáxia esquecida. Agora eu fecho os olhos e não vejo nada, mãe, eu não sinto nada.

Sarabi
Enviado por Sarabi em 31/10/2016
Código do texto: T5808295
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