Um assédio tão estranho...
Observação. Este texto se refere a algumas das produções literárias da autora, em forma de livros.


15 de janeiro de 2016.

Ela caminha por um caminho que parece já ser o anteriormente percorrido. Laterais prodigas de verde hipotético em vegetação intensa quase cobrem o que sua vista deseja alcançar.
Há uma curiosidade inédita em sua vontade, um desejo imenso de saber mais, querer ver o que está ligeiramente oculto e que, por fugazes segundos, em pinceladas de visão, aparece nítido para de novo e em seguida se imiscuir na obstrução visual.
Escuta umas melodias pelo caminho, tantas, aquelas que pontuaram sua vida nos vários momentos por ela vividos. E agora. Nos atuais. Queda-se a ouvi-las e parece reviver instantes no sabor da evocação daquele tanto tempo perdido em uma única mulher.
Que sons são estes, tão invasivos em seus tímpanos? Alguns vem trazidos pelos odores lembrados. Melhor diria ela se falasse olores, tão suaves são seus cheiros, quase com sabores, cheiros cheirosos de amores. Me parecem, sim, mesmo, cheiros de amores...
E a mistura de novo se efetiva.
Há uma fragrância que flutua. E o verde em balanço contínuo se meche, se integra e desintegra na percepção de seu olhar.
Encontra letras, muitas letras gigantescas, que parecem brincar, atropelando umas às outras. Saltitam entre seus pés e obrigam seu olhar a decifrar seu significado. De repente os seus olhos identificam uma sala.
Minúscula sala. O que é isto? Uma após outra entram mulheres. E vão contando e contando. E dizem de sua tenacidade. E de sua luta. E de sua busca pela saúde.Agora lembra bem. As letrinhas brincalhonas formam uma frase: Mulheres de Coragem...
E que mulheres aquelas tão atrevidamente de bem com a vida em sua busca incessante por ela?
E o séquito de mulheres se avoluma. Passam a ter nome. Cantam em coro. Saúdam-se, umas às outras. E saúdam à Vida. São sim, as Mulheres de Coragem, que enfrentaram o câncer de mama e dele se livraram.
Mas ali ficaram, eternizadas naquelas páginas cor de rosa daquela mulher entre o verde hipotético e pródigo das laterais.
Ela sorri. Bom lembrar aqueles dias de entrelace humano, quando o compromisso de colher depoimentos naquela sala minúscula era a sua obrigação diária, assim como diária era a sua tarefa de relatar tudo o que de triste ouvira para ser convertido em palavras escritas de esperança...
E assim foi... um tempo longo...E as mulheres de coragem ficaram amigas da mulher que agora caminhava pelo caminho que já parecia seu conhecido. Seria?
Á sua frente novamente brincam as letrinhas, agora muito mais sorridentes, mais afoitas, mais safadas, mais agitadas...São letras crianças, miudinhas...Vem formando um título: “Um livro, seis mãos, três idades” ...Duas menininhas se dão as mãos e se fazem carinhos. Afagam a cabeça da mulher...Duas meninas!
Salta da floresta lateral, de verde magnifico, airoso e belo o Leão RiÔ. Figura imponente, lindo demais, que a tudo e a todos seduz...vem acompanhado de JOA e de NINHA, vermelhinhas e cheias de pintas pretas.
Há um castelo logo ali. Dona CIÊNCIAHORTÊNCIA e dona SOFIAFILOSOFIA em sua eterna disputa saem de sua porta alvoroçadas e brigam por quem é mais importante no universo: Ciência? Filosofia?
Cavalgam, impolutos e apaixonados, como nunca estiveram tanto e agora estão, Rubi e Baixinha, égua e potro plenos de amor.
Mais letrinhas dançam sob os olhos da mulher. Gralha Azul leva no Bico...vai fazer a plantação. E há o momento em que chora, ao ver que seu é o filho tão lindo, crescido e estupendo em forma de taça erguida ao céu...
E pulam letrinhas formando O Rio Que Se Aborreceu em revolta absoluta pela incontrolável e nefasta ação humana sobre as águas e as nascentes dos rios brasileiros.
Desponta um título: Arca de Noé. Na memória da mulher há uma frase...que lindo!
Um a um sobem os casais existentes na natureza de Deus. Só para mencionar alguns que as letrinhas escreviam lá vinha Dona Jaboti e o companheiro, Dona Zebra e o marido cobrindo suas listas com manto branco pois estavam encardidas. A onça estrábica e o companheiro. O casal de centopeias, ela com muletas em doze das suas pernas recentemente quebradas...eram tantos, eram todos os animais existentes...
Queda-se a mulher a sentir saudade. Nunca soube EU, mas acho que é possível, sim, sentir saudade de nós mesmos. É?
O caminho fica estreito. Mas o verde ainda está ali.
A poesia paira no ar. São muitas. E vem pelas letrinhas, que justapostas, vão formando versos e tantos títulos...São muitos anos, seis, de Antologias que expressam a poesia do Brasil. A mulher rememora.
E agora entende. Foi ela? Foi? E as gavetas saturadas de escritos? E as bolsas cheias de papeizinhos? E o que precisa ser digitado? E os baús? E o que foi perdido no funesto HD sem arrumação...
O verde escurece. Ela se entristece.
Escrever foi o seu SER. Ainda é.
Desastroso HD, realmente perdido...E tudo o que estava lá? Os contos, os poemas, as crônicas, os textos, o ELA, ela, Ela.
Perdido?
Na beira do caminho está parada. Letras avolumam-se sobre seus pés, acotoveladas, desorganizadas. Aflitas por sua aflição. E devagar vão formando...Instituição Lanche das Gatas. Que bom. Tão bom
A mulher sorri. O verde das laterais faz um carinho em seu rosto. Bem de leve. Canta em surdina uma cantiga, mais parece uma ciranda.
Agrupam-se meninas à sua frente. Uma moçada linda, colorida de juventude, com cores do azul e do branco, com gravatinhas azul marinho na blusa branca e sorriso em todos, literalmente todos os rostos...
As meninas do Instituto de Educação.
Ria deslumbrada, deslumbrada, a mulher. Não as criou, àquelas pessoas existiram, existem ainda acumuladas dos anos que a vida deixa ser.
Dançam as letrinhas, agora muito calmas. Satisfeitas por ter feito sorrir a mulher.
E vem outras. Outros milhares de letrinhas...Livrinhos, Opúsculos, Historinhas, Comemorações em Família, Homenagens. Natal. Cada Nova Ano. Cada instante, Vida. Morte. Toda. Tudo.

O verde silencia. O caminho se aquieta. As letrinhas, uma a uma, silentes, em organizada fila vão se compondo.

Aparece O Poeta e a Nuvem Menina.
A mulher sorri.

Sua vida não tem sido em vão!
isabel Sprenger Ribas
Enviado por isabel Sprenger Ribas em 31/08/2016
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