CÉUS AVESSOS CVII
 
“Entre grandes
quedas e pequenos soerguimentos,
até o precipício final.”
(Thor Menkent)

O tempo, retalho-mor da farsa mitológica, mostrou-me detalhes ocultos no horizonte invisível: entre o sorriso vespertino e o choro noturno, flutuam desordenadamente, nos obscuros espaços internos do ser, sem que ninguém perceba, cores daltônicas e cheiros pútridos da aberração.

Sob máscaras estranhas, negamo-nos a ver em nós próprios a falha na atuação, apregoando-a a todos os demais figurantes vivos ou mortos, de todas as épocas, e de todos os espaços projetados pelo pseudocentro universal , em imagens originadas da obscena escravidão ao ego, já condenado ao vazio inabalável da morte.

Não devíeis vós lamentar pela vossa própria dor, nem pela vossa própria decadência, mas pela condenação a ambas de vossos filhos nascentes ou por nascer, sacrificados também à não-desmistificação própria, pelo olhar avesgalhado e pelo uso insóbrio de poderosos e solidificados escudos para tuas próprias cinzas inférteis.

Digo-vos o que vos negais a ver, no entanto: aquele que mais se apregoar puro e bom é, na verdade mistificada, o que mais se nega em quedas e o que mais atua sob a luz que emana de suas próprias sombras, a dar contornos incorretos aos silenciosos e pálidos atos ou pensamentos que se escondem atrás de uma porta qualquer.

Somos como ventos desordenados, ora fracos, ora impiedosamente fortes e avassaladores, em choques egocêntricos com todo o demais resto de tudo que houve, há e vier a haver.

Eu, de mim, também guardo ainda trancado meu cheiro livre e meus murmúrios secretos, entregues tão somente a um ser que se não suportou a exposição de minhas entranhas, sem que ela percebesse que foi preciso matar e morrer, ousar e perder diante dos mesmos olhares, sedentos de ira e demais sentimentos mundanos em mim impostos com vigor.

Se há constelações incompreensíveis ainda não descobertas ou se há vermes famintos passeando e se alimentando pelos lugares mais obscuros de minha mente decadente, por que devo eu, continua e despudoradamente, apenas me apregoar nobrezas e inocências que já em mim, como em todos, foram mortas no berço da entrega à grande viagem?

Digo-vos e que se registre invisivelmente suspenso no ar de janeiro principado, enquanto as belas árvores e flores secretamente murchem no pomar onde dançam com dores, e com fulgores, e com o abismal que nos omitimos e trancamos em nós mesmos.

E contemplem, no ritmo dos mesmos ventos meus e vossos, nossas verdadeiras faces, e que ouçam de nós todos os sons incomunicáveis e devastadoramente sombrios, originados do mundo hipócrita que escondemos atrás de nossos rostos pálidos.

Sim. Que se suspenda no ar já da véspera do contato vulnerável que de mim digo: sou um deus a criar mundos inexistentes e a oferecê-los para adoração própria, e sou um demônio a omitir minhas perfídias aprisionadas muito além dos verbos construtores de imagens magníficas, vomitadas pela boca em esforços indigentes.

 
Assim diz o cão. Consumatum est!
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 27/08/2016
Reeditado em 27/08/2016
Código do texto: T5741853
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