A Beleza da Inocência (Menino)

"Eu sei e você sabe, morreremos um dia.

Mas ao menos, ao menos morra menino."

A princípio, bastava-me ser feliz. Mas aí me veio os sonhos, e com os sonhos a esperança, com a esperança a vontade de fazer algo que me realizasse de alguma forma, veio depois o dever de dar sentido a tudo, e cada vez mais o tudo se tornava nada, logo então, começava tudo novamente. Quando se está vivo você ganha uma caixa repleta de deveres e afazeres, normas e proibições, o tal do que se pode e não se pode fazer (ou nunca poderá?!).

Penso que se fosse um robô, as coisas pareceriam bem mais simples, não haveria de pensar tanto com meu órgão cardíaco, agiria por agir, sem pôr o coração em jogo, ai quem sabe, elas perderiam um pouco o seu peso sufocante. Quando menino, eu ganhava o mundo, subia montanhas e dormia em castelos, tudo me parecia fácil demais, tanto porque bastava imaginar e eu já era o imaginado. Mas eu cresci, comecei a morrer com o tempo, deixei de ser menino para virar homem. Que sente as coisas, que ri e que chora, que dos mesmos olhos por onde saem lágrimas de felicidade também saem as de sofrimento e dor. E talvez eu nunca devesse ter amado e sofrido por isso, mas ainda assim amei e sofrei, também não devia ter odiado quando me apareceu o "inimigo", mas veja só você... odiei. Essa provavelmente foi minha maior característica, sentir, mesmo que não devesse. Quando menino se sente demais, se pensa de menos, provavelmente essa é a parte bela da vida. Quando menino.

No segundo momento, bastava-me uma família, e um carro, e um emprego legal, e casa, e reputação e filhos..., bastava-me um amor. Como é doce a vida, antes de prová-la, como é apavorante a dúvida em não ter nada defronte a possibilidade do tudo. Bastava-me não estar sozinho, calcando as ruas como um sujo mal lavado, não, não aceitaria ser olhado de lado como um verme leproso, contudo, a vergonha quando nos chega, ela nos gruda a face, e logo estamos acostumados a ela. Bastava-me não ficar sozinho, mas viver é e sempre foi suportar a dor da solidão de não se permitir estar só. Soubesse eu deste detalhe, talvez fosse tudo diferente, ou tudo igual, ou pouco importa agora.

No terceiro momento, não restou-me mais nada, deitei tudo ao chão e voltei ao tempo em que não me surgia nada em mente, nada a buscar, nada a que sonhar. E então, fica claro o quanto as coisas me foram alheias, o quanto tudo apenas fazia sentido por haver o medo de perder, e perdi! Se eu houvesse morrido menino, os sonhos não me amargurariam tanto a boca, talvez se... eu não houvesse sonhado tantos sonhos, eu agora estaria chorando por sonho nenhum. Quando me dei conta do que estava perdendo já havia perdido, quando me dei conta de minhas forças, já era um fraco, quando olhei-me no tempo, ele já havia passado. E se tivesse buscado no momento em que não buscava nada, ainda assim teria perdido, estaria olhando o passado com o mesmo pavor do futuro, olhando o futuro com o mesmo arrependimento do passado. Porém vivi, e até onde cheguei, nada me parece tão inútil assim, ao menos, me serve como uma boa história, sei que não deve ser das mais belas, das mais inesquecíveis, mas me serve como lição e um extraordinário exemplo: de como somos (em vida) inúteis.

E desejo-te o mesmo, ainda que não mereça certas dores. Desejo-te que chore, que se descabele ao chão, que sofra sozinha, que viva sorrindo. Desejo-te também a morte, sim, a morte, pois ela com certeza chegará. Que lhe venha cedo, ou lhe venha tarde, que lhe venha agora ou amanhã ou nunca. Entretanto, sinto um desconforto, um desconforto na alma por imaginar você partindo, pois neste momento desejo-te em vida... Não devia, mas desejo que dure para sempre. Há tanto ainda a ser dito, tanto a ser sonhado, que não poderia aceitar sua morte, e que é morte pra quem já renegou a vida? (...) Por fim, desejo que a terra te seja leve, quando chegar a hora.

Eu nasci, cresci, amei, sorri. Odiei, errei, chorei, novamente amei e talvez eu até gostei. Se estivesse hoje no meu último dia de vida, certamente eu estaria fazendo planos para um amanhã. Certamente estaria oculto em minha mente a ideia de que sou imortal — e como somos bobos, todos nós! Se estivesse agora em meu último dia de vida... eu morreria acreditando ter mais um dia, para sempre e mais um dia. Mas, ao menos, se eu tivesse morrido enquanto menino, eu não teria perdido meus sonhos, e talvez...talvez eu teria a sorte de ter morrido um pouco mais vivo.

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 21/06/2016
Reeditado em 03/02/2018
Código do texto: T5674470
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