O inferno é aqui

O inferno é o fone incrivelmente enrolado.

O ônibus lotado e você em pé.

Esperar o resultado de uma prova importante.

O movimento lento do sábado à tarde no serviço.

O arrependimento de achar que bebeu muito.

O arrependimento um dia depois por perceber que deveria ter bebido mais.

Primeiro período de Matemática.

E segundo de Química.

Querer dormir e não poder.

Querer dormir e não conseguir.

Não ter carona pr'aquela festa.

O inferno é brigar com os pais.

Ter que guardar grana.

Esperar.

Tirar a sobrancelha.

E depilar o buço.

Missa longa.

Gente que fala cuspindo.

Gente que fala cutucando.

Gente que mente.

Gente metida.

O inferno é ter que comer cenoura.

Estar gorda.

Estar sem grana.

Gente que fala alto no cinema.

Gente que a gente gosta doente.

O inferno é ficar sem internet.

E sem livros.

Café fraco.

E frio.

Leite azedo.

E jiló.

Roupa cara.

Sapato que aperta o dedinho.

Passar um tempão amarrando o cabelo e um fio ficar puxando.

Acordar cedo no frio.

Viver no calor.

Suor.

Querer comer e ter visita.

"E os namoradinhos?"

"Nossa, como você engordou!"

"Você não acredita em deus?"

"Por que não come carne?"

O inferno é a unha lascada.

Ouvir funk alheio no ônibus.

Ouvir pregação no ônibus.

Tédio.

Gente preconceituosa.

Gente que não atende o telefone.

Gente que judia dos animais.

Chuchu.

O inferno é a violência.

A ditadura oculta.

Gente que não se importa.

Gente que releva assunto sério.

O marido que bate na mulher.

A mãe que joga o filho no lixo.

O filho que rouba a avó pra sustentar seu vício próprio.

Bolsa do coro do jacaré.

Tapete da pele da onça.

Jaqueta do couro da cobra.

Passarinho sem árvore.

Árvore só no toco.

Gente perdendo mão pelo ouro.

Escravidão oculta.

Nuvem de gases tóxicos na China.

Bala perdida no Rio.

Homem que explode no Iraque.

Gente se matando por Alah.

E por Jeová.

E vem me dizer que não quer ir pro inferno?

Ainda existe dúvida de que estamos nele?