Coruja

Teve um dia que estava voltando do almoço, subindo a rua do meu trabalho, quando os funcionários que estavam no portão acenaram pra mim desesperados e apontaram para além das minhas costas; olhei pra trás: um caminhão que descia a serra, vindo da BR, estava sem freio e passou direto na rotatória - quando deveria virar à direita -, vindo em minha direção. Atravessei a rua impassível e assisti aquele monstro atravessando um cruzamento, sendo guiado por um motorista de olhos arregalados. Conseguiu parar um pouco além de onde eu estava, do outro lado da rua. Dei de ombros e continuei minha subida, afinal, ainda tinha que me conectar ao wifi antes de pegar no batente novamente. Hoje eu estava no banho, num banho de meia hora, num banho de esquecimento, quando comparei esses meus dias down a caminhões desgovernados vindo em minha direção e me lembrei desse dia. Tento entender e nada progride nas minhas autoanálises. Há dias em que me arrependo de ter atravessado a rua. Eu escrevo aqui e agora sem foco, só por escrever e não quero ser coerente, só quero isso de esquecer minha vida por alguns minutos diante desse teclado. Quero desistir de tudo que está acontecendo. Me sinto tão cansado e desamparado e meus dias de 19 horas ininterruptas de amolações e imolações não me ajudam a raciocinar e encontrar um paliativo. Meu cachorro e meus gatos o são, agora me recordo. Penso que me compreendem. Tenho que me fiar a idéia de que em seus crâniozinhos irracionais eles entendam que são tudo o que me dá coragem ultimamente. Já não sou mais um moleque e não sei como se amadurece. Do verde fui direto à putrescência. Quero cair desse galho, mas não tenho coragem suficiente. Estou em pé na faixa de pedestres do cruzamento da Paulista com a Augusta com os braços abertos diante de uma fileira de ônibus com o farol alto espocando nos meus olhos. Estou cego. A água do chuveiro cai, meus olhos estão fechados, meu telefone toca na sala (mas não tenho telefone), meus amores estão fadados ao fracasso e a inércia me abraça diante de novas possibilidades. Como posso amar alguém em um dia e no outro sentir tanto nojo? Quero desistir. Quero pedir perdão de joelhos a quem magoei nesse ano do caralho. Me desculpar por ser um filho da puta. Quero parar de sonhar diariamente com uma pessoa que só conheço por fotos. De imaginá-la a me buscar na faculdade, pegando meus gatos no colo e me dizendo que eu tenho que exteriorizar esse potencial latente em alguma coisa ainda não descoberta; blá, blá, blá. Consegui. Hora de dormir. Amanhã o inferno recomeça. Odeio quando a solidão me incomoda.

18/10/2015 - 23h41

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 19/10/2015
Reeditado em 19/10/2015
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