75% concluído

Já faz um ano que eu não tiro os óculos para olhar o movimento da minha rua, já é estranho sair caminhando e duvidar se eu realmente estou no meu bairro, se aquela ali é a minha vizinhança. O prefeito fez uma bostalhada, enfeitou cada canto com no mínimo três placas, colocou uma ciclovia literalmente no meio do asfalto, e como se não bastasse, encheu de luzes amarelas.

Já faz uma década que continua madrugada, não me refiro as madrugadas animadas nas quais ao amanhecer eu voltava pra casa bem cansada. Falo de uma madrugada contínua, onde o sol é uma esperança bem distante e o sonho maior é ouvir o galo do vizinho fazer barulho de 15 em 15 segundos. Deitei na beira da piscina para tentar procurar constelações enquanto deixo minha mão submersa, e não encontrei nem o Cruzeiro do Sul.

Já faz um século que atei um nó na garganta, que nem o mais sensacional dos ilusionistas poderia desfazê-lo, ainda não é um nó físico, não é um nó pendurado, o nó não tem motivo, não tem hora e não tem “não”. O nó tem vontade própria e a cada hora que passa se prende um pouco mais em mim.

Já faz um milênio que troquei a minha alma, não sei com quem, não sei o porquê, ganhei em troca alguns lugares vagos e procurar por preenchê-los perdeu o barato, acabou a graça e o cansaço já tomou todo o espaço causando uma dor desviada bem chata e gotas de suor referentes a uma corrida em toda praça.

Já faz uma eternidade que eu ando querendo dormir cedo, dormir jovem, dormir tanto e tão bem a ponto de esquecer que tenho que acordar, e quem sabe não ter realmente que acordar. Me dou uma semana pra encontrar uma alternativa, se não tiver, me dou três dias para achar um método, se não achar, me dou uma hora para fazer de qualquer jeito.