Outrora

A testa franzida, os olhos semicerrados, a boca endurecida com o tempo, parecia tudo muito vago, parecia tudo muito esquecido. Não se pensava mais daquele jeito, eles diziam sempre que era tudo muito ultrapassado, que não se poderia viver mais isso, mas só sair na rua e as calças pantalonas estavam ali, o chapéu Panamá na cabeça de um jovem, diziam a dois anos atrás que aquilo era brega, hoje é moda. Estava quase a beira de desmanchar todas suas teorias e crenças, não sabia o que era verdade. Diziam que era tempo do budismo, como poderia, não quero nascer um pato, pois é, a arte oriental também está na moda.

“Restava acender outro cigarro, e foi o que fez. No momento de dar a primeira tragada, apoiou a face na mão e, sem querer, esticou a pele sob o olho direito. Melhor assim, muito melhor. Sem aquele ar desabado de cansaço indisfarçável de mulher sozinha com quase quarenta anos, mastigou sem pausa e sem piedade. Com os dedos da mão esquerda, esticou também a pele debaixo de outro olho. Não, nem tanto, que assim parece japonesa. Uma japa, uma gueixa, isso é que fui. A putinha submissa a coreografar jantares à luz de velas. — Glenn Miller ou Charles Aznavour? —, vertendo trêfegos os sais - camomila ou alfazema? — na sua água da banheira, preparando uísques - uma ou duas pedras hoje, meu bem?”

Marina Mood
Enviado por Marina Mood em 28/08/2014
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