Miseravelmente Arrasado e Gripado

Todo o tempo que tenho disponível pra pensar parece ser esse que passo em pé no metrô e no ônibus, com a cara a dois palmos de um cabelo ensebado ou de um rosto querubínico. Meu coitadismo nessas situações atinge picos esquisitos, às vezes. É, às vezes. Quando paro pra pensar ele assoma feito acne: incômodo, doloroso, sujo. Mas quando não paro, só penso, a coisa engata a quinta e corre tão rápido que nem me dou conta de onde estou. Contudo, isso é raro... Raro. Constato isso entre uma estação e outra, aqui, agarrado a um ferro com a mão esquerda e debruçado sobre o ângulo reto de apoio que se transforma meu bíceps, chacoalhando, miseravelmente arrasado e gripado.

Que vidinha meia-boca.

Sopesando os ônus e os bônus chego à conclusão de que sei lá, tudo seria mais fácil se eu criasse coragem e metesse logo um balaço no palato. Depois de levar pelo menos uns cinco filhos da puta comigo, claro.

Mas são tantos os ônus, é tão imensa a falta de sentido, de tato... Adoeço. E quanto aos bônus: embustes. Sempre haverá aquele cachorrinho da rua que te vê e faz festa; sempre haverá aquele gato que se enrola no seu colo e ronrona em (e te empresta a) paz. Sempre teremos aquelas poucas horas que passamos com as pessoas que prezamos para contrabalancear. Aquela pessoa que você presenteia com um gibi velho comprado num sebo que te diz que foi o melhor presente dos últimos tempos.

Tudo para que eu esqueça que minha existência é um mero acontecimento, para que eu esqueça que o ódio que sinto e é tão coerente ao ponto de deixar tudo cristalino não passa de um grande equívoco. Não passa de uma cegueira temporária.

Quanto tempo dura algo temporário?

Só sei que dura mais que todas as viagens de ônibus e metrô que faço.

Mas, quanto? Quanto?

19/04/2013 - 00h02m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 19/04/2013
Código do texto: T4248201
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