O Idiota

Já me falaram algumas vezes que eu tenho o melhor abraço do mundo. O abraço tem uma força considerável! A troca de energia de um abraço é única. Pode-se desabar com os braços de uma pessoa em volta de seu corpo em minutos, mesmo tendo atravessado horas, dias, enfim, muito tempo com alguma agonia e/ou sofrimento represada(o). Eu abraço com vontade, mesmo, principalmente quando estou com vontade e eu não escondo nada nem tento frear minhas energias, sejam elas de felicidade ou amargura.

Já me falaram algumas vezes que eu tenho o pau grande. O maior ou o segundo maior pau que já viram.

Já me falaram algumas vezes que eu sou inteligente.

Já me falaram algumas vezes que eu sou boa companhia.

Eu ergo a sobrancelha porque olho pra baixo e não vejo nada de anormal, fico repensando o que eu faço, fiz, e penso em fazer e chego a conclusão que minha inteligência é quase inexistente e tento entender como sou boa companhia pra alguém sendo que às vezes eu não suporto nem a mim mesmo como acompanhante.

Já me falaram algumas vezes que eu sou o escritor predileto. Isso sim, é algo que me deixa com o queixo caído, caídasso. Num nicho com milhares de escritores de todas as épocas; de séculos passados, clássicos, aos escritores contemporâneos, consagrados ou não, com livro impresso ou não, ser o escritor predileto de alguém é algo que me enche de vida, orgulho, força, vontade.

Sim, falam que eu sou fofo. O mais fofo, que eu sempre escrevo coisas cada vez mais gostosas de serem lidas. E que eu sou um canalha degenerado, um galinha maldito, um tratante dotado de extrema argúcia, um covarde fujão que evita conversas conclusivas somente pra evitar a preguiça do que culminou de um montante de atitudes que foram tomadas ou não, de palavras que foram ditas ou não.

Falam que meu cabelo é bonito e gostoso de pegar, que meu sorriso é perfeito, que eu tenho mãos de moça e pernas bonitas e que a mudança da cor dos meus olhos é encantadora.

Eu recebo tudo com um misto de timidez e dúvida, pois quase tudo o que falam é inverso ao que penso de mim mesmo. Por fim, agradeço ou retribuo o floreio ou fico quieto.

Como já li no perfil de um dos meus escritores favoritos no Recanto das Letras: "SOU é uma antítese em todo e qualquer caso; tudo aquilo que se possa vir a ser no próximo segundo será aniquilado no segundo subseqüente."

"SOU é uma antítese em todo e qualquer caso; tudo aquilo que se possa vir a ser no próximo segundo será aniquilado no segundo subseqüente."

Leio e releio isso. Releio, leio, releio, leio leio leio leio. Eu posso por alguns segundos me sentir a melhor pessoa do mundo, pois eu tenho o melhor abraço do mundo, o maior pau que já viram, uma inteligência impressionante; ser a melhor companhia de todas, o escritor contemporâneo mais profundo de todos; o cara mais fofo que já tiveram notícia; o cretino promíscuo mais desgraçado e digno de pena que já andou na Terra; olhar no espelho e tomar a liberdade de achar meu cabelo bonito, de sorrir pro meu reflexo e elogiá-lo pelo perfeito desenho dos dentes e lábios; olhar pra baixo e contemplar minhas mãos em primeiro plano e minhas pernas em segundo e suspirar porque elas são inspiradoras. Posso tomar a liberdade de mergulhar no egocentrismo que me dão de lambuja por alguns segundos, pois logo após tal egolatria será esquecida, banida e volto a ser o misto do que falam com o que não falam com o que penso e faço como juízo de mim mesmo.

Mas algo que essa antítese do "ser ou não ser" não engloba, e que falam pra mim, é que eu sou um IDIOTA.

É o que me FALAM e é o que eu PENSO.

Num segundo eu penso e esqueço e no outro me lembram.

Não há espaço de tempo que deixe nisso uma lacuna a ser preenchida; não, sou IDIOTA em tempo integral, da hora que eu acordo até a hora que eu vou dormir.

Sim, é isso que eu sou: IDIOTA.

Da carne ao espírito, do cu à garganta, do dedão do pé à testa.

E isso nada muda, nada mudará. Nem palavras, nem atitudes, minha ou dos outros.

UMA vez IDIOTA, SEMPRE IDIOTA.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 03/11/2010
Código do texto: T2593931
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