" O AMOR SAIU DO TOM"

Capítulo XVII do Livro :

Resiliência.

O tempo arrasta, Joana para uma ideia de abismo, aquele momento que divaga sobre a vida, suas circunstâncias, suas necessidades e seus erros. Sem perceber sua mente flutua, caminhando cegamente para racionalidade do que estava acontecendo. Espera que não faça parte do abismo de tanto apreciá-lo. Tenta fantasiar que ao atirar-se, existiria alguém pronto para ajudá-la, alguém que iria curar todas as suas feridas, que segurasse suas mãos para ajudá-la a levantar-se. Porém existe a possibilidade que alguém esteja na mesma situação, ali caído sangrando com a mesma dor e queira, tentar restaurar-se em sua companhia também. Uma espécie de mutualismo, troca ou reciprocidade. E assim nasceria uma outra história de amor, ou codependência emocional.

Sempre que se sentia perdida, sentava na areia, segurava suas pernas, abraçando-as apertado. Era tão acolhedor sentir seus braços em forma de uma abraço uno, como um amor próprio a envolvendo. Olhava o vai vem do mar em tom de um azul turquesa, as areias amareladas para fugir da ideia de um paraíso. Era tão real o caos, uma bela paisagem, transformando-se em algo comum. Era o vento que chicoteava seus cabelos em seu rosto, o sol clareando seus olhos e cegando sua vista, mas percebe aproximação de uma pessoa. Inicialmente era apenas um sorriso branco, no meio de um pele bronzeada, um cheiro de maresia. Sempre recarrega sua energia com o salitro do mar. Aquele homem te fez sombra, mas não se importava com a presença dele, mas sim com a necessidade de sentir-se bem. Ignora a presença do intruso e continua a fitar o mar.

"A paisagem sempre é a mesma, mas seus elementos sempre mudam. Isso se chama esperança e fé. O ar não é o mesmo, aquela água fria muito menos. Somos passíveis de viver uma mesma história sob óticas diferentes. Talvez por isso, toda história possui dois lados, o meu e o do Gustavo". Eis que o intruso interrompe seus pensamentos.

- Olhando o mar? - Joana imediatamente pensou em 200 formas de ignorar uma pergunta tão banal. Ela estava de frente para o mar, como não olhar? Pensou em dizer vai embora e tantas outras respostas ignorantes, mas optou por fingir que nada ouviu. Continuou a desejar que a tristeza fosse tragada ou puxada pela ondas e levadas ao fundo do mar, que restaurasse suas defesas e não mais ficasse obscura na dor. Desejou a paz de um mar calmo e paradisíaco. Ele ficou ali um tempo em silêncio junto com ela. Interrompe novamente seus pensamentos.

- Acredita que a paz virá dessa forma? – ele interrompeu o silêncio e parecia ler pensamentos. Foi quando Joana o olhou pela primeira vez e assustada. "Ele estava ali, presente me irritando com uma pergunta dessas...ele, Salva vidas!" - estava com uma sunga azul, uma camiseta amarela que já dizia qual era sua profissão. Tinha os cabelos dourados, olhos amarelados, tom bronzeado de pele que contrastava seu sorriso branco. - "Será que ele acha que irei me atirar ao mar? Será que ele lê pensamentos? Será que a mãe d'água que o enviou para me ajudar? Ah, começou a romantizar novamente o óbvio? Você é a única mulher sozinha na praia, isso é uma cantada barata!"

- Brother, - sempre que usa esse termo é a demonstração de ironia e tanto faz para assustar logo a pessoa e deixá-la sozinha - Se você acha que estou aqui, a procura de me afundar no mar, está perdendo seu tempo, é apenas uma forma de perceber o mundo, de me avaliar em sua composição. Por exemplo, ali, tem um lixo, que foi deixado por uma pessoa inconsciente do resultado, ela talvez saiba das consequências do que fez, só não acha que junto com outras pessoas, o acúmulo de outras sujeiras, poderá matar centenas de vidas marinhas existentes aqui. E assim destrói uma paisagem e o equilíbrio ambiental. Nossas vidas são reações em cadeias. Acumulamos entulhos emocionais dos relacionamentos fracassados que temos e chega um momento que não temos mais onde guarda-los e isso reflete no nosso momento triste. - ela começou a desabafar ou desabar em sua dor. Ele então agachou-se em sua frente, a olhou nos olhos, e ela pôde ter a total certeza que eram amarelos e tão lindos. - Então, estás a jogar seus entulhos no mar? - ele a olhava parecendo desafiar seu equilíbrio e petulantemente o respondeu:

- Sim! - Foi quase uma grito desesperado.- E você esta me atrapalhando, julgando meu momento, como se pudesse fazer algo, que não pode. Acredito apenas, estar alimentando meu ego, com a sua presença, pois sei que está aqui para uma cantada barata achando que no fim da tarde, estarei entregue em seus braços, apesar que não seria sacrifício algum, pois você é gato, mas não obrigada, estou bem e ficarei bem, sem sua presença.

Ele apenas deu uma risada, levantou-se e saiu. Ela ficou vendo ele indo e nenhum momento ele voltou a olhar para trás. Neste momento ela percebeu, que sua tristeza, a viciou na dor e o fato de ter dispensado algo que poderia se interessar, a fez perceber a importância do deixe ir, cicatrizar suas feridas e recomeçar outra história. "Eu joguei pedaços do meu lixo emocional, na vida de outra pessoa sem querer". - pensou e levantou-se então, para pegá-lo de volta, indo atrás daquele belo sorriso branco. Caminhou até a casa de madeira, onde ficam reunidos os salva-vidas e havia um sentado na escada.

- Oi, pode chamar seu amigo? - O tom de voz dela já era mais calmo.

- Qual nome dele? tem uns três lá em cima. - ele sorriu.

- Um alto, com uma tattoo no braço e um cavanhaque. - ele novamente sorriu. Joana sentiu uma impressão que ele debochava ou achava que ela estava atrás do amigo dele porque queria ficar com ele, franziu a testa e contou até 10 para não falar em voz alta o que estava pensando tanto. "Ridículo!" Ele gritou: - Guilherme, tem uma garota aqui te chamando - deu uma risadinha. Joana mais uma vez contou até 10. Ele continuou a falar, enquanto o amigo estava descendo as escadas. - Não demore, não!! - deu outra risada e deu uns tapinhas nas costas do amigo. Joana fingiu não ter entendido, o Guilherme já tinha tido uma má impressão dela e não queria aumentar sua lista de defeitos.

- Ei, desculpa a grosseria, eu só queria paz e ela não se encontra, sem um equilíbrio emocional, ela vive na nossa vontade e talvez eu quisesse viver essa a guerra interna, naquele momento, para evitar que novas batalhas fossem declaradas por mim e você acabou surgindo no meio disso tudo.. Estendo minha bandeira branca em troca de uma conversa, em paz, claro. - ela deu um sorriso. - Quem sabe você me ajude a me entender. Vamos sentar e olhar o mar? - Ele balançou positivamente sua cabeça e começaram a caminhar para o mesmo lugar que se conheceram. Ficaram ali sentados calados então, olhando para o mar, respirando profundamente. Ele colocou os braços nos ombros, abraçando-a, ela o olhou e permitiu. Dessa vez não estava mais incomodada com a sua presença e ele sorriu.

- Adorava suas aulas e conversávamos sempre, mas você nem lembra de mim! - ela tomou seu segundo susto. - "ele me conhecia?" - Assustadoramente olhou-o em seus olhos.

- Eu te conheço??? - perguntou trepidando na voz.

- Sim, fui seu aluno.

Foi então que mais uma vez ela se surpreendeu. Percebeu, que por amar uma pessoa, as vezes o desinteressa acaba sendo em tudo que está em volta. Criam-se um foco central e isso não é nada bom. Em nenhum momento ela lembrava dele, percebe que o Gustavo foi o seu centro, que fantasiou tanto esse amor único que a fazia aceitar tantas migalhas emocionais que esqueceu de reparar que existiam ao seu redor pessoas que poderiam te dar mais do que momentos. Esqueceu que somos pessoas interligadas a várias outras e que por mais que o amor seja algo belo, ele só poderá ser saudável vivendo em par. E se alguém não deseja o seu, talvez exista algum desconhecido seu, mas conhecido, ao seu lado a espera que você o perceba e entregue-se a quem realmente valoriza o desejo de amar e ser amado. Não romantizando a situação, mas abrindo a mente que tudo na vida pode acontecer e entregar-se tem que ser avaliado e não para qualquer um e essa capacidade natural de se recuperar de uma situação problemática ou superar traz a resiliência de voltar ao seu estado natural da racionalidade que não traz mais a dor de amor, podendo assim viver verdades inteiras e não meias. [...]

Dory Mendonça
Enviado por Dory Mendonça em 24/11/2023
Código do texto: T7939472
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