Guerra do Paraguai e o enterro do tesouro de Madame Lynch

PARTE 1: CORONEL HERMES GONÇALVES: MEMÓRIAS DE UM PROTAGONISTA QUE VIVEU O CONFLITO.

CAPÍTULO 1

AS MEMÓRIAS DE UM CERTO CORONEL HERMES (UM FAUSTO DOS CHACOS?) E OS DILEMAS DOS CAMPOS DE BATALHA:

ALCOVA OU ENFERMARIA?

O local no qual narro é dentro das instalações de uma enfermaria.

Estou no Rio de Janeiro. Vivo no final do século XIX; moro nas proximidades da zona portuária.

Hospital dos Veteranos do Exército, no qual eu, Coronel Hermes, um "coitado", todavia condecorado militar do ex-Exército Imperial do Brasil, narro. Conto agoniado tudo o quê vivi e vi, ouvi, respirei e chorei.

Vivi de desgraças a minha vida - já que escolhi ser militar e patriota.

Sai dos ares, há pouco tempo, da “República da Espada”. Esta foi implantada por meio de dois grandes oficiais que eu conheci nas divisões: os atuais Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto. Eles eram coronéis naquela época.

A República da Espada está conforme o apelido dos jornalistas: autoritarismo ao invés de plena democracia. Isto após humilharem Dom Pedro II.

Eu mesmo, entretanto, respirei todos os fatos do começo do reinado de Dom Pedro II. Foi na vida deste monarca o momento em que foi travada a Guerra, que lutei (coloca as mãos na testa, na qual escorre suor frio).

Narro, pois sou um homem só; sozinho, meu Deus! Não me restando outra coisa na vida, do que contar histórias a minha própria mente, sem alguém para redigir. Digo sempre: A solidão é meu manto e a memória meu cetro. Meu drama é aqui revolvido como areia nas mãos de um beduíno a procura de água. Água que resfria minha consciência.

Narro, numa alcova opaca. É típica de uma enfermaria. Tormentosamente recuperando, voluntária e involuntariamente, as cenas. Cenas da guerra: uma tragédia sem par.

Fatos entre dezembro de 1864 até abril de 1870: na Guerra do Paraguai, ou Maldita Guerra.

Cenas nas quais eu fui testemunha ocular.

Digo ocular de um genocídio: o maior genocídio da América do Sul. Isto decorreu na fase púbere dos seus Estados nacionais!

Batalhas como Tuiutí, dentro do sul pantanoso paraguaio - que os nativos chamam "chacos".

Humaitá, às Dezembradas, perto da capital Assunção e, finalmente: Cerro Corá (leves cordilheiras do centro-norte. Na derradeira fronteira seca brasileira, capturamos López, um dos mais valentes homens que conheci.

Todas essas paisagens geográficas, biomas e planícies desfilam perfiladas. Isso dentro do meu cérebro cansado. Estou esperando que Deus me suprima logo; isto pelo fato dos traumas espirituais marcharem dentro de mim nesses umbrais que foram os palcos da Guerra da Tríplice Aliança. Minha cabeça é um conjunto de catacumbas e sarcófagos do horror. Nos meus pés ainda há o barro dos "chacos"; há sangue das crianças indefesas da Batalha de "Los Niños".

ESPÍRITOS QUE ME PERTURBAM

À noite as vejo passando pelo corredor do hospital assombrações. Elas são guiadas por um homem alvejado no coração. Este homem alvejado estava usando uma farda de alto oficial paraguaio (uma cena "kardecista mediúnica").

Tratam-se as minhas reminiscências dos principais acontecimentos bélicos e todos os demais: econômicos e diplomáticos; que dão o enredo da estória (subjetiva) e da História (objetiva).

As disputas pelo controle da Presidência do Uruguai. Esta disputa ocorreu por parte dos seguidores de Venâncio Flores: luta entre membros dos partidos "blanco" e "colorado".

Com certeza, este embate, foi uma das dores de cabeça provocadas em Dom Pedro II. Seu pai perdeu a Província Cisplatina, antes do seu nascimento - conquistada pelo seu avô. Dom João VI, por ser casado com Carlota Joaquina, de dinastia espanhola, anexou o que era, segundo ele, patrimônio da antiga união ibérica.

Muitos o consideram o "fujão" de Napoleão. Um monarca lusitano. Um comedor compulsivo de coxas de frango, segundo lenda. Na realidade, ele se escondeu atrás dos britânicos e entregou nosso ouro brasileiro aos bancos de Londres. Isto devido às dívidas da Coroa lusa com a potência britânica emergente, na segunda metade do século XVIII.

MOTIVAÇÕES DA MALDITA GUERRA

Foi aí que a geopolítica complicou a navegabilidade do estuário do rio da Prata. Esta enseada era nossa principal ligação entre o Rio de Janeiro com o extremo oeste gaúcho, pelo rio Uruguai. Também ligação àquela então abandonada Província do Mato Grosso.

Essa com sede em Cuiabá.

Há também as "maldades" que o general de Buenos Aires, Bartolomeu Mitre, fez aos paraguaios. Este general portenho fez isso por não facilitar a saída dos barcos vindos da baía de Assunção em direção ao mar, via estuário do rio da Prata. Num momento de expansão das ferrovias, financiadas pelos bancos ingleses, aqui no cone sul era a única porta de entrada.

Todos os navios do Mundo que navegavam do oceano Atlântico para o oceano Pacífico necessitavam contornar a Patagônia. Isto num mar extremamente revolto.

Queria, Bartolomeu Mitre, evitar que as províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, com forte influência de seus inimigos federalistas (que usavam mais o porto de Montevidéu), aliaram-se aos paraguaios.

Dom Pedro II antevia o mesmo. Ele que nasceu aqui,portanto, era brasileiro; isto, ao contrário do seu pai, Dom Pedro I, português. Dom Pedro II foi obrigado pelos seus assessores mais velhos, como o General Caxias, a mover as peças no grande tabuleiro do estuário do rio da Prata (até que as ferrovias e um canal na América Central acabassem com a hegemonia portenha e do Montevidéu).

RIOS DO DIABO

O rio da Prata foi o caldeirão do diabo - um lugar amaldiçoado. Montevidéu e Buenos Aires eram as moradas dos anjos decaídos. Todos do inferno de Dante e que conspiraram para guerras nestes banhados meridionais - cobrando impostos aduaneiros (Buenos Aires) e abastecendo os navios internacionais com suplementos.

Explico melhor: Mitre, que tentava unificar os que entendemos atualmente por "argentinos" (divididos entre federalistas e unitários).

Mitre odiava López.

Odiava aquele paraguaio por se aliar ao federalismo argentino, o pecuarista e caudilho José Urquiza.

Urquiza era um dos federalistas argentinos. Todos os federalistas eram do interior da ainda não formada nação argentina. Eram todos que iam contra o domínio portenho: diga-se, Buenos Aires. Eram criadores de gado de corte. Desfrutavam também de solos férteis: os pampas. Solos vermelhos. Solos e clima que davam excelentes pastagens e trigais. O trigo era especialmente de alto valor, pois dependia de climas não tropicais - no qual uma parte importante do Cone Sul dispões no continente americano.

José Urquiza era líder das províncias rebeldes ao poder que Buenos Aires, que estava mais interessada em ser entreposto marítimo do que ajudar o desenvolvimento agropecuário do restante do território, do qual até o Chile já fez parte (outro grande inimigo dos argentinos).

Buenos Aires queria impor, anos antes, por meio do terror do caudilho portenho Juan Manoel Rosas (que sonhava com o Vice-reino do Prata unificado após surgirem as "republiquetas") uma hegemonia. Esta hegemonia, de inspiração bolivariana, retiraria poderes do Império do Brasil sobre a área - que a América de origem espanhola via como aliada dos britânicos. A América Hispânica, durante as guerras comandadas por S. Bolívar, no começo do século XIX, tinham ideários republicanos, ao invés de monarquias, pois boa parte dos filhos das elites da América do Sul estudaram na Europa. Logo, viram a Revolução Francesa de 1789 e souberam da Independência dos Estados Unidos: ambas revoluções contra o absolutismo monárquico. Muitos destes jovens ao voltarem tanto para América Hispânica e Lusa, com certeza, leram os pensadores Iluministas, como Montesquieu - defensor da tripartição dos poderes. Tinha ódio do centralismo. O Brasil, desde Dom João VI, era a única monarquia da América do Sul - atraindo olhares não amistosos dos caudilhos republicanos de origem castelhana.

Contudo, não era interessante aos ingleses, que sempre prestaram serviços à Marinha do Brasil Imperial - seja com oficiais ou com embarcações encouraçadas (repletas de canhões e casco de aço). Não era interessante, pois eles eram monarquias e detinham o maior domínio geopolítico do planeta, no século XIX. Tanto que sua rainha deu o nome deste século: a Era Vitoriana.

OS "GUARDIÕES" DO ESTUÁRIO DO RIO DA PRATA

Uruguai e Argentina eram os “cães de guarda” do estuário do rio da Prata e, o Paraguai, um refém, num tempo ainda de poucas ferrovias. A enseada entre Buenos Aires e Montevidéu era a única passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico.

O caudilho citado, o caudilho Juan Manuel de Rosas, por volta do ano de 1850, já havia tentado cooptar parte do Paraguai para os portenhos (sem falar dos planos maquiavélicos em Buenos Aires com vistas a refazer o Vice-Reino do Prata como República confederada). A ideia norte-americana de federalismo era o antídoto contra os casamentos das dinastias de nobres que eram também anexação de territórios. O federalismo seria mais estável que as relações entre famílias de "sangue azul". Territórios autônomos, antes feudos, como na Europa, formariam apenas um exército que os defenderia, ao invés de uma fragmentação perigosa. A fragmentação daria menos chance de defesa. Os pactos federalistas eram mais "estáveis".

Isto seria um perigo para nós, brasileiros, antes mesmo do López cobiçar nosso território. O Paraguai não era uma monarquia, mas uma república concentrada nas mãos da família López - no fenômeno chamado "caudilho". Uma cópia do que aconteceu na França, no começo do século XIX, por parte de um militar sem origem nobre: Napoleão Bonaparte. A república abria margem para a plebe subir ao poder, numa visão muito diferente do Platão havia sonhado. O gado humano subiria ao poder ou os sofistas. Os últimos, filhos da elite sul-americana, com habilidade na retórica dada nas faculdades de Direito.

MINHA VIDA E MALDITA GUERRA

A história da minha vida, desde o final da puberdade até a infância da terceira idade, é a História das quatro nações. Nações do meridional sul-americano, abaixo do Trópico de Capricórnio. Tudo que está abaixo desta linha imaginária tem ventos cortantes e frios subtropicais: têm tempo e vento, conforme Salomão, grande rei hebreu, cita em Eclesiastes.

São elas as memórias dos povos em movimentos de formação. São povos da parte do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, na segunda metade do século XIX. Todas estas nações, naquele momento, na aurora dos seus sentimentos madrigais de nacionalidade – agitadas internamente, num "embaralhamento" político e mistura sexual entre nativos e descendentes de europeus. Isto sem falar da forte influência dos jesuítas, os soldados de Santo Inácio de Loyola, em todo meridional. Portugal e Espanha temia a república guarani, fomentada pelos jesuítas. O "santo do pau oco" ajudou muito no tráfico de metais preciosos de Potosí, na atual Bolívia, a remeter fortunas aos papas. Muito metal também foi enterrado, devido aos saques dos bandos de bandeirantes e caudilhos. Muitos enterros até hoje não foram encontrados. Especialmente, a partir da segunda metade do século XVIII, quando Espanha e Portugal entraram em guerra para massacrar as missões jesuítas. Elas catequizavam os índios e ensinavam alta cultura aos filhos da pequena elite nativista. Daí o perigo que representavam, podendo fomentar revoltas das colônias contra lusos e castelhanos.

Essas agitações vinham do Iluminismo setecentista, da Independência dos EUA em 1776, da Revolução Francesa de 1789 e das Guerras Napoleônicas - que terminaram criando rebeliões nacionalistas coloniais.

A maneira jesuíta de catequizar também seria bem "comunista", no sentido de uma leitura do isolamento das comunidades cristãs primitivas, inspiradas em Atos do Apóstolos. Muito diferente do pensamento beneditino, que procurava expansão no continente.

O LUGAR ONDE VOU MORRER

As paredes hospitalares, na qual estou internado, confinado e abandonado, estão com uma pintura deteriorada.

Elas estão eivadas com infiltrações aparentes, dando uma atmosfera sentimental funesta de "mofento".

O bolor é mais meu do que do reboco das paredes.

As paredes, defronte a minha cama, projetam, sem querer, minhas memórias.

Elas saem dos meus olhos em direção aos seus tijolos, como numa alvorada sem fim.

Bem pior do que o tempo nas barracas da campanha não teve, nas enfermarias improvisadas dentro daquele "chacos", "purulentos e lodosos" de Passos da Pátria, perto do Tuiuti - no rio Paraguai.

Rio este que imita o rio Nilo (vomitando-se entre arbustos nos períodos de cheia; enriquecendo o solo de "humus").

Imita também, em Assunção, a baía da Guanabara, que divide o Rio de Janeiro de Niterói.

MEU ESTADO EMOCIONAL

Estou, "moribundamente", num cair da tarde. Neste por do sol consigo ainda espiar na fresta da janela, por meio dos olhos cansados e levemente cerrados, um rasgo da luz. Um último suspiro – como nas pontes de sol do Forte de Humaitá.

Chão empinado com madeira comida por cupim; é o da enfermaria.

Os passos nele fazem um "toc-toc" bem seco, como no palácio dos López, em Assunção, quando pisamos com nossas botas cheias de sangue e barro.

São passadas das enfermeiras e do arrastar dos pacientes “descangotados”.

Camas de ferro brancas do local. Um pouco do marrom da ferrugem. Elas são túmulos que ainda preservam corpos vivos, "sorumbáticos", de homens que investiram, numa guerra posta pelo capricho das civilizações, seus instintos bestiais. Isso em nome de uma palavra abstrata e que só atende aos interesses da burguesia: soberania.

Numa janela da qual vem uma nesga pingada de luz, com um jardim suspenso do lado externo, faz uma tênue iluminação.

Ela atingiu meu rosto com cicatrizes de riscos feitos por espada, Foi o que sofri por causa dos paraguaios, esquivando-me das estocadas. Isso nos teatros de operações nos "chacos" guaranis: pântanos "enlameados" com sangue e pedaços com bordas irregulares e osso dos braços, Todos decepados cegamente no frenesi das batalhas.

Viver uma guerra é perder a capacidade de ficar perplexo! Há um torpor na guerra que mata por dentro.

A lembrança mais significativa que nutro diante de tanta coisa ruim, porém, foi Ramirez, filha de um fazendeiro de Corrientes, na Argentina. Uma mulher que me levou ao êxtase do amor corporal. Eu a amei naquele lugar de tanta desgraça!

MOTIVO DA MINHA SOLIDÃO

Fui reformado alguns anos antes de 1896, pelo departamento de intendência do Exército.

O Exército dos tempos de Deodoro e Floriano era bem diferente daquele que eu servi. Não tão organizado como o atual republicano, o qual foi desmontando o antigo coronelismo da "guarda nacional". Uma milícia da província e seus presidentes, nomeados pelo Império, já que não havia governador eleito pela Constituição de 1824. Não havia o federalismo, de inspiração ianque, como nesta de 1891, praticamente redigida por Rui Barbosa.

Não progredi ao generalato, porque general precisava ser republicano, coisa que realmente não tenho pendor: sou monarquista. Sou convicto adorador do império e liberal também, desde as leituras que fiz ainda como cadete, de Adam Smith e John Locke. Não acredito em poder dado ao povo, pois o povo pensa com o "estômago" (suspira e faz olhar irônico).

Não consegui ser um general do exército brasileiro, agora republicano, o qual está em campanha atualmente em Canudos. Combates no nordeste da Bahia, matando os nossos nacionais, segundo li nos jornais, que “um tal de Euclides da Cunha” cobre como jornalista. Chama os nativos de "raças inferiores".

Tenho graves traumas emocionais, causados por uma neurose formada na guerra. Eles fazem que eu me agachei em qualquer lugar, caso eu ouça barulhos estrondosos.

Fui abandonado aqui pela minha sobrinha, que me interditou judicialmente. Ela vive do meu soldo de coronel. Habita com um amante nas cercanias de Botafogo; um bairro do Rio de Janeiro.

Mulherzinha vil!

(...)

Neste momento, às 19 horas, entra uma enfermeira e, tocando o meu rosto, taciturno, constata se está tudo bem.

Fica mensurando temperatura. Também está levantando as pálpebras dos pacientes que não respondiam as suas cutucadas, não muito delicadas. Diz para todos esperarem que a janta será posta em alguns minutos: uma sopa rala com batata e com pedaços de carne, já "mornando", que experimentamos depois.

Ela mesma colocava nas bocas dos convalescentes, já que alguns estavam muito debilitados por causa da guerra.

Começa a cair uma forte chuva com trovões e o teto da enfermaria goteja, demonstrando sua fadiga.

Eram chuvas típicas do verão fluminense, exuberante na sua “tropicalidade”, não dando trégua ao escaldante calor, logo após a torrente do céu. Lembrava-nos as chuvas em Tuiuti, fronteira do Paraguai com a Argentina: o maior e mais longo teatro de operações militares da "maldita guerra"!

Alternando-se entre mormaços e tempestades diluviais, muitos bairros eram enlameados e inundados, demonstrando a precariedade urbana fluminense, após o fim do Império e da Abolição da Escravatura, como “um tal Machado de Assis” escreveu. Mais um jornalista vindo da miscigenação: um mulato do bairro do Cosme Velho. Escreveu esses dias nos jornais – pois ele certamente não foi em "Passos da Pátria" saber o que era chuva!

Nem os trovões eu tolero mais, pois choro trêmulo. O som dos canhões foi algo recorrente nos meus ouvidos durante 6 anos – em especial perto do rio Itororó. Lá foi onde Duque de Caxias mexeu com nossos brios nacionalistas ("o que são brasileiros que me sigam!"). E nosso exército mestiço moveu-se como na "cavalgada das valquírias" de Wagner!

Um “buummmm” tão seco e forte que perpassa meu tórax, Como num golpe de um bumbo na banda marcial. Isso eram os canhões.

A Guerra foi que me causou isso? Qual? Qual seria?

QUE DIABOS CAUSOU ESSA GUERRA?

A Guerra do Paraguai foi um conflito alastrado no extremo meridional da América do Sul. Este cataclisma cooptou o Império do Brasil, comandado por Dom Pedro II, balzaquiano, naquele momento. Também envolveu o Uruguai, de Venâncio Flores, a Argentina de Bartolomeu Mitre, e o Paraguai, de Solano Lopez. O último, o "Bonaparte guarani", também era outro balzaquiano como Dom Pedro II, sendo que o conflito foi entre os egos de ambos, mais que dos uruguaios e argentinos.

Isto entre os anos 1864 a 1870, sendo os Estados Unidos neutro, pois enfrentava todos os efeitos de sua guerra civil entre setentrional e meridional.

Meu Deus! Quantas ignomínias eu assisti petrificado e introjetado dentro de mim! Isso como névoas gotejadas com pesadelos que saem do meu sono. Fisgam como chorume do lixo, para o pavor da minha alma – a exemplo da Batalha de "Los Niños".

Todas as guerras, contadas, claro, que pelos seus vencedores, são revestidas com belos valores; mas o trajeto para consolidação destes valores é,... satânica!

O que não faltam são mentiras e mais mentiras, além de heróis mitificados; sempre para alimentarem o "ego nacional".

Crianças paraguaias sendo degoladas. Isso por ordem do Conde d’Eu, esposo da Princesa Isabel, filha e sucessora do trono de Dom Pedro II. Coloco o detalhe da sucessora do trono de Dom Pedro II ser sua filha - um dos motivos das oligarquias patriarcais republicanas não quererem a monarquia também (uma imperatriz? Nem votar as mulheres podiam!)

O genocídio infantil dos paraguaios foi quando rompemos a resistência, com ajuda da nossa marinha. Ajuda incessante da artilharia dos encouraçados, perto da enseada Assunção, depois que minamos o forte de Humaitá. Minamos o forte, que construímos, por ironia do destino, para o pai de Solano López, num acordo com nosso Império e República do Paraguai,

Minamos também artilharia terrestre, para pilhar Assunção. Não contiveram os soldados que, após a capital paraguaia dominada, encheram bolsos e guaiacas com pratas e moedas de ouro.

UM CONDE FRANCÊS DEFENDENDO O BRASIL OU ATRÁS DA PLATA YVYGUY?

Conde D’Eu, para mim, foi um grande canalha de toda esta guerra. Nem nascido no Brasil era.

Não tinha como objetivo mais ganhar a guerra, assim como o saudoso Duque de Caxias fez, ao tomar Assunção e voltar para o Rio de Janeiro, cansado, como ele mesmo disse. Depois da tomada de Assunção, a meta era a de exterminar aquele povo.

Era um "eugenista" como foi Sarmiento, que assumiu a presidência da pacificada República da Argentina em 1868, como presidente, após Mitre sair desmoralizado pelo interior argentino. Lembremos que Buenos Aires queria uma poder de mando sobre todo estuário do Prata, por ser uma cidade dependente de porto, não da agropecuária, como Entre Rios e Corrientes.

Desconfio que a missão deste nobre francês, "sangue azul", era a de achar a "plata yvygüy"!

Ele, por meio do seu estado-maior, torturou militares paraguaios. Muitos falaram da existência desta fortuna: os enterros. Os diários do Visconde de Taunay mencionam fortunas em prata encontradas em Assunção, já que Taunay era membro da equipe de Duque de Caxias, como oficial. Era redator e depois escreveu livros sobre esta maldita guerra.

Eu não tive mais coragem de ter filhos, logo após o fim da Guerra Grande.

Não conseguiria beijar um filho meu novo, pois eu mesmo degolei vários meninos na Batalha de Cerro Corá. Isso em vingança aos meus amigos que tombaram, especialmente na Retirada da Laguna (saudoso Coronel Camisão).

Mantive distância dos meus sobrinhos também, pois não me sinto bem perto das crianças – sendo que uma dessas "crianças" pegou meu soldo hoje (eu considerava Rosa Maria como "eterna menina" - a que me deu o golpe da interdição judicial...).

FANTASMAS DE CRIANÇAS PARAGUAIAS E OUTROS VULTOS

Quando acordo na madrugada, chego a ver vultos das crianças: uma menina olha sempre para mim. Isso com vestido branco, olhos fundos e lábios roxos. Ela segura uma boneca abraçada ao seus peitos. Somente o espiritismo pode explicar. Rezar eu não rezo por vergonha de mim - que saqueei santos ornados com metais preciosos das igrejas em Assunção.

Pernas dos combatentes gangrenando e sendo cortadas. Isso no serrote pelos meus comandados, por falta dos médicos de campanha. Outra cena que vi demais!

Dávamos para eles muito rum, pinga ("canha") e conhaque, além de um pano. Isto para morderem por causa da dor; cachaça também foi um dos principais anestésicos.

Sinto até hoje o cheiro de carne fétida no meu nariz.

Pernas com larvas de moscas eu vi muito. Via nos soldados relaxados com curativos descuidados, que insistiam em pisar na lama fedorenta de Tuiuti até a canela.

Realmente numa guerra você alimenta ou um sadismo eufórico ou uma profunda vergonha em ter nascido ser humano.

A conta que a guerra cobra. Relembrar a guerra é um fantasma dilacerante.

CAPÍTULO 2:

AS NEGOCIAÇÕES DIPLOMÁTICAS NUM CAFÉ EM LONDRES.

OS BRIT NICOS FORAM OS VERDADEIROS VENCEDORES EM ENVIAR SOLDADOS

Eu, Coronel Hermes, posso dizer: a Guerra da Tríplice Aliança foi "palmilhada" por uma atuação pontual dos embaixadores ingleses. Eles fizeram tudo, no anonimato, para acirrar os ânimos das jovens e imaturas nações que foram marcadas por forte dependência colonial.

Acirraram – quando podiam apascentar.

Eram nações cabedais em relação à Espanha (o Brasil era lusitano) – marcadas pelas rivalidades dos povos da Península Ibérica, que idiotamente foi reproduzida na América do Sul, no meridional.

Eram nações ainda formando seus Estados nacionais.

Buscavam copiar o federalismo dos EUA e o republicanismo da Revolução Francesa de 1789.

Elas tinham burocracias ainda, principalmente no ramo diplomático e das finanças, sem muito a oferecer aos gigantes do hemisfério norte.

Isso significa matérias-primas agropecuárias ou minerais.

O próprio nome rio da Prata era porque o rio escoava a "argentium" das minas encontradas entre as terras da cordilheira dos Andes – que no século XVIII fora o Vice-Reino do Prata, com sede em Buenos Aires e obediência a Madri, capital da metrópole, Espanha.

Seria a cidade de Potosí, na Bolívia. A maior mina de prata já aberta no mundo. Nossa Senhora de Assunção, então vila, foi um porto importante de embarque desta, após assinado o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, no final do século XV. Quando Portugal e Espanha tornaram-se União Ibérica, no final do século XVI, o contrabando e a mistura de povos foi acirrada, contribuindo para uma confusão entre estas nações - reverberando em todas as ex-colônias do Cone Sul. Daí o cenário das guerras do prata, no século XIX.

A DIPLOMACIA COMO TÁTICA DE GUERRA NO SÉCULO XIX

Os diplomatas vitorianos colocavam um país oligárquico contra o outro.

Estavam preocupados com o controle brasileiro no Uruguai e os ciúmes que isso gerava em Buenos Aires.

Eram países com elites oligárquicas. Países sem industrialização, sendo o Brasil além de retrógrada como todas as demais, escravocrata também. Industrialização que já estava se alastrando pela Europa ocidental, Reino Unido, Estados Unidos e parte da Ásia (Japão) - criando novos conflitos geopolíticos.

Estudei isso na cadeira da matéria de Geopolítica, nos meus tempos de cadete.

Isso ocorreu, o uso da diplomacia incitadora de divisões, para os ingleses "cambiarem" armas, como canhões e rifles, e emprestarem libras esterlinas por juros exorbitantes.

Os empréstimos seriam por meio das casas financeiras dos grandes banqueiros de origem anglo-judáica (que já preparavam o movimento sionista para formar um Estado que unisse os judeus espalhados pelo Mundo: apátridas).

Não era como narram alguns historiadores destes jornais republicanos aqui no Rio de Janeiro, por causa do motivo suposto da Inglaterra temer o avanço do Paraguai: era apenas ganhar dinheiro mesmo. A ideia era esta: o neocolonialismo, onde o controle é financeiro, como bem eu li nos meus tempos de cadete - sempre usando a espionagem, a notícia falsa e a diplomacia como armas de intrigas. Dividir para fragmentar e, dessa maneira, dominar.

Como me disse um embaixador britânico, nos meus tempos como adido militar, em Londres, após o conflito, em 1879, por conta duma missão para melhorar o armamento do nosso exército:

"- A guerra conduz o ser humano aos extremos do horror e da compaixão. A guerra é digna de uma ópera como a Cavalgada das Valquírias, de Wagner."

JOHN MORGAN: O DIPLOMATA INGLÊS NA BACIA DO PLATA

O embaixador John Morgan era um típico inglês. Estava por volta dos 60 anos.

Seu fronte continha cavanhaque ruivo. Haviam óculos equilibrados na ponta do nariz e vestimentas típicas de um "Lord", no momento que Solano invade o sul de Mato Grosso e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Isso entre 1864 e primeira metade do ano de 1865.

Seus ancestrais ofertavam-lhe credenciais ao posto tão elevado na chancelaria inglesa.

Vários da sua linhagem nobre pertenceram às Câmaras altas da Monarquia britânica, desde a Revolução Gloriosa e todos os acontecimentos liberais. Liberalismo das ideias que marcaram os séculos XVII e XVIII, em prol da “ditadura parlamentarista” nos arquipélagos do Atlântico Norte.

Era advogado no paradigma do "common low". Além disso, conhecia todos os economistas políticos liberal. Ele era formado em Oxford, na sua pátria mãe: o Reino Unido, apaixonado por Adam Smith e David Ricardo, especialmente.

A Rainha Vitória, a monarca britânica no momento da Revolução Industrial, que ascendera a Inglaterra a maior potência econômica e militar do século XIX, havia delegado a tarefa da mediação. Deveria agir em prol dos interesses ingleses na América do Sul. A marinha de guerra inglesa era senhora absoluta dos mares, no século XIX, pois seus navios aprimoraram casos (com aço) e canhões com maior calibre (aumentando o alcance do tiro sobre terras litorâneas).

Algumas décadas antes ajudou a celebrar o tratado no qual o Brasil abria mão da Cisplatina, deixando-a ser o Uruguai.

Morgan, neste intento, dispunha dum navio vapor luxuoso da esquadra inglesa, no qual transitava entre a cidade do Rio de Janeiro e o estuário do Rio da Prata, na Argentina. Sempre adentrando, em muitas das vezes, no rio Paraguai, em visitas, "diplomático-comerciais", às oligarquias daquela área (ligados ao gado de corte e aos ervais para produzir mate).

Conversando comigo, num café em Londres, em 1879, nove anos após o fim da Guerra, quando eu, Coronel Hermes, era funcionário da embaixada brasileira naquele país (com clima cinzento e frio), representando os interesses militares do Segundo Império brasileiro, Morgan assim me disse:

JOHN MORGAN:

- Você pode dar um recado ao Ministro da Fazenda, Coronel Hermes? Ando recebendo memorandos no meu gabinete, Coronel, dos bancos que financiaram aquela aventura de vocês nos chacos do Paraguai....

HERMES:

- Bem... não estou aqui para ser garoto de recados, pois estou aqui, em Londres, na missão para dar pareceres sobre armamentos para equiparmos nossas forças militares terrestres e não passarmos mais aquele sufoco como fora no extremo sul do Paraguai, precisando comprar de vocês, a toque de caixa, armamentos a preços tão caros. O Rio Grande ainda continua tumultuado. Mas posso dá-lo sim, por boa educação...

JOHN MORGAN:

- Diga que aumentaremos os juros daqueles empréstimos que fizemos para vocês comprarem armas nossas. Os banqueiros judeus da época estão reclamando dos atrasos constantes de Dom Pedro II em depositar os valores, por meio dos repasses do Banco do Brasil.

HERMES:

- Realmente estamos atravessando um momento de queda dos preços do café. Isso já que vocês estão especulando. Basicamente com o café da costa oeste da África, usando estoques torrados dos portos daqui da Europa. Também há baixas nas exportações oriundas do Vale do Rio Paraíba, por falta de um bom sistema de ferrovias que vocês não querem construir para nós, ligando o oriente de São Paulo ao Rio de Janeiro. Dom Pedro II necessita melhorar o sistema de escoamento de São Paulo, que é uma província que agora está fornecendo o café em quantidade, mas sem mão-de-obra escrava o suficiente. Isto está complicado, já que vocês, ingleses, proíbem nosso tráfico negreiro e estamos aqui na Europa vendo como resolvemos nosso problema. Problema este da mão-de-obra, angariando colonos no sul da Itália. Pegando quem quer ser colono nos cafezais, substituindo o negros alforriados, já que vocês, ingleses, não permitem mais o tráfico de escravos no Atlântico sul.

- Vamos achar o ouro do Solano López e pagaremos com ele (ri ironicamente). Resta apenas que Madame Lynch diga onde ele está. Tortura resolve tudo....

TESOURO AMALDIÇOADO

Cabe lembrar, caro leitor, o que eu, Coronel Hemes, viu e ouviu.

É fomentada uma lenda, muito presente na oralidade dos vilarejos e povoados das depressões da bacia do rio Paraguai, recorrente, especialmente, na região da Província do Mato Grosso. Isto entre os chacos dos rios Aquidauana, Miranda e Apa: que Francisco Solano López enterrou tudo que ele podia: o lastro em ouro do Banco do Paraguai!

Também as jóias da esposa, da mãe - mas tudo mesmo!

Uma quantidade absurda de ouro, diamantes, esmeraldas, rubis e pratas, em vários baús. Isto ao longo do caminho de Assunção até Cerro Corá, a pé!

Santos católicos, como Nossa Senhora, cravejados de rubis, esmeraldas, safiras e diamantes. Suas coroas do mais puro ouro, 24 quilates.

Trata-se do caminho que vai até o palco de sua derrocada: na Batalha de Cerro Corá, no centro setentrional daquele país: a batalha das crianças paraguaias, inocentes e degoladas a antecedeu: a de Los Niños, travada nas imediações cordilheiras centro-norte de Cerro Corá.

Você teria coragem de percorrer esse caminho cheio de fantasmas e maldições?

ASSUNÇÃO FOI PILHADA

Entramos em Assunção, entre ondas que vão de 1868 a 1870.

Isso ocorreu após vencermos o cerco da "maldita" fortificação fluvial de Humaitá, a fortaleza que o Brasil fez para os paraguaios, décadas antes. Especialmente para o diplomático pai do Solano: o presidente Carlos López.

Fez para proteger os paraguaios do "imperialismo de Buenos Aires", cujo autor era Juan Manuel de Rosas. Rosas queria a região dos chacos para Corrientes. Esse "portal fluvial" de entrada até Assunção acabou sendo usado contra nós e nossos navios, por Francisco Solano López, que não foi sábio, como seu pai: Carlos.

Ele era um dos homens mais ricos da América do Sul, bem mais até que o nosso Barão de Mauá (donos das maiores empresas do 2° Império do Brasil), morador do Rio de Janeiro (embora gaúcho de nascimento).

FRANCISCO SOLANO LÓPEZ MORTO E COM SUA CABEÇA NUMA BANDEJA

Nós, principalmente brasileiros e argentinos, o queríamos morto. Principalmente pagando, com seu espólio, os prejuízos sofridos pela Tríplice Aliança. Bom que se diga que não eram todos os argentinos que o queriam morto, já que parte da elite de Corrientes e Entre Rios tinha laços com López, contrariando Buenos Aires (conspirando, na verdade, contra os portenhos). Os inimigos do Império do Brasil, no Uruguai, também queriam López vencedor; talvez até uma parte dos gaúchos, que seguiam o legado de Bento Gonçalves também.

Outrossim, não havia mais uma moeda nos bancos da capital paraguaia e nem mesmo no palácio que hospedou aquele tirano; nem o lastro aurífero.

Logo, por meio de torturas que nós fizemos em criados e soldados remanescentes, soubemos que López havia enchido alguns tonéis de vinho com joias, moedas, diamantes, esmeraldas e rubis que presenteavam sua esposa, Madame Lynch, para ir enterrando em pontos estratégicos.

Não sabemos se forma vários ou apenas um enterro!

Os enterros eram para não ser encontrados por mais ninguém, a não ser ele e sua esposa, caso ele morresse, como veio a acontecer. Mas e o tesouro?

Até o momento, ninguém contou se achou ou não esta fortuna, que passa de dezenas de milhões de libras esterlinas.

A fortuna de todo um país!

Afirmam que os lugares onde foram enterrados os baús são mal assombrados!

Há um fogo que não se consome, à noite, em volta!

Há gemidos dos soldados assassinados!

Há choros das crianças!

Gritos de horror por causa do sofrimento dos paraguaios cristalizado na lenda!

Quem cava em busca da “plata yvyguy”, como é o nome da lenda, veem crianças vestidas de branco passando e olhando - numa cena apavorante!

CAPÍTULO 3:

MEMÓRIAS DO CORONEL HERMES NO QUARTO DE ENFERMARIA

Eu, Coronel Hermes, ainda estou na cama da enfermaria, Enfermaria humilhante do Hospital dos Veteranos da Guerra do Paraguai, no Rio de Janeiro, no ano de 1899, atormentado pelas minhas memórias!

Eu matei crianças, meu Deus – que vinham para cima de mim! Elas vinham com espada em punho, cegas de obediência a Francisco Solano López.

Assunto novo já existia nos jornais da época: o Brasil trava, naquele momento, um dos maiores conflitos da recém promovida República: a Guerra de Canudos. Um beato, chamado "Antônio Conselheiro", profetizou que "o sertão ia virar mar e o mar sertão". Disse que a república era obra do inferno!

Era um conflito contra compatriotas, no extremo setentrional do estado da Bahia, coisa que abomino: que República é essa que já começou tão mal, matando nossos irmãos? Conselheiro seria uma "Isaías da caatinga?".

Eu, Coronel Hermes, sou um militar empedernido, pois não abro mão da doutrina: morrer pelo Brasil sempre.

ROSA MARIA E MINHA CURATELA: MEU FIM.

Não tive filhos, mas tive irmãos e sobrinhos, os quais me abandonaram no Hospital, após me interditarem na justiça, por conta dos meus espasmos e fala às vezes trêmula: psicopatologias da guerra, meu caro leitor.

Uma das minhas sobrinhas, Rosa Maria, havia ficado como minha curadora. Ela também sacava meu soldo de coronel reformado. Isso sem me dar qualquer satisfação.

Morava no Botafogo com um malandro jogador inveterado: Braguinha.

Eu não tinha mais forças para lutar contra Rosa Maria.

Preferi estar aqui mesmo, no hospital dos veteranos.

Não tinha mais nada para perder.

Por esse motivo, hoje, em 1899, já sob os ares republicanos, no Brasil, estou aqui num quarto com uma leve sombra, num fio de luz, num lugar, com disse o capitão Marcelo, meu médico dos nervos:

“- cheira ferida e esparadrapo; cheira coma...”.

MEUS AMIGOS DE QUARTO HOSPITALAR

Sou eu e mais dois militares que dividimos este pequeno “purgatório”. Isso numa acepção dantesca.

Aqui expiram os pecados de um povo que nem sabe que lutamos por ele!

Muitos de nós estamos aqui abandonados pelos nossos familiares. Tornamo-nos pessoas não muito polidas no trato familiar ou social.

Do lado esquerdo, o cabo Isidoro, é um dos meus companheiros de "purgatório".

CABO ISIDORO

Um negro, que fora mestre na arte da capoeira, muito útil nas batalhas campais. Ele foi colocado à força entre os “voluntários da pátria”, oriundo de uma fazenda de cacau de Itabuna, na província da Bahia. Ele acorda-me à noite com “tosses remanescentes da tuberculose”. Isso porque passei muito dia encharcado com as chuvas dos chacos. Isso nas batalhas de Tuiutí, no sudoeste paraguaio, onde ficamos anos à espera de uma chance para entrarmos em Assunção. Ela estava a cerca de 200 ou 300 km de nós; íamos fazer lá o que López mandou seus soldados fazerem na invasão de Corumbá/MT e Uruguaiana/RS: estupros e saques.

Do lado direito do meu leito, por sua vez, estava o tenente Ramiro.

TENENTE RAMIRO

Filho de fazendeiros do café do Vale do Paraíba, que chegou ao oficialato, pois era uma praça apenas, mas salvou a vida de um tenente-coronel na época belicosa; caolho e manco por causa de uma perna gangrenada que lhe fez perder o pé esquerdo.

Ele andava como um zumbi entre as camas da enfermaria, durante o dia.

Perdeu um olho na invasão da Fortaleza de Humaitá, às margens do rio Paraguai, que nós, do Brasil, havíamos construído décadas antes para estes "malditos" paraguaios, com lhe contei e reforço para mostrar que "chocaram o ovo da serpente".

Isto para eles guardarem sua capital, a poucos quilômetros desta fortificação! Como já disse, para defendê-los dos portenhos, comandados por Juan de Rosas.

A nossa sorte foi a morte de Simón Bolívar antes da Guerra do Paraguai, pois o sonho deste venezuelano era unir toda a América hispânica contra a lusitana; tomando-a.

São dois homens que além de feridas no corpo, trazem feridas na alma, pois deram os melhores dias da sua mocidade às causas nacionais. Causas estas que eles não criaram. Apenas emprestaram como poderia dizer jocosamente Maquiavel: “sua violência em nome de ideais “belos”, carregados de espírito de epopeia”.

QUEM SABE ONDE ESTÃO OS ENTERROS DE SOLANO LÓPEZ?

Neste momento, o Tenente Ramiro fala para Hermes, ambos deitados nos seus leitos hospitalares.

TENENTE RAMIRO:

- Coronel, se ainda tivesse forças, eu iria até Assunção e faria o caminho da retirada de López até onde foi a Batalha de Cerro Corá. Eu mesmo interroguei algumas praças lá no palácio de Assunção, às margens do rio Paraguai. Um deles havia pertencido à guarda pessoal de López, que vivia ameaçado de assassinato pelos seus "oficiais generais", pois a campanha militar não estava mais logrando êxito, como logrou nas invasões covardes a nós e aos argentinos.

TENENTE RAMIRO:

- A praça, o qual eu sempre passava no rosto ferro em brasa, me disse, naquela "língua chata deles", o guarani, enrolada como de índio, que Madame Lynch vivia brigando com López. Vivia dizendo que ele havia a capturado dos luxos das cortes da Europa e colocando-a naquele inferno e que, de forma alguma, ela perderia todo o luxo e riqueza que a fizeram suportar a América do Sul como seu lar.

TENENTE RAMIRO:

- Ela pressionou tanto o homem, que ele reuniu um seleto grupo de oficiais que o ajudaram com poucos e leais soldados a colocarem em tonéis de vinho, cerca de 400 quilogramas de objetos que tinham valores absurdos. Tratou-se de uma operação sigilosa na qual os soldados foram recompensados e desertaram, depois. Somente López, Lynch e os altos oficiais que ainda o serviam sabiam onde este tesouro estaria.

HERMES PERGUNTA:

- Para quê? Ele morreria inevitavelmente. Nós já estávamos presentes em toda Assunção. Eu mesmo já dormi numa mansão do General Bernardino Caballero, e já estava sendo servido pela criadagem dele.

TENENTE RAMIRO:

- Coronel!!! Dizem que foram 500 quilogramas somente de ouro que ele tirou do Banco do Paraguai, para não saqueamos!!! Foram 5 carros de boi levando tudo com ele e a comitiva. Madame Lynch e os herdeiros sabem onde tá. Ela já tá morta, né? Voltou para Europa? Quem mais saberia deste tesouro?

HERMES:

- Já disse isso em Londres, nos tempos que me cobravam as dívidas de Dom Pedro II, mas os embaixadores e banqueiros consideraram-me um louco e nem deram ouvidos a esta estória. Isso seria mais uma lenda do que realmente um fato. Os políticos brasileiros já teriam pressionado o Imperador e até mesmo Floriano Peixoto, hoje, para que fôssemos atrás desta fortuna para salvarmos nossas dívidas com esta guerra. Mas é como procurar uma formiga numa selva. Não há pistas e nem mesmo nenhum documento sobre onde estaria esta fortuna.

- E mais, Ramiro, eu não tenho mais saúde e nem você. Quem faria a travessia da fronteira de Corumbá ou mesmo de Laguna, no sul de Mato Grosso, para caçar este tesouro? Lá há índios ainda e o terreno é pantanoso. Há febres que afetam a nós do nada. O calor é estonteante. Como conseguir mercenários para isso e ainda mais que fossem de confiança? Eles poderiam assassinar os guias e ficar com a fortuna.

CAPÍTULO 4:

O CENÁRIO ALGUNS ANOS ANTES DO COMEÇO DA GUERRA EM 1864

Estou neste fim do século XIX, na terceira idade, não me arrependendo de nada que eu vivi – problema foi só a intensidade. Porém, as pessoas pensam que nós, os militares, somos “monstros”: que somos pessoas sem sensibilidade. Porém, elas se esquecem de que o sossego que elas possuem depende dos “monstros”, como eu e estes internados aqui neste hospital imundo, nas imediações do porto do Rio de Janeiro.

Minha sobrinha me deu um golpe e me internou aqui, ficando com todo meu soldo de coronel e as vantagens que recebi por ter participado de um front.

SÉCULO XIX E SUA IMPORT NCIA PARA DESCOBRIR ONDE O TESOURO FOI ENTERRADO

Século dos mais importantes este que eu vivi praticamente da metade em diante, pois sou de 24 de agosto de 1834, nascendo num momento que o Império estava engatinhando, assim como a soberania brasileira. Bahia, Pará, Pernambuco e Rio Grande do Sul eram as maiores dores de cabeça à unidade nacional, com suas sabinadas, balaiadas, farroupilhas e toda forma de afronta ao Império.

Não tínhamos ainda 13 anos que Dom Pedro I havia sido estimulado por seu pai, Dom João VI, a ficar com este território imenso, tropical e ainda totalmente indomado nos seus sertões e no litoral, voltando o velho monarca luso para sua plaga, tentando conter o inevitável: uma Revolução Liberal do Porto.

Creio eu, para humanidade não houve um século tão vigoroso como o século que nasci: o XIX, o qual enreda a Maldita Guerra.

Nele a Humanidade logrou 1 bilhão de seres humanos, no seu fim (1900).

Isso ocorreu por causa do progresso da produção fabril massificada e das descobertas de Pasteur (vacina).

Ela, a fábrica. foi que tirou o excedente econômico da mediocridade que era nos tempos de uma sociedade agrária e medieval, muito embora o Brasil fosse ainda agrário e seu "medievalismo", embora não existente em data, quando nasci, colocarem-se em cima do escravismo e do patriarcalismo.

Era um fruto do seu lugar na divisão internacional do trabalho naquele momento.

A vacina ajudou muito no teatro de operações.

CORONEL HERMES: UM FAUSTO

Falo dessa maneira, pois li Adam Smith em Londres, nos meus tempos como adido militar, onde eu frequentei a Universidade de Oxford.

Já havia o lido como cadete, mas resolvi aprofundar-me sobre este gigante do pensamento.

Século da formação tardia das várias nações europeias e latino-americanas, como bem li num jornal fluminense, esses dias, num artigo assinado por Joaquim Nabuco e noutro, pelo Barão do Rio Branco.

Dois dos nossos maiores estadistas brasileiros.

Tardia nossa formação, pois Portugal e Espanha já eram Estados-nações alguns séculos bem antes, já na aurora da Idade Moderna.

Hoje sou coronel da arma de infantaria reformada, mas entrei na academia militar imperial brasileira por volta dos meus 20 anos, em 1854, numa idade em que paixões falam mais alto que o juízo. A Academia era a mesma fundada por Dom João VI, quando desembarcara aqui no Rio de Janeiro, em 1808. Ainda se vivia sob os ares da menoridade de Dom Pedro II. Na Regência a atuação política dos seus tutores e os oportunismos de algumas províncias que queriam se desgrudar do Império, por interesse das suas oligarquias, eram patentes.

Foi por imposição familiar também esta carreira "castrense", já que sou oriundo da antiga Província da Cisplatina, e minha árvore genealógica fora toda composta por donos das estâncias que eram praticamente “condottieres”, com Maquiavel descreveu em “O Príncipe”, entre os séculos XVI e idos do XVII. Escrevia sobre as milícias particulares que investem na pilhagem das cruzadas católicas medievais; todavia, meu pai odiava a monarquia, pois fora preso político, farroupilha e republicano dos pampas que era.

Como disse, conheço tais livros, pois fui adido militar na Inglaterra.

MEU PAI LUTOU NA GUERRA DOS FARRAPOS, NA REGÊNCIA (MENORIDADE DE DOM PEDRO II)

Meu pai participou da Revolta dos Farrapos, ainda nos idos da Regência, antes de D. Pedro II faz seus “bagos como um guri bueno”, com dizem no sul.

Meus tios mais velhos lutaram contra a tirania do governo em Buenos Aires na Guerra do Prata (contra Rosas e Uribe), no começo da segunda metade do século XIX, quando o tirano Rosas queria restaurar o Vice Reino do Prata e, certamente, estuprar o sul do Brasil.

O sul do Império brasileiro era instável e muito influenciado pelas agitações do atual Uruguai, que, de certa forma, causou parte da Guerra do Paraguai, fazendo da bacia do rio da Prata, rios de sangue.

O Uruguai foi uma pedra no sapato do Dom Pedro pai e filho, por causa de Dom João VI que procurou preservar a colônia de Sacramento, cravada na Banda Oriental (que por causa do Tratado de Tordesilhas, era da Espanha). A Cisplatina era Brasil, e seccionou-se. López apostava nisso: secessão do sul do Brasil.

Os pecuaristas e charqueadores tinham um espírito mais livre que os do Nordeste do Brasil, pois viviam do comércio e seus escravos eram tratados mais como vassalos de feudo, do que propriamente escravos, como nas regiões com lavoura da cana nordestina e do café paulista.

Meu pai fora o caudilho Teixeira Gonçalves, dono de charqueadas na região de Uruguaiana, no meu Rio Grande, com ventos frios e cortantes, onde cresci correndo entre ovelhas. Criava gado europeu, bem diferente dos mestiços do sertão do Brasil.

Foi aqui que formei as experiências sensoriais da minha primeira infância, vivendo entre os campos e os galpões onde todos tomavam erva-mate quente, a luz da fogueira e ao som cortante das gaitas, diante da costela do boi tostando no churrasco com fogo no chão, a crepitar.

Lembro-me de um diálogo com papai, quando o mesmo chega à cozinha da casa da família, na nossa estância dos pampas.

Deixa o chicote do cavalo na mesa e pisa forte com sua bota com cano longo e diz:

TEIXEIRA GONÇALVES:

- Guri...trate de melhorar sua monta, pois um militar precisa ser bom de sela. Quero que sirvas na cavalaria ou na artilharia, pois estas armas são as mais nobres da guerra. Você precisa mandar amansar um bom cavalo. Vou pedir ao negro Teodoro que te arrumes um cavalo bem bravio, para domar e te servir, como foi “Bucéfalo” para Alexandre da Macedônia.

HERMES:

- Meu pai, eu prefiro andar e lutar: quero ser da infantaria. A infantaria é a arma que decide a guerra. Ela coloca o ponto final das batalhas, pois ocupa o território do inimigo. A infantaria é olho no olho. Você sente o calor do corpo do inimigo na ponta da faca! Cavalaria, meu pai, é arma de chefe e de comandante que só observa. Eu quero atuar.

Mal sabia que minha língua profetizou meu destino.

CAPÍTULO 5:

A ACADEMIA MILITAR IMPERIAL

A POBREZA DO EXÉRCITO ANTES DA GUERRA DO PARAGUAI, POIS A MARINHA ERA MAIS IMPORTANTE

Não havia muitos negros, quando eu fiz a academia militar, almejando o oficialato no Exército Imperial do Brasil, já que vivíamos ainda sob o acicate da escravidão: uma mancha péssima no nosso passado.

Bom favor fez o senador baiano Rui Barbosa, que no início da República, ordena queimar todos os processos e documentos sobre o escravismo brasileiro. Havia somente filhos de fazendeiros que estavam almejando comando, dentro dos quadros das forças armadas, ainda rudimentares no Brasil, em comparação, por exemplo, a armada das fragatas e encouraçados cheios com oficiais mercenários ingleses.

Fiz a parte teórica da academia, com fito ao oficialato, na capital do Império: a Província do Rio de Janeiro, estudando o positivismo da cartilha “comtiana” - cheia das “matemáticas” e retóricas como progresso, ordem e leis sociais - como dizia nosso professor de Geometria Espacial: Benjamin Constant.

O QUE LI COMO CADETE?

A parte "teorética" faz o aspirante compreender geografia política, cartografia, astronomia, economia, história militar e uma gama de saberes determinantes na hora de comandar num terreno inimigo, num país ou região distante em estado de belicosidade.

Eu estudei “Humanidades”, confesso, como você pode ver, caro leitor. O objetivo era ser um oficial professor da academia.

Porém, meu estágio de primeiro tenente, um ano após eu receber o “espadim” na formatura na academia no Rio de Janeiro, foi na caserna mesmo.

Comandei o Regimento da Infantaria em Santa Maria, milícias gaúchas, donde passei tenra infância: uma Província “filho pródigo imperial”. Lá pude ter contato com adestramento militar dos soldados: especialmente, mulatos e bugres, os quais eram convocados simplesmente ao passar pela rua da caserna.

A cena que ainda me vem à mente, dos meus tempos de aluno de academia militar, no litoral fluminense, é na sala de aula de Filosofia Militar.

A IMPORT NCIA DE BENJAMIN CONSTANT NA MINHA CARREIRA

Lembro-me das perguntas que fazia ao Coronel Benjamin Constant.

Este brilhante oficial era da arma de engenharia de combate; havia estudado em Paris, para trazer ao nosso exército brasileiro os elementos mais importantes da doutrina militar napoleônica, que afundará em “Waterloo”.

(...)

HERMES:

- Professor, com licença. Posso fazer-te um questionamento?

- Como o senhor observa a função dos militares no atual quadro do Império? A nossa marinha imperial não tem um quadro com oficiais brasileiros. São oficiais ingleses que foram mercenários de guerra, desde o processo de independência, em 1822. O nosso exército, desde Guararapes, no século XVII, ainda não entendeu que o negro e o índio que são os nossos verdadeiros soldados, e os tratamos como se fossem “semi-humanos” ou até mesmo animais domésticos, como o caso dos oriundos da África. Ou seja: ainda não temos um sentimento claro de liberdade e patriotismo neste país!

BENJAMIN CONSTANT:

- Estamos perto de um golpe, meus caros alunos. Somente tomem cuidado para que um senador destes vitalícios, do Partido Conservador, não ouçam suas críticas, mas eu concordo em muitas coisas que vocês dizem, em especial você: Hermes.

- O Império brasileiro, por não ter um soberano sensível ao povo e seu processo de formação cultural, pode entrar em colapso.

- Por exemplo: trata a Marinha com pompa, pois são ingleses na maioria, como você bem disse... que podem mudar de lado, apenas pela fortuna. Já o Exército está jogado às traças, sem fortificações nos rios mais importantes deste imenso território, como o rio Paraguai, por exemplo. Fora que ainda não temos um quadro com soldados habilitados com a artilharia mais moderna e todas as armas de fogo que estão fazendo sucesso nos exércitos europeus.

CAPÍTULO 6:

MOBILIZAÇÃO DAS TROPAS

6.1 1865: López barbariza Corumbá e Uruguaiana:

Quando eclode o conflito, no fim do ano de 1864, momento que López prendeu o navio Marquês de Olinda, com o Presidente da Província de Mato Grosso, os paraguaios invadem o sul da Província de Mato Grosso, tomando o Forte Coimbra, Corumbá e Ladário às margens do rio Paraguai.

O rio Paraguai nasce no Mato Grosso, nas imediações da Chapada dos Parecis, quase na cercania cuiabana. Ele vem serpenteando toda fronteira do Brasil e do Paraguai, entrando de vez no território daquele país, cortando-o ao meio, numa leve diagonal. Um dos seus portos era Assunção, no extremo oeste guarani. Depois de repartir o Paraguai em norte e sul (como numa linha traçada pelo Satanás para fomentar conflitos platinos), o rio Paraguai funde-se com o rio Paraná, entre Brasil e Argentina (para alimentar mais confusão), o qual termina em Buenos Aires, encontrando-se com o Estuário do Rio da Prata. Lá na capital portenha começa a surgir o encontro dos dois oceanos mais importantes do Mundo: o Pacífico (oriental) e o Atlântico (ocidental), num mar extremamente tormentoso em meados dos anos.

MEU PRIMEIRO CONTATO COM O CORONEL SAMPAIO, PATRONO DA INFANTARIA

Já em 1865, em fevereiro, eu me reuni com as tropas do Coronel Sampaio, na Serra da Mantiqueira, quase na fronteira com a Província de São Paulo, lugar frio e com muita neblina.

Vim em marcha com 300 homens, que foram embaralhados, às dezenas, entre o Rio Grande do Sul até o Paraná, pelo sul do Brasil, pois eu servia um destacamento naquela área fria. Muitos desses homens foram escravos negros que pegávamos nas senzalas, pelo caminho, prometendo indenizações aos proprietários e alforria aos africanos. Muitos deles tinham fama de assassinos e de serem bons jogadores da capoeira, que era o nosso intento terem-lhes nas fileiras (um diferencial de campanha).

No começo da Guerra do Paraguai, também chamada por Conflito da Tríplice Aliança, na qual os uruguaios, os brasileiros e os argentinos uniram-se contra os paraguaios, eu comandava ainda o destacamento de Santa Maria, na segunda metade do ano de 1864.

Fui convocado a apresentar-me nas cercanias de Resende, região do Rio de Janeiro, na Serra da Mantiqueira, para liderar um pelotão de 200 soldados e um estado maior, depois sabendo que o maldito López planejava massacrar Uruguaiana, como realmente fizera, no meu amado pampa.

MINHA PRIMEIRA MISSÃO: BLOQUEAR UMA SUPOSTA PASSAGEM DOS PARAGUAIOS PELO RIO PARANÁ.

Nossa missão, conforme ordem direta do General Osório, era a de bloquear o acesso ao rio Paraná, já que os paraguaios ambicionavam uma saída para o mar, pelo oceano Atlântico. Os paraguaios querem atrair as forças terrestres brasileiras para o oeste, enquanto uma parte das forças de López ia pelos rios da bacia do rio da Prata, por Corrientes (Argentina) e Uruguaiana.

Logicamente, conforme o que imaginamos, juntamente com o estado-maior de oficiais brasileiros, comigo, é que eles queriam a Vila de Paranaguá e suas adjacências, no litoral paranaense, apostando que o extremo sul do Brasil Imperial faria secessão, como a Revolta dos Farrapos já sinalizava, no tempo da Regência, onde meu pai lutou contra o Império. Eu já fui muito positivista por causa do Professor Constant, como já disse; mas, hoje, sou monarquista sim.

Durante o período da Regência (onde o menino Pedro II ficou tutelado e várias províncias brasileiras aproveitaram para rebelarem-se, pedindo secessão), e antes mesmo, no tempo de Dom Pedro I, o sul do Brasil sempre foi separatista, e isso era o trunfo que López apostava: a secessão do Brasil em setentrional e meridional.

Iriam segundo se lia em jornais da capital:

“avançar impiedosamente pelas regiões de Londrina, Ponta Grossa e Curitiba, até alcançar o litoral, fazendo porto na enseada paranaense”, como também bem afirma o relatório assinado pelo General Osório.

CAPÍTULO 7:

MEMÓRIAS DO CORONEL HERMES: O CONFLITO

Eu, Coronel Hermes, o narrador, ainda na enfermaria, estou perfilando minhas lembranças, ora caminhando no corredor do Hospital dos Veteranos no Rio de Janeiro, manicomial, ora no jardim ou entre os corredores de enfermaria. Sou um homem carrancudo, como bem podem imaginar.

Um homem que testemunhou massacres e uma parte tão contumaz da História, não pode ser uma pessoa “normal”.

SEGUNDA MISSÃO: IR ATÉ DOURADOS E TENTAR COOPTAR OS ÍNDIOS PARA SEREM SOLDADOS

Fomos enviados para irmos aos campos de Dourados, região do extremo meridional da Província do Mato Grosso, com influência do rio Ivinhema (bacia do rio Paraná este), a cerca de 100 ou 200 quilômetros das cercanias da Laguna, não me lembro tão bem.

Era este o primeiro povoado no território Paraguaio. Era fronteira com o Brasil, às margens do rio Apa (afluente do rio Paraguai este) o que daria maior velocidade de deslocamento às tropas de Francisco Solano López, o caudilho guarani.

Precisávamos evitar que ele e seu militar, o General guarani Bernardino Caballero, obtivessem êxito napoleônico, como dizia Caxias em suas palestras aos aspirantes, antes de assumir o front!

Haveria uma frente maior ali alguns anos depois de nós, com objetivos mais ambiciosos, a do Coronel Camisão, que queria ir pelo lado de Laguna, perto do rio Apa, afluente brasileiro do rio Paraguai, para atacar Assunção, como Visconde de Taunay descreveu em livro que cheguei a ler numa biblioteca aqui do Rio de Janeiro, pois sou bibliófilo (um Fausto dos Chacos - cujo pacto foi com a Coruja de Minerva; não com Satanás). Camisão fracassou no primeiro semestre do ano de 1867, mas o General Antônio Maria Coelho retomou Corumbá em junho do ano de 1867.

CABO ISIDORO E SUA AÇÃO

O cabo Isidoro, que divide o leito do Hospital dos Veteranos, aqui comigo, era um dos meus comandados, neste pelotão que saiu do Rio de Janeiro em direção aos campos de Dourados.

Era na província do Mato Grosso, que agora, neste período republicano, transformou-se em estado federado: o maior em extensão e o menos habitado, neste fim de século XIX.

Coronel Camisão, Visconde de Taunay e Guia Lópes o desbravaram praticamente durante a Guerra da Tríplice Aliança, na segunda metade da década de 60 do século XIX.

Tal saga foi relatada no livro "A Retirada da Laguna", que você precisa ler, caro leitor, pois é precioso demais.

Cabo Isidoro, bem antes da Retirada da Laguna, era um negro por volta dos 20 anos também, naquele momento, que não tinha familiares de sangue, pois veio novo demais da costa sudoeste africano, como escravo que desembarca no porto do Rio de Janeiro, tendo sorte de não chegar desfalecido e ter sido jogado na vala dos Pretos Novos, na nas proximidades da "Gamboa".

Era escravo que fora comprado por uma fazenda do Recôncavo da Bahia, com ruas de cacau, passando sua infância na Casa Grande, em Itabuna, pois uma das negras amas de leite o tinha em grande estima e o levara quando comprada. Ele foi forçado a entrar nas fileiras das praças, sob a promessa da alforria e uma indenização em terras ao fim da guerra aos voluntários da pátria, contrariando sua mãe negra adotiva, que tanto o protegerá.

Isidoro fazia parte dos soldados negros que sabiam lutar a capoeira. Uma luta africana que o Brasil adaptou que lembra uma dança na qual se usam diferentes tipos de chutes. Muitos dos chutes podem ser acompanhados com navalhas entre os dedos dos pés, os quais fazem ferimentos sérios no rosto (muito comum de ver na Gamboa, no Rio de Janeiro). Outros chutes bem colocados no tórax ou no baço podem levar uma pessoa ao óbito, como vi vários soldados paraguaios a irem.

Como ele me disse uma vez, muito lucidamente para alguém que não sabia ler e escrever, mas ouvia a conversa dos bacharéis dentro da Casa Grande:

CABO ISIDORO:

- Não havia jovens brancos, filhos dos fazendeiros de café, cacau e algodão das regiões mais ricas do 2° Império, que se alistarem voluntariamente ao ponto de formarem um exército do tamanho do guarani, insuflado de patriotismo, até então: patriotismo "bolivariano", por assim dizer. A grande maioria dos nossos odiavam a monarquia, pois boa parte dos jovens brasileiros brancos eram bacharéis contaminados pelos ideais iluministas das faculdades de direito, inspiradas em Coimbra e a Revolução do Porto. Seus pais eram coronéis da Guarda Nacional e tinham outros planos políticos para seus pupilos: que com o fim do Império lograsse carreira na república laica, sem que houvesse poder vitalício e dinástico, como era no Império. Dom Pedro II, na época, cinicamente, montou a campanha: “Voluntários da Pátria”, com este objetivo: angariar homens brancos da elite, para defenderem as fronteiras. Todavia, a covardia e o não patriotismo falaram mais alto.

JORNALISTA HONÓRIO LEMOS E SUA REPORTAGEM NO FIM DA MINHA VIDA

Penso como ele, o Cabo Isidoro, quando falo de um colega meu: Onório Lemos, jornalista.

Ele que se formou em Direito, no Largo do São Francisco, na Província de São Paulo, mas nunca advogou, frequentava a Biblioteca Nacional, quando eu era ainda aluno da Academia Militar e ia lá para ler.

Não se alistaram por motivos “filosóficos”, pois se considerava um “anarquista”, quando para mim era por covardia mesmo.

Acabou por cobrir a Guerra para um jornal carioca, o que eu creio que fora tão perigoso como fazer parte das galeras que avançavam nas batalhas campais nos lamaçais, chamados por “chacos” pelos guaranis. Novidade da cobertura era a máquina fotográfica, que registrou muitas imagens reveladoras do "front".

Onório Lemos trazia uma daquelas geringonças, sempre ajudado por um dos meus soldados, pois era pesada. Depois deste imbróglio, a revelação era outra alquimia sem fim, ocupando mais ainda meus soldados, que precisavam proteger a barraca do ilustre correspondente da guerra.

O Cabo Isidoro fica comigo até o fim do conflito, quando volto ao Rio de Janeiro, em 1871, para fazer novos cursos e ser mandado para Londres como adido militar, já coronel, com a missão de observar as melhorias militares britânicas e trazê-las para o Brasil: uma mentira, pois não tínhamos mais dinheiro enquanto não saldarem dívidas da guerra. Porém, o Cabo Isidoro guardou talvez um grande segredo:

Como ele me disse:

- Francisco Solano López, antes de morrer, deixou uma fortuna enterrada no caminho entre Assunção até a fronteira com o Brasil, que poucos soldados souberam que existia, após a tomada da capital guarani. López, somente ele, tinha o mapa dos tesouros que possuía e que não ia deixar para serem pilhados por Conde D’Eu e seus oficiais.

Onde estão os baús com metais preciosos que López “levara” consigo e sua caravana, ao abandonar Assunção? Será que esta história procede? Ou seria um produto das lendas populares, já que as pessoas possuem mentalidade fértil?

López sabia que os brasileiros saquearam seu palácio e é claro que fugiu com tudo que podia e foi enterrado pelo caminho. Há uma verossimilhança em tudo isso, sim!

CAPÍTULO 8:

AS EMBOSCADAS EM DOURADOS

ENTREVISTA AO JORNALISTA

Num destes intervalos, desponta no Hospital dos Veteranos, no Rio de Janeiro, o jornalista Onório Lemos, que Hermes "reminiscentara" páginas antes, o qual fora correspondente de guerra de um jornal fluminense.

Dá o ar da graça, pois estava produzindo uma extensa reportagem para publicar num jornal norte-americano, que queria saber mais sobre o evento cataclísmico sul-americano.

Sendo assim, Hermes o recebe todos os dias, numa sala apartada dos demais combatentes, e narra, ao jornalista, suas agruras, naquele imundo hospital que se encontrava abandonado o sexagenário.

Aquilo que nunca seria um lugar digno de um herói de guerra, caro leitor, como foi no Hermes Gonçalves.

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Hermes, pode me contar suas memórias, que eu vou anotando aqui na minha caderneta. Eu prefiro ater-me somente ao seu relato, pois, quando for escrever a matéria, coloco o que eu vi como correspondente da guerra.

HERMES:

- Bom, Onório (tosse e escarra)....

- Foram 02 meses em marcha entre Resende até Dourados, no extremo meridional da Província do Mato Grosso, invadido que estava pelos guaranis, chefiados por Caballero e seus oficiais superiores, onde encontramos as nossas tropas vindas de Minas Gerais, da região de Uberlândia, no Triângulo.

- Saímos do sinuoso interior fluminense até o Cerrado, chegando aos campos, enquanto a outra divisão viria do Triângulo Mineiro. Eram 200 homens mal treinados os meus comandados brasileiros, mal vestidos e mal armados.

Segundo um dos meus sargentos:

- Uma leviandade, a qual o Imperador nos impõe em nome da perpetuação da sua dinastia...

Assim pensávamos igualmente, jovens oficiais do Exército Brasileiro, ainda diletante.

- Levávamos mantimentos em lombo de mula e alguns cavalos. Tínhamos alguns sabres e rifles que os ingleses nos deram como quem dá sucata:

“ - ...basicamente carregados socando pólvora e chumbo até acionarmos o gatinho, com direito a um tiro somente, até carregar tudo novamente”, como bem ensinou meu sargento Carlos aos seus comandados.

Segundo um coronel da época, que disse mais:

- Precisávamos, mais do que armas de mão obsoletas, de uma forte e pesada artilharia poderosa e de uma cavalaria atuante, do tipo “corta cabeças no galope”, coisa que já sabíamos que os paraguaios tinham, por causa do financiamento britânico. Aliás: os ingleses financiaram ambas as partes, apostando no dilaceramento da unidade sul-americana, frente à expansão do imperialismo vitoriano. Porém, a cavalaria era inoperante nos lamaçais.

HERMES:

- Um dos representantes desses interesses, foi o inglês Curruters, que chegou a conversar numa casa de chá fluminense.

- Ao atravessarmos, com grandes dificuldades o rio Paraná, na fronteira entre a Província de São Paulo e do abandonado Mato Grosso, enfrentamos, após 2 semanas, na segunda metade de 1865, o primeiro pelotão paraguaio, que já estavam apoiado por alguns indígenas do sul da Província de Mato Grosso, que nos geraram um grande problema de guerra: a propaganda de cooptação.

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Como assim Hermes? Os indígenas lutaram contra nós?

HERMES:

- Uma parte deles. O mais traidor de todos que conheci foi o Guaicuru, que chamei por Apache. Foi emboscada em cima de uma emboscada....

- Como escrevi no relatório que despachei para o estado maior:

“Não bastasse os índios cooptados pelos paraguaios, as dificuldades de travessia foram próprias de um rio extenso e caudaloso, que obrigou a difíceis manobras em cima das naus que precisamos improvisar, tendo algumas, afundado por peso mal distribuído, fazendo-nos perder mantimentos precisos e ceifando vidas dos guerreiros. Os paraguaios tinham canhões com excelente alcance, que Francisco López comprou na Europa e também forjou nas suas siderúrgicas já montadas numa economia de guerra. Atiravam contra nossas guarnições a alguns quilômetros de distância, sem que pudéssemos os ver. Fora que muitos dos indígenas da região de Dourados fingiam-se amigos nossos, mas na verdade vinham em nossa direção para nos espionar e entregar nossas estratégias aos oficiais paraguaios.”

- Em outubro de 1865, já havia perdido mais da metade dos meus homens, que nem só com tiros avulsos de artilharia morreram.

- Um jornalista argentino que nos acompanhou no teatro de operações, Ignácio Tedescoli, assim enviou para sua redação:

“A guerra nos ensina que a higiene é uma aliada; homens começaram a padecer de diarreias e infecções originadas de uma má alimentação e do stress das noites interrompidas por tiros de canhoneiros.”

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Grande texto do Ignácio Tedescoli. Cheguei a lê-lo.

Os exércitos precisam manter uma disciplina com asseio mesmo. O exército de Napoleão que o diga.

HERMES:

- A estratégia que usamos foi aprender a língua indígena, com ajuda de algumas missões com jesuítas que ali viviam e, por nós, foram forçadas a cooperarem, pois os mataríamos se assim não fosse. Torturei muito frei naqueles dias, pois não queriam nos auxiliar...

- Também assim publiquei em outro relatório mandado ao estado maior:

“Buscamos mostrar aos ameríndios que eles eram brasileiros, que viviam sob o manto do Imperador Dom Pedro II: daí o aspecto propagandístico que uma guerra também tem. Isso se deveu ao isolamento desses silvícolas, que fez que os espanhóis e as missões jesuíticas os educassem; pegaram também pavor dos bandeirantes, que os aprisionavam nas entradas e bandeiras, um século antes (XVIII).”

- Deparamo-nos com as nações indígenas "Kaiowá, Bororo, Guató, Kadwéu" e os mais temidos: os Guaicurus. Os Guaicurus eram cavaleiros, usando cavalos cruzados que davam um cavalo crioulo muito rápido e rústico.

- Os espanhóis, entre os séculos XVII e XVIII, por meio do seu Vice-Reino do rio da Prata, deram a eles cavalos de raça e os ensinaram na arte da guerra por meio da cavalaria, como os romanos eram hábeis na antiguidade, manuseando espada e lança.

- Assim o fizeram para que eles aprisionassem as demais nações indígenas que dessem problemas à Coroa da Espanha. Porém, os Guaicurus eram arredios.

- Foi difícil ao Exército Imperial Brasileiro dobrá-los, sendo melhor: matá-los, como o fez os americanos como os Apaches.

CAPÍTULO 9:

PROBLEMAS DOS MEUS SOLDADOS COM ÍNDIOS

À medida que o coronel coloca os fatos ao jornalista Onório Lemos, as batalhas terrestres delineiam-se:

Tuiutí ao sul paraguaio (24/05/1866).

Humaitá ao centro (02/08/1867).

Dezembradas nas cercanias de Assunção (24/12/1868).

Essas são as contumazes, no que concerne às forças terrestres.

As forças navais foram outra parte.

Isso tem relação à Batalha no riacho de Riachuelo, em 11 de junho de 1865, perto do encontro com o rio Paraguai e o rio Paraná, após a cidade argentina de Corrientes.

São várias efemérides de guerra que guardam histórias dentro deles.

As aldeias indígenas são um ponto importante para quebrar a rotina dura dos acampamentos militares.

HERMES FALANDO PARA HONÓRIO:

- A língua indígena foi um obstáculo com estes índios, para nós, habitantes do litoral brasileiro, acostumados somente com tronco linguístico tupi. Não éramos conhecedores do interior brasileiro, salvo pelos relatos das milícias bandeirantes e das missões jesuíticas: ambos, uns caça dotes de ouro, por assim bem dizer, mas que possuem vários méritos também.

- Os do litoral falavam tupi, uma língua já entendida por causa do Padre Anchieta e outros clérigos que escreveram gramáticas, as quais li na Biblioteca Real, no Rio de Janeiro, estudando nos tempos que eu era cadete. Mas os que nos deparamos vinham de um tronco misturado ao dos países andinos: o chamado guarani. Somente os padres jesuítas os entendiam, pois muitas missões estavam naquela região. Mesmo assim, um dos meus homens traiu a tropa com duas índias e desertou.

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Como assim, Hermes? Eu imaginei que os escravos fariam mais problema.

HERMES:

- Houve um soldado nosso, Onório, com nome Pedro Cavalcanti, um excelente esgrimista que eu convoquei lá mesmo no Rio de Janeiro, depois de vê-lo duelar com um desafeto, na Praia Vermelha, em 1863, em dezembro. O tal Pedro, porém, Onório, abusou de uma índia de 14 anos, aproximadamente, pois o índio não sabe idade.

- Ele matou um índio Bororo, pai da menina, para morar com a mãe dela, outra índia da mesma tribo.

- Ele desertou, abandonando o posto de sentinela, da minha guarnição já precarizada, para raptar as duas gentis para morar com ele, numa região próxima ao rio Ivinhema, um pouco mais abaixo da área da Dourados, na Bacia do rio Paraná.

- Como reza o direito penal militar, decretei lei marcial e constitui um corpo com militares e, ao acharmos, aplicamos o fuzilamento como pena, mirando o coração. Realmente é muito difícil ser comandante em chefe composto com homens que estão vários meses sem mulheres, que estão feridos fisicamente e emocionalmente, sendo pior: motivá-los!

- Isso para uma causa que ainda não estava bem clara: a unidade territorial do Império Brasileiro.

- Por fim, percebemos que mãe e filha estavam grávidas de um soldado, que era de origem portuguesa, o infeliz. Elas nos acompanham como ajudantes gerais, pois precisavam de trabalhadores, na falta de uma enfermagem e intendência militar de campanha, que todo exército necessita na sua divisão de ofícios militares.

CAPÍTULO 10:

O DESLOCAMENTO PARA O RIO APA (LAGUNA).

HERMES AINDA RELATANDO AO JORNALISTA ONÓRIO LEMOS

- Os paraguaios haviam percebido que a guerra não poderia ser travada fluvialmente, dada à superioridade argentina na região do Estuário do Rio da Prata, que nasce do encontro do rio Paraná e rio Uruguai.

- Por isso, a fragilidade da Província do esquecido Mato Grosso era de grande valia geopolítica, para fazer emboscada que retirassem as atenções da marcha guarani, que era a de alcançar o Estuário do Rio da Prata e sair das amarras geográficas que lhes impunham a infortunística da História da América do Sul, após Símon Bolívar encampar o nacionalismo crioulo frente à Espanha tomada por Napoleão Bonaparte, lá no começo do nosso século.

- Por esse motivo, no fim de 1864 e começo de 1865, eles tomam em assalto a vila de Corumbá, Ladário e circunvizinhas, que são áreas com transição entre a planície úmida do Pantanal e os chaco igualmente alagadiço do Paraguai, que você certamente leu melhor no Visconde de Taunay, que conheci em Assunção. Ele tem um diário sobre isso tudo.

- Assaltam o navio Marquês de Olinda, em novembro de 1864, realizando covardias com mulheres e nativos, além de assassinarem os governantes da Província do Mato Grosso que ali estavam indo para Cuiabá.

- O mentor de tudo isso foi Francisco Solano López, um imitador barato de Napoleão Bonaparte, em minha opinião; o último, como bens sabe, por ser um culto jornalista, também pretendeu desastrosamente dominar um continente, o europeu, no começo do século.

- Para o intento de López, haveria seu comandante militar mais astuto: o General Bernardino Caballero.

- Francisco Solano López havia alguns anos antes de 1864, a mando de seu pai, o caudilho Carlos Solano López, ido a Londres para negociar empréstimos com os bancos anglo-semitas e copiar projetos siderúrgicos e de estaleiros; além de contratar engenheiros ingleses para modernizarem o Paraguai.

- Como a imprensa norte-americana noticiou:

“O maior problema paraguaio não seríamos nós, os brasileiros, mas sim os argentinos, chefiados por Mitre. Os argentinos aumentaram os tributos da alfândega fluvial dos navios paraguaios que passavam obrigatoriamente por Buenos Aires, zona portuária do Rio da Prata, atravancando as exportações do algodão guarani, na virada da primeira metade do século XIX, rumo à segunda metade. Isso foi insuflando, além de difíceis negociações da diplomacia, sempre manipuladas pelo Brasil e pela Inglaterra, sentimentos de nacionalismo por subjugação econômica de uma nação sobre outra: justamente a denúncia do "bolivarianismo" gestado neste momento. Se junta a isso caudilhos que governam sem parlamentos e nações ainda em processo de formação dos seus Estados Nacionais tardios: palha perto de fogueira ou ponto de ebulição de uma guerra.”

- Meu pai já afirmava a mim, ainda adolescente, nos tempos que estava nos flancos da Revolta dos Farrapos, que não expandiram para ver os erros do Império, que simplesmente governava para o Litoral:

- ... Esquecendo-se do Rio Grande e das fronteiras terrestres ainda não consolidadas. Que o federalismo seria a solução:

- ...mas que a monarquia não aceitava o federalismo que os norte-americanos inventaram, pois mantinha um Estado unitário, num país monumentalmente extenso.

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Seu pai estava correto...Segundo a visão de quem morava no meridional do Brasil.

HERMES:

- Quando ainda das enormes dificuldades em conter o avanço dos oficiais paraguaios até o Paraná, recebe ordens diretas do estado maior do General Osório, que diz: “para descer ainda mais no território do sul da esquecida Província do Mato Grosso: a região do rio Apa, no povoado da Bela Vista e Amambai, já na Bacia do rio Paraguai”.

“Para tanto, viria uma guarnição argentina que nos tirariam do cerco paraguaio, atacando com canhões pelo extremo oeste.”

- Dessa forma, chegou ao rio Apa, em 1865.

CAPÍTULO 11:

UM EXÉRCITO FORMADO POR NEGROS E ÍNDIOS

HERMES AINDA RELATANDO AO JORNALISTA ONÓRIO LEMOS

- Foi realmente a Guerra do Paraguai que expôs o problema da monarquia brasileira, segundo minhas críticas.

- Isso como oficial que participou diretamente dos combates; problemas com diplomacia e com condução da nação, que o meu comandante sempre me manifestou por carta: o tenente coronel Paulo Armando:

“- Nós estávamos sem um exército profissional, como bem já disse Maquiavel ao Príncipe, que era não confiar em mercenários e milícias, como fez Francisco Solano López ao criar militares que amavam a bandeira e não a moeda, como todo estado maior do Dom Pedro II dizia pelos corredores, longe dele. O problema é que o soldado vem do povo, mas o povo era cativo: o brasileiro ainda não é considerado brasileiro mesmo. Aí morou o problema: o povo era o índio e o negro, os quais não participavam da sociedade branca, aristocrática por compra do título, "bacharelizada", ruralizada e sem um projeto; índios e negros eram a maioria esmagadora da população e, obviamente, seriam as fileiras de um exército nacional aguerrido. O Império foi, num primeiro momento, uma invenção de um monarca lusitano, para arranjar seu filho, sendo que D. João VI estava em franca perda do prestígio, esmaecido pelo liberalismo do Porto. Logo, o sistema de governo não representava um povo ainda em formação, que foi requisitado a proteger uma fronteira.”

HERMES:

- As margens do rio Apa que me foi útil foram os indígenas, especialmente um bororo que apelidei como Tupã.

- Eles, especialmente o que mencionei, sabiam tudo sobre fauna, flora e farmacopeia natural, que muito foi necessário para acamparmos e resistirmos diante dos paraguaios, que sabiam muito bem como era aquele terreno, ao contrário dos nossos negros da senzala, como bem via em Nézinho e Vintém, que coloquei como cozinheiros, tamanha a má vontade de lutar.

- Havia um costume dos nossos soldados, aprendido com os indígenas, de dormirem de cócoras. Isso foi muito necessário por causa do medo das emboscadas dos pelotões paraguaios.

- Nem pude contar muito com uruguaios e argentinos também, como era a guarnição do Major Hernandez, que mais aos dois anos antes desta guerra acabar, nos abandonou, quando nós já estávamos dentro do território do Paraguai, com enormes dificuldades para chegarmos a Assunção.

- Abandonaram não por deserção, mas por ordem dos seus generais.

- Um episódio que muito me marcou, foi num dia com muita chuva, às margens do rio Apa.

- Já estávamos frente a frente com os paraguaios, vindos da porção oeste.

- Era realmente olho no olho, quando não conseguimos, nem nós, nem eles, socar pólvora nas armas.

- Assim sendo, todos tiraram suas facas, dentre os quais, primeiramente, o meu sargento Mariano.

- Depois veio mais ou menos 300 soldados, sendo uns 200 paraguaios, e foram correndo, aos gritos de ódio, rumo uns aos outros: foi um lamaçal com sangue o que ficou, o que nos obrigou a recuarmos com metade dos nossos homens, pois os demais foram mortos pelos paraguaios, após rolarem no chão com estocadas às cegas.

- Havia uma coisa que mais fazia os meus soldados tomarem ira dos paraguaios - mesmos aqueles que não tinham ideologia nacionalista: os soldados brasileiros eram degolados, quando as batalhas eram por espada, e suas cabeças fincadas no caminho, para que víssemos e diminuíssemos nossa moral como tropa.

CAPÍTULO 12: FRANCISCO SOLANO LÓPEZ CONHECE ELISABETH LYNCH.

HERMES RELATANDO AO JORNALISTA ONÓRIO LEMOS, QUE ANOTA TUDO FRENETICAMENTE:

- Parece jocoso afirmar que a Guerra do Paraguai foi o desejo de um homem em impressionar uma mulher, numa demonstração de virilidade: mais foi isso sim!

- É verossímil afirmar que Francisco Solano López queria impressionar Madame Lynch - ou Elizabeth Lynch, nos bordéis de Paris - com um feito digno de Napoleão Bonaparte, mesmo sem nenhuma carta ou documento histórico que prove isso!

- Carlo Antônio López, o pai do Francisco, havia incumbido seu “menino” a ir a Inglaterra.

- Era uma missão em buscar financiamentos e em trazer projetos, juntamente com cientistas e engenheiros, capazes de acelerarem o desenvolvimento econômico paraguaio.

- Trouxeram também militares mercenários britânicos, como os marinheiros Robert Carl e Philipe Mann, que muito colaboraram nas adaptações das chatas mercantes guaranis em receptáculos com canhões navais - chatas são embarcações com baixo calado e extensas, geralmente graneleiras.

- Isso ocorre, pois o Paraguai não teve tempo em fazer estaleiros e ter uma fragata, mas contou com essas “gambiarras”, e ainda com muitos canhões às margens do rio Paraguai.

- Colocaram também, conforme orientações dos ingleses citados, correntes enormes que impediam a navegação das fragatas brasileiras, que vinham do Rio de Janeiro e adentraram o Estuário do Rio da Prata, sob o véu argentino, aliado.

- Todo país pobre da América do Sul assim o fez: pegam, empenhando safras e mais safras de sua agricultura, migalhas financeiras.

- Com isso financiam sucatas de maquinaria fabril para ensaiarem uma parca Revolução Industrial, que nunca chega a termo: o bafo da sociedade oligárquica ainda chega até o nariz dos minoritários industriais nacionais dependentes, desfigurando-a em dois polos: antigo e “moderno”.

- Os López, seguindo esta cartilha, assim o fez também ou era a única via, que obviamente os britânicos souberam explorar.

- Mesmo pelo motivo de a época os Estados Unidos estarem já nos climas da secessão entre sul e norte; muito ocupado, por assim dizer, em também manterem sua unidade geopolítica, com estava ocorrendo, igualmente, na América do Sul.

- Dessa forma, antes de 1864, Francisco Solano López desembarca em Londres, juntamente com uma missão composta de seus assessores mais íntimos. Lá, López visitará bancos, universidades e siderúrgicas.

- Todavia, López decide ir até Paris, para visitar Napoleão III, seu amigo. Lá vai a elegantes restaurantes e também aos bordéis, na qual se encanta por uma irlandesa, de nome Lynch.

- Reza a lenda ser uma mulher alva, muito afeiçoada e experiente da arte de amar: fazendo um homem em um bobalhão ao subir por cima, no pau dele.

- López foi enfeitiçado por Lynch, que, arrebatado por uma tórrida paixão, passou a oferecer para cortesã, amostras do seu espólio familiar, oferecendo-lhe tudo que o dinheiro pode para encantar uma mulher com aquela mentalidade de época.

- López consegue trazer Lynch para Assunção, onde manda construir uma réplica da corte francesa em termos de arquitetura e jardinagem.

- Assunção passa a ter uma vida digna de cortes europeias, pois era a única forma em López manter Lynch na América do Sul: imitando o clima parisiense.

- Lynch o acompanhou entre os anos que vão de 1864 até 1870. Isso até quando López e seu filho são mortos em Cerro Corá, extremo leste paraguaio, às margens do rio Aquidabán, em área das cordilheiras, que fogem a paisagem pantanosa do extremo sul daquele país. Ela foi poupada e voltou para Paris.

- Perdendo a Guerra, em 1870, o Paraguai paga pesadas indenizações aos países aliados e Lynch tem seus bens confiscados pelos vencedores. Todavia, morre sabendo onde López enterra o tesouro do palácio que ia ser saqueado pelos brasileiros, mas não pode voltar para desenterrá-lo.

Para o leitor entender, eu coronel Hermes Gonçalves, me ponho a contar esta estória, conforme os relatos que vi e ouvi nas frentes em combate.

CAPÍTULO 13:

1864: MATO GROSSO E RIO GRANDE DO SUL SOBRE A MIRA DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ

HERMES RELATANDO AO JORNALISTA HONÓRIO

- Em minha opinião como veterano dos Voluntários da Pátria, o culpado da Guerra foi Mitre, o caudilho da Argentina. Isso obrigava Solano López a procurar aliados no Uruguai. Bernardo Berro, que odiava o Brasil, passou a ser amigo do nosso Napoleão dos chacos. Ele queria fazer que Uruguai e o Paraguai conseguissem derrubar Argentina e Brasil do controle do rio da Prata, pode? Coitados.

- Ele humilhava os paraguaios. Isto acontecia com pesados impostos aduaneiros nos portos fluviais argentinos.

- Eles encarecem as mercadorias daquele país encravado no meio de lobos. O Estuário do Rio da Prata é formado pelo encontro dos rios Paraná com o rio Uruguai. O rio Paraná é engrossado pelo rio Paraguai na Argentina.

- Por um capricho do destino, o Brasil colonial herdou, depois de 1822, uma posição geográfica privilegiada, mantendo sua unidade territorial por ser legatário direto da dinastia Orleans e Bragança, nobres da Coroa Lusitana. Graças ao Império que nos tornamos esse gigante colosso, conforme Duque Estrada.

- Isto em relação aos países em formação no Cone Sul.

- Militarmente falando: o território afunila-se e a imensidão hidrográfica brasileira permite manejar bem a diplomacia com os inconstantes “Hermanos”.

- Pode-se falar em imperialismo brasileiro no Cone Sul, como bem mostra a questão da intervenção por Dom Pedro II em colocar Flores, no poder, no agitado Uruguai, alguns anos antes em explodir a Guerra da Tríplice Aliança.

- Uruguai este que se separa do Brasil na Guerra da Cisplatina, ainda nos idos de Dom Pedro I, mas é cooptado pela influência diplomática do 2° Império.

- Todavia, é bom que se diga que este imperialismo brasileiro, na realidade, pode ser manejado ou pelo Inglaterra ou pelos EUA, por meio das teias financeiras: este era o papel dos dois embaixadores, um dos EUA, outro da Inglaterra. Thoedor Mikel e Smith Arms, que passaram por todo o conflito entre Montevidéu, Buenos Aires e Rio de Janeiro.

- Não se faz uma guerra das de vulto, meu caro, sem muito, mais muito dinheiro!

- O saldo final da Guerra da Tríplice Aliança foi uma dívida impagável com bancos londrinos, que fizeram da América do Sul um quintal dos interesses financeiros dos países do Hemisfério Norte.

- O coronel Mangabeira, com quem eu convivi, já nos tempos do acampamento em Tuiutí, no extremo sul do território paraguaio, nos idos de 1865, me contara:

“- López havia mandado a Dom Pedro II uma carta antes de invadir o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul. Na carta, ele pede que Dom Pedro II convença Mitre a não mais cobrar tão caro para os navios paraguaios passarem pela Argentina. Pede também que não perturbe mais o Uruguai. Não interferiu mais na política do Partido Blanco e Colorado uruguaios, em prol dos criadores de gado do Rio Grande do Sul que viviam invadindo as fronteiras. Mas Dom Pedro II não responde a carta, fazendo menoscabo de López, o que antecipa sua atitude sanguinária...”

- Foi isso mesmo: sanguinária!

HERMES FALANDO AO JORNALISTA:

- López passará o fim de 1864 e a primeira metade de 1865 invadindo vilas brasileiras, que estavam nas cercanias paraguaias, limítrofes.

- Dentre as quais, a de Corumbá, que fica às margens do rio Paraguai, porto que dá entrada até Cuiabá, sede da Província do Mato Grosso; fez barbáries com suas tropas também em Dourados/MT.

- De outro lado, invade por terra Uruguaiana e São Borja, no Rio Grande do Sul, promovendo, seus soldados, saques e estupros; mandado escravizar autoridades locais e decapitar aqueles que se rebelavam, seja por gestos ou palavras.

- Não houve somente, por parte de López, a missão de ocupar com sua infantaria os terrenos e deixar suas chatas passarem pelos caminhos até o Estuário do Rio da Prata: López queria sangue, o que acabou fazendo nascer o sentimento com ódio das populações brasileiras por ele dominadas, do que necessariamente patriotismo como sentimento de luta.

- Seria uma vingança a meta de Dom Pedro II: e assim o foi, até Duque de Caxias entrar em Assunção, nos anos finais da Guerra.

- Assim o foi na Batalha de Cerro Corá, no mesmo hiato, na qual Conde d’Eu mandou os soldados brasileiros decapitarem crianças paraguaias que resistiam no lugar dos adultos mortos.

- Meus soldados, que tiveram em Assunção em 1869, afirmaram que vazaram uma notícia de que Francisco Solano López havia mandado enterrar todo ouro do Banco do Paraguai, para que os brasileiros não o saquearem.

- Isto provocou deserções entre alguns soldados brasileiros, que se puseram a cavar, cavar e cavar diversas pistas que os nativos diziam, muito por torturas. Todavia, existia um mapa que estaria nas mãos do seu General Bernardino Caballero e de Madame Lynch, que nunca se teve acesso.

CAPÍTULO 14:

O ACAMPAMENTO EM TUIUTÍ E A QUEDA DO FORTE EM HUMAITÁ

HERMES RELATANDO A ONÓRIO:

- Recebo uma carta do estado maior do Exército Imperial Brasileiro, sediado na capital do Império: o Rio de Janeiro.

- Ela estava me dizendo para ir com meus comandados nos deslocarmos, pela Província do Paraná, até engrossarem as fileiras do acampamento de Tuiutí, na primeira metade de 1866, no sudoeste do Paraguai, juntamente com os militares uruguaios e argentinos, que nos aguardavam lá.

- Era uma posição conseguida com muita luta, em especial, da Marinha Imperial Brasileira, comandada pelo Almirante Barroso.

- Alguns anos antes, o almirante Barroso, com a esquadra brasileira, no rio Paraná, nas imediações de Corrientes, na Argentina, conseguiu destruir a esquadra paraguaia, que o atacara procurando desbloquear o acesso ao Estuário do Rio da Prata: tratava-se da Batalha do Riachuelo em junho de 1865.

- Isso se torna um fato que permite agora irmos até Assunção e matarmos López: o sonho dos militares brasileiros, uruguaios e argentinos - mais dos brasileiros, por causa de Corumbá, Dourados, São Borja e Uruguaiana.

- Deslocamo-nos num tempo frio na Província do Paraná. Alguns dos meus soldados, que eram negros de senzala, acostumados com regiões quentes do Nordeste do Brasil, ficaram doentes com pneumonia e tuberculose: os soldados Nezinho, Vintém, Paraíba e Baiano foram os afetados.

- Baiano havia adotado um cachorro, que ele trouxe de Dourados, lá do Mato Grosso.

- Quando atrasou a entrega de mantimentos ao nosso pelotão, por parte do comando do Rio de Janeiro, fomos obrigados a comermos o cãozinho, para não passarmos fome, antes de chegarmos ao acampamento de Tuiutí.

CAPÍTULO 15:

O ACAMPAMENTO DE TUIUTÍ

Região pantanosa do sudoeste do Paraguai, às margens do Lago Tuiutí, vazante do rio Paraguai.

O ano é de 1866, no primeiro semestre.

HERMES RELATANDO AO JORNALISTA:

- Quando vejo o acampamento de Tuiutí, fico admirado com seu tamanho, que não esperava de um acampamento militar!

- Sinto-me aliviado em ver tantas pessoas “amigas”, entre elas civis que estavam fazendo os serviços não militares, mal sabendo eu o que me esperaria depois: uma das mais sangrentas batalhas de infantaria campal que este continente conheceu, até aquele momento; quem sabe: nas gerações vindouras.

- Vi mais de 20 mil pessoas, num primeiro momento, amontoadas em barracas, em quadras, como numa cidade, com cores indicando suas funções.

- Vi fumaça de fogão a lenha, gente tomando chimarrão e toda uma vida de um povoado formando-se.

- Muitas mulheres também estavam lá, o que seria bom para meus soldados.

- No acampamento também tive um ferimento que quase me levou a óbito, alguns dias depois de chegar: um tiro na região do meu tórax, dado por um sabre paraguaio.

- Ainda bem que sem ser do lado do meu coração, já tão fatigado de guerra e encantado por uma estrangeira.

- Uma linda enfermeira argentina foi quem me tratou: Ramirez, com a qual cheguei a enamorar, tendo um problema com um de seus admiradores: um capitão do exército argentino: Júlio Caldeira, que já era calejado por guerras, como a que Buenos Aires usou para tentar restaurar o Vice-reino do Prata.

- Um dia ele, o oficial, veio me interpelar no bar, antes mesmo de ser ferido em combate. Isso quando bebíamos altas horas da noite, no acampamento: acabam duelando, de madrugada, mas os homens que estavam perto nos separaram, pois não poderíamos morrer na falta de soldados naquele front.

- Ramirez era filha de um fazendeiro argentino, da região correntina (Corrientes), onde seus antepassados criavam gado de origem europeia e comercializavam erva-mate vinda das ervateiras do sul da Província de Mato Grosso, por meio do rio Paraguai. Odiava de morte os portenhos, pois a união das províncias argentinas custou, nos tempos de Rosas, a morte de seus avós, lá pelos idos de 1850.

- Dela lembro-me das canções que cantava, embalada pela harpa guarani, instrumento que lembrava um violoncelo adaptado como um piano de cauda, um cravo – não sei definir bem.

- Quando a vi no bar que havia naquele acampamento de Passos da Pátria, cravado no sudoeste paraguaio, esperando uma emboscada de López, pensei comigo: quero uma noite de amor com esta mulher linda!

- Aliás: a harpa guarani foi um dos mais belos instrumentos que eu já vi, mais belo que um piano de cauda. Som de cravo.

- Que maravilhoso “mirar” aquela argentina linda cantando canções maravilhosas que nunca ouvira no Brasil! As chamadas polcas que são suaves como veludo.

- Ainda mais embalada por voz tão maravilhosa de uma “rúbia” mulher, de olhos tão negros e profundos, da qual esqueci um pouco das agruras da vida militar.

- Minha tropa precisava de mantimentos e de médicos para alguns males, por isso fiquei muito empolgado ao ver aquele acampamento amigo, após tantas dificuldades que passamos na marcha da Província do Mato Grosso, pela do Paraná, até chegarmos aqui.

- Precisávamos também de veterinários para nossos cavalos, que já estava exausto e precisando de medicação: o cavalo é uma ferramenta preciosa numa guerra: que animal abençoado!

- Os cavalos eram muito importantes para levarmos o armamento, como os sabres e a munição, que eram de origem belga e britânica.

- A munição era feita por nós e fazíamos questão de colocarmos pimenta do reino junto da pólvora, para fazer arder o ferimento dos soldados guaranis de López.

- Eram rifles que nós mesmos preparamos os projéteis, sendo muito difícil fazer o mesmo quando chovia; e estávamos em meses chuvosos naquela região.

- Chego com 100 comandados ao acampamento, pois foi um embaralhar constante que tive que fazer: como num jogo de cartas que se perde e se ganha novos naipes.

- Uns soldados morreram, e enterramos pelo mesmo caminho.

- Chegamos a comer as vísceras de um, morto por ferimento em combate, que não resistiu: parece até mentira, mas passamos fome demais nos campos de batalha da Província do Mato Grosso.

- Fiquei sabendo que um de nossos comandantes, o Coronel Camisão, passara um ano comendo laranjas de plantações, após ser cercado pelos paraguaios, na região de Laguna, que Visconde de Taunay fez livro.

- Ele fora obrigado a fugir, pois não teve condições de chegar até a Assunção: mas foi muito corajoso ao tentar isso, por incursão por terra, vindo da Província de Mato Grosso.

- Nós tentaremos isso, pelo sul do Paraguai, apoiados pelos uruguaios e argentinos, com mais chance de êxito do que o Coronel Camisão.

- Outros dos meus soldados desertaram, e nem tivemos como ir atrás, pois as ordens eram expressas para chegarmos o mais rápido possível ao acampamento Passos da Pátria.

- Muitos deles eram negros que vinham de senzalas das plantações de café e cana, do Vale do rio Paraíba e do Agreste do Nordeste, que aproveitaram a ausência de cativeiro para se embrenharem na mata com seus quilombolas.

- Houve soldados meus que morreram em combate, lá na região de Dourados, pois os paraguaios estavam melhores equipados e estavam alimentados com víveres que saqueavam das fazendas que ocuparam na Província de Mato Grosso.

- Uns dos meus soldados eu cedi lá mesmo para o Coronel Camisão, que, heroicamente, perpetrara a invasão da Laguna, não logrando sucesso, sendo obrigado a comer um laranjal todo, por meses, para não morrer de inanição.

- Fiquei sabendo pelos relatórios que os soldados que deixei com o Coronel Camisão, acabaram sendo massacrados pelas tropas paraguaias.

- Muitos deles foram índios que treinamos ali mesmo: para alguns chegamos a dar patente até de sargento.

- Há os que morreram de doença, picados por cobra ou atacados por onças quando foram urinar na mata. O terreno sempre é inóspito.

- Quando cheguei aqui foi uma imagem que até hoje não esqueço:

- Vejo às 7 da manhã o acampamento Passos da Pátria, pois andamos pela madrugada mesmo, para evitar qualquer emboscada paraguaia, pois estávamos em território de Francisco López e suas tropas.

- O sol forma uma neblina espessa, que vai sendo dissipada com o avançar da alvorada.

- Ouço a corneta que desperta os soldados do acampamento, que recebe o nome de Passos da Pátria por causa da iniciativa de invadir o território paraguaio para lavar a honra dos aliados, numa inscrição em madeira a sua frente.

- As bandeiras do Brasil, do Uruguai e da Argentina estão no mastro improvisado e marcam o avanço sobre López.

- A Batalha Naval de Riachuelo, em junho de 1865, havia destruído a armada de López, mas não era o bastante: era preciso humilhar o Paraguai.

- Minhas botas atolam num lamaçal espesso, pois o terreno era alagadiço ali, pois era um pântano as margens do lago de Tuiutí, que lembrava demais o Pantanal da Província de Mato Grosso, nas cercanias do Corumbá e Ladário.

- Preciso secar a bota, pois a constante umidade provoca fungos que acabam com os pés de qualquer soldado, como vinha acontecendo no nosso caminho.

- Precisava também manter a integridade da minha bota, pois não tinha bota para substituir, dada a precariedade do orçamento do Rio de Janeiro, que mantinha os pelotões com privações, esperando o auxílio financeiro dos ingleses.

- Encontramos dois soldados paraguaios feridos, antes de chegarmos ao acampamento, lá pelas 3h da manhã, naquela marcha epopeia.

- Quando fomos verificar como estavam, para pegar armas e munição para nosso pelotão moribundo, pois os paraguaios se encontravam deitados na capoeira, um de meus soldados toma uma estocada de espada no coração.

- Bem típico dos paraguaios agirem como serpentes traiçoeiras, armando emboscadas para nossos pelotões.

- Pelo caminho vimos várias cabeças, antes, penduradas em árvores, como que enfeitando a paisagem para nos aterrorizar e tirar nosso moral de tropa.

- Ai eu fiz o que eu deveria ter feito desde que vi os desgraçados: eu dei um tiro na cabeça do infeliz, e um de meus homens terminou de esfaquear o outro.

- A noite, no acampamento, pude conferir que havia até prostituição por parte de argentinas e uruguaias, tolerada pelos generais, desde que não houvesse brigas: o que era impossível, onde há mulheres e bebidas.

- Não era eu casado. Apenas deixara no Rio de Janeiro uma namorada, mas a Guerra já estava me fazendo esquecê-la.

- Era a filha de um Coronel, Mário Cézar, de nome Maria Lurdes. Às vezes chegava ate a mim cartas dela. As lia, mas depois passei a não responder mais.

- Ela me contava das agitações do Rio de Janeiro: principalmente, me mandava recortes dos jornais noticiando a Guerra, de maneira a insuflar no povo um sentimento de lealdade ao Imperador Dom Pedro II.

JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- O Imperador ajudou vocês?

HERMES:

- Um pouco atrasado, mas sim: os canhões chegavam em boa hora, vindos do Rio de Janeiro, encomendados da Europa e feitos por algumas siderúrgicas. O Barão de Mauá também os fez em sua siderúrgica.

- Haviam muitos mulatos e índios, chamado de “voluntários”, por nossos oficiais superiores, aqui no nosso acampamento. Os oficiais (majores e coronéis) isolavam-se dentro das barracas construídas para abrigá-los, onde olhavam mapas do teatro de operações.

- Na verdade, não havia uma cartografia exata sobre o Paraguai. Mais adiante, o Duque de Caxias, ao substituir o General Osório, trouxe balões de observação dos Estados Unidos.

- As missões de reconhecimento anteriores as estes balões eram feitas por incursões, praticamente suicidas, pela madrugada, adentrando os pântanos de Tuiutí: missão relegada a negros e índios brasileiros.

- Nossa engenharia militar havia sido construída alguns anos antes, o Forte que protege Assunção: o forte de Humaitá, que agora era nosso principal inimigo, alguma centena de quilômetros após Tuiutí.

- Havia muito gemido no acampamento.

- Ele era ouvido o dia todo dentro das barracas onde havia moribundos ou mesmo soldados fingindo-se de moribundos, como depois, num levantamento criterioso que fizemos a mando de Caxias, pudemos constatar.

- Muito cheiro de cadáver, que lembra cheiro de peixe apodrecido. Um cenário caótico e ao mesmo tempo instigante, pois havia solidariedade entre todos que estavam ali.

- Escolas foram improvisadas, pois os órfãos eram vários.

- Os pais ou morreram nas invasões paraguaias às vilas argentinas e brasileiras, ou morreram de tifo e doenças infecciosas que se disseminavam pela precariedade sanitária.

CAPÍTULO 16:

A BATALHA CAMPAL DE TUIUTÍ E A CONQUISTA DO SUL DO PARAGUAI

HERMES RELEMBRA, NUM COCHILO AO CONVERSAR COM HONÓRIO LEMOS, QUE FALA A TENENTE RAMIRO NA ALVORADA:

- Tenente! Mande alguns soldados ajudar a cavar as trincheiras com os uruguaios, pois não queremos novamente a desgraça que foi a Batalha de Curupaiti!

TENENTE RAMIRO:

- Sim meu comandante! ...

TENENTE RAMIRO:

- Acordar negrada, não ouviu o comandante?

CABO ISIDORO:

- Tenente, há muitos nossos nos hospitais de campanha aqui. O Duque de Caxias disse que é tudo fingimento.

HERMES OUVE E GRITA:

- Mande estes negros virem logo ou eu mando fuzilar!!!

(...)

HERMES RELATANDO AO JORNALISTA ONÓRIO LEMOS:

- Alguns dias antes, os paraguaios armaram uma emboscada.

- Lutamos quase 12 horas contra 3 mil destes infelizes.

- O Coronel Sampaio teve grande trabalho para liderar a cavalo. Morreu.

- A sorte que tínhamos uma artilharia de canhões ingleses que nos ajudaram a deter a horda.

- Era uma horda sanguinária.

- Chovia muito. Quando chove fica difícil usar arma de fogo.

- Ai a coisa é resolvida na faca mesmo.

- Os paraguaios acabavam perdendo tempo degolando os que eles conseguiam matar.

- Era onde meus soldados vinham por trás e atiravam.

- As trincheiras eram muito importantes também, pois davam para nós a possibilidade de guarnecer nossas vilas.

- As mulheres nossas também ajudaram a fazer emboscadas pelas costas contra os paraguaios.

- Muitas delas tinham ódio deles, pois eram viúvas dos primeiros tempos de invasão no do Rio Grande do Sul, em São Borja e Uruguaiana. Mas revertemos logo no Rio Grande do Sul, graças à deserção de vários oficiais de alta patente, dentro os quais o Coronel paraguaio Estigarribia.

- Muitas mulheres foram mortas por eles!

- Eles não poupavam nem as crianças do acampamento

- Depois do fim da batalha campal, começa o processo de enterrar os mortos, para que a decomposição não alastrasse doenças entre nós.

- Perdemos nosso tão admirado Coronel Sampaio.

- Sampaio tornou-se, depois do conflito, o patrono da minha arma de infantaria.

- A coisa foi tão séria em Tuiutí, que o nosso comandante em chefe, o Coronel Sampaio, morreu ferido.

- Ele será substituído pelo Duque de Caxias, em outubro de 1866, o qual muda todo o contexto do nosso estrategista.

- O Mitre, que era general em chefe da Tríplice Aliança, até aquele momento, abandonou-nos. Deixou-nos, brasileiros, na merda.

- Segundo consta, teve um encontro secreto com López, que pediu a ele que fosse aliado contra nós: os brasileiros, já que eles eram descendentes de espanhóis. Viu que López já tinha saído de Entre Ríos e Corrientes. Por isso, foi conter as revoltas em Buenos Aires. Mitre não era de confiança.

- Duque de Caxias era coronel no meu tempo de academia.

- Já tínhamos por ele uma admiração militar pelo que escrevia e pelo que falavam sobre sua inteligência.

- Caxias manda que façamos um levantamento dos soldados que estão fingindo ferimento e manda fuzilar os covardes como exemplo.

- Caxias faz que escravizamos os militares paraguaios que aprendemos. Os coloca para construir uma precária linha de ferrovia para levarmos todos nossos materiais e avançarmos rumo ao Forte de Humaitá. Ai sim: tomávamos Assunção.

- O forte de Humaitá havia sido construído pela nossa engenharia militar. Um colega meu de academia, o tenente Marcos, foi um dos encarregados alguns anos antes.

- Eu conversei muito com ele na frente de combate.

- Caxias mandou trazer balões de observação para podermos ver o que os paraguaios estavam fazendo.

- A marinha brasileira avança e termina de destruir o Forte de Humaitá.

- O problema de avançar com os navios é que o rio Paraná e Paraguai estavam todos cheios de grossas correntes de ferro que os atravessavam para impedir o avanço dos nossos barcos.

QUERO QUE VOCÊ TENHA CORAGEM E ACHE A PLATA YVYGUY

Na última visita, no dia seguinte, Onório Lemos recebe a notícia do falecimento do Coronel Hermes Gonçalves.

No seu velório, simples, estavam à sobrinha e o amante apenas (no íntimo: comemorando a pensão militar).

O amante da sobrinha conseguiu entrar no hospital onde o Hermes estava e o matou sufocado com o travesseiro. A sobrinha ouviu o tio contar sobre o tesouro de López e pediu para que seu homem buscasse a caderneta que o tio falara, mas nada encontrou ao lado do leito.

O tesouro de López sempre será maldito.

SEGUNDA PARTE:

O COTIDIANO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ

CAPÍTULO 1:

PALÁCIO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ EM ASSUNÇÃO

Com a morte de Hermes, nosso narrador agora sou eu: o escritor da novela. Então, sigamos:

O palacete de Francisco Solano López lembra-nos o rosto do Palácio de Versalhes, monumento que existe na França. Versalhes, nos arredores de Paris, abrigara várias dinastias de nobres francos. Isso até a Revolução Francesa de 1789, que instaurou a República e o Regime de Terror contra os representantes do Antigo Regime. Mesmo assim, manteve-se perene.

Já seu correlato, menor, o palacete dos López, tem frente impetuosa. Foi construído mais no começo da segunda metade do século XIX, diferentemente do palácio francês.

O palácio paraguaio é do estilo neoclássico, com abóbadas limpas que dão leveza ao edifício. As janelas são de vidros que chegam a reluzir de tão limpos, possível por uma vasta criadagem calada e obediente. Há jardins idílicos, com flora exuberante de várias partes do Mundo, nos quais sempre era possível ver López a passear com Madame Lynch, luxuosamente vestida, mesmo no cotidiano mas ordinário.

Há também fontes de água em várias partes, nas quais esculturas mitológicas jorram água pura em vasos ou pela venta.

(...)

A cena passa-se no quarto de Francisco Solano López e de Madame Lynch, por volta de 1869, primeiro semestre.

Um quarto com cama folheada com ouro e seda indiana cortinando-a. Há neste quarto uma escarradeira de porcelana chinesa, na qual López tossia nos dias frio, procurando limpar seus pulmões.

As fotografias e quadros eram presença de Carlos, o pai de López. Havia também uma grande pintura de Napoleão Bonaparte, que Napoleão III o ofertara quando vivera na Europa, buscando instrução.

Francisco Solano López é um homem de barba bem aparada, nos altos dos 30 e poucos anos (moderadamente obeso). Trata-se de uma pessoa que recebeu boas instruções e amante do luxo e do poder.

Ambos fazem amor no momento da cena, no comecinho da madrugada.

A empregada os importuna por motivo imperativo. Ambos colocam seus pijamas. A empregada quer falar que um de seus filhos dos López está com febre, por causa de uma dor de garganta.

EMPREGADA:

TOC, TOC (na porta) ....Madame? Madame? Perdão...Preciso falar com a senhora.

LYNCH:

- Olá, Mercedez. Que foi? (abrindo a porta parcialmente, mostrando somente o rosto).

EMPREGADA:

- Sua menina, Madame, está com febre e garganta inflamada.

Nisto Madame Lynch vira-se para Francisco.

LYNCH:

- López, a menina está com dor de garganta...

LÓPEZ:

- Fale para acordar o Dr. Pancho (vira para o lado, abraçando um delicioso travesseiro de seda, fechando os olhos e suspirando).

LYNCH:

- López, você mandou executar aquela governanta que estava dando em cima de você na minha frente? (fala com ciúmes)

LÓPEZ:

- Não sei, Lynch, me deixa em paz. Cuida da nossa menina, que é mais importante que suas cenas de ciúmes (...) vou tentar dormir um pouco, pois estou muito cansado (fala irritado).

LYNCH:

- Eu só sirvo para isso mesmo: fazer sexo e cuidar de crianças?

LÓPEZ:

- Lynch, o que não falta aqui são empregados para serem seus escravos...(fala na cama, agora virando para ficar de barriga para cima).

Em seguida, López perde o sono e levanta, colocando seu roupão, bocejando ainda. Pega e senta na cadeira, onde fica sua escrivaninha.

LÓPEZ:

- Estou cheio de problemas (coloca os cotovelos na mesa e as mãos sobre a nuca). Os aliados conseguiram nos vencer em Humaitá. Minhas estratégias de guerra estão todas esgotadas, praticamente... O rio Paraguai não conseguiu conter o exército dos brasileiros...

LYNCH:

- Mas você não disse que a Fortaleza de Humaitá era invencível? (com tom irônico)...

LÓPEZ:

- Você parece que torce pelo meu fracasso, desgraçada (dá um murro na mesa)...

LYNCH:

- Não tenho motivos, López? Você sabe o quanto eu tive que abrir mão do que eu tinha em Paris, por causa de você. Sabe? Era uma mulher cobiçada por nobres. Tinha tudo lá. Vim para este inferno, por sua causa. Pelas suas promessas.

LÓPEZ:

- Sei sim: os bordéis. Você tinha os bordéis. Vivia na cama de vários homens. Fui eu que te fiz uma mulher de família.

Lynch vai em direção a López, para unhar seu rosto, chorando.

López a empurra no chão, defendendo-se.

Ela cai e olha para ele.

LYNCH:

- Desgraçado!!! Maldita hora que saí de Paris.

López a levanta, e diz:

- Não adianta desespero. Você sabe também que minha família não gosta de você. Tive que calar a boca de muita gente aqui. Mandei matar até o Bispo de Assunção por sua causa.

- Olha Lynch. Vou fazer assim. Amanhã eu converso com um general meu. Estou pensando numa coisa. Preciso evitar que os brasileiros saqueiem Assunção. Preciso preservar nosso patrimônio. Se morrermos, pelo menos nossos filhos terão algo para o futuro...

LYNCH:

- Morrer? Aqui? Neste fim de mundo? Longe de Paris? Nunca. Você que consiga um plano para me tirar daqui. Quero que você deixe toda esta fortuna por escrito. Quem vai morrer é você.

LÓPEZ:

- Maldita foi a hora que eu tirei você de Paris. Sua cobra traidora.

Lynch levanta do chão. Senta na cama, enquanto López continua na escrivaninha.

LYNCH

- Se eles conseguirem passar pela fortaleza é o fim, López. Eles vão expor nós a humilhações e colocar nossos pescoços numa forca, em praça pública, ou levar eu e você para um tribunal.

- Pensando bem, precisamos parar de brigas e pensarmos como salvamos nossas vidas e a vida de nossos filhos.

- Da sua família, tomara que matem todos e roubem tudo...

LÓPEZ:

- Até que enfim você começou a falar coisas sensatas. Chega de matar gente, como essa empregada, por causa de ciúmes seus. Vamos é pensar uma forma de salvarmos nossa fortuna, nossos filhos e nós...

- Eu tenho um plano. Vamos enterrar esta fortuna?

LÓPEZ:

- Que loucura. Melhor é depositar num banco da Europa....

LYNCH:

- Como, seu idiota? Nós estamos totalmente cercados. Você quis enfrentar os brasileiros, os uruguaios e os argentinos e olha no que deu....

LÓPEZ:

- Como eu peço para soldados enterrarem isso, sua louca, sem eles me matarem, sabendo o que há ai dentro?

LYNCH:

- Mate-os, ou você se esqueceu de que você é um assassino sanguinário?

LÓPEZ:

- Mas como eu depois me defendo, caso encontre uma tropa inimiga?

LYNCH:

- Vamos pelo centro-norte, por Cerro Corá. Lá usamos disfarces, documentos falsos e tentamos ir para Venezuela, Chile, sei lá... Pensa aí.

LÓPEZ:

- Vou pensar sim...

LÓPEZ:

- Teremos muito trabalho aqui em Assunção, caso as tropas brasileiras entrem. Eles vão saquear tudo que encontrarem, pois a guerra está saindo cara demais para nós e para Dom Pedro II, aquele maldito!

- Perdemos muitos homens nas batalhas. Tuiuti custou caro para mim demais. Eu pensei que as estações de chuva e os pantanais, mas a Fortaleza de Humaitá iam conter estes infelizes. Mas errei. O Caxias usou muitos dos nossos soldados presos para dar informações. Eles vão me pagar caro (fecha o punho, com ódio).

- Outro problema é que alguns dos meus oficiais conspiram contra mim, com ajuda de familiares meus que querem tomar o poder. Mas eu não posso mais mandar matar meus militares. Tenho poucos homens disponíveis para lutar.

- Preciso que Bernardino Caballero prenda esta gente e quero todos fuzilados, mas preciso ir naqueles que tenho certeza, pois mandei matar muita gente por boatos mesmo.

- Por isso, não me incomode com seus ciúmes bobos, pois eu vou te dar mais uma corrente de diamantes que mandei trazer de Londres. Tom jocoso de voz

O casal se abraça e volta a fazer amor novamente.

(...)

O Paraguai tornou-se independente em 1811, onze anos antes do Brasil. Devido por não ter uma saída litorânea própria, os paraguaios mantiveram-se isolados e num regime econômico semifeudal.

Com uma população diminuta, numa pequena extensão territorial, não foi difícil para o país manter bons níveis de vida, por várias décadas; no entanto, após a Guerra, o país mergulhou numa profunda crise, cuja democracia e a soberania foram sempre abaladas.

CAPÍTULO 2:

REUNIÃO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ COM O GENERAL BERNARDINO CABALLERO PELA MANHÃ, NA SUA SALA DE COMANDO.

A reunião ocorre pela manhã, no ano de 1869, com Assunção encoberta por uma neblina de frio de beira de rio Paraguai, acrescida da relva do Lago de Ipacaraí, que chegava até aquelas cercanias.

O rio Paraguai nasce perto de Cáceres, no Mato Grosso, a algumas centenas de quilômetros da capital: Cuiabá, na Chapada dos Parecis. Nasce rio pequeno, mas ganha força no curso por causa dos afluentes, tanto no Brasil como no Paraguai e Bolívia.

Vem serpenteando a fronteira com o Brasil e Paraguai e, sem mais nem menos, entra naquele país, cortando-o ao meio, passando por Assunção e deixando vários pântanos nos períodos de cheia, nas chuvas de verão. Somente depois disso, corre rumo a Argentina, sendo dragado pelo rio Paraná, desembocando no Estuário do Rio da Prata, que liga o extremo sul da América do Sul aos Oceanos Pacífico e Atlântico, após deixar Buenos Aires.

Nos corredores do palacete estão sempre soldados perfilados com os pavilhões em mão, com o brasão dos López e os símbolos nacionais paraguaios.

O brilho do chão vitrificado reflete a fronte dos poucos nacionais que podem pisar ali. Ouve-se sempre o som das continências, de luvas brancas e mangas de rendas, dos soldados ao passarem os altos oficiais.

López está com o café da manhã ao lado de sua mesa, servido luxuosamente numa bandeja de prata. Toma chá com limão e come doces finos feitos por suas criadas trazidas da Europa.

Bernardino Caballero, seu general mais importante, entra na sua sala e o faz reverência.

López pede para que sente e começam um diálogo.

LÓPEZ:

- Bernardino, como está a nossa resistência na fortaleza de Humaitá? Não podemos perder nunca a fortificação, pois é a entrada para nossa capital de quem vem do extremo norte da Argentina. Os brasileiros erraram ao dar-nos esta fortificação, pensando que ela seria útil para nós evitarmos a entrada das milícias de Buenos Aires com aqueles malditos unitaristas inspirados por Juan Rosas, que queria que mantivéssemos o Vice-Reino do Prata. Foi muito bem alimentada com vilas e armadas que eu mandei buscar na Europa, eu mesmo contratando engenheiros e comprando máquinas. Sem ela eu nem pensaria em começar este conflito. Só que eu não vou ser humilhado pelos argentinos, em hipótese alguma. Nem eu e nem Urquiza, meu grande amigo aqui de Corrientes, que odeia Mitre e Buenos Aires, assim como eu, pois eles me cobravam taxas absurdas para aportar lá com minhas chatas. Vamos sair para o mar o morrer todos deste país. Precisamos do mar, pelo Oceano Atlântico. Depois invado o Chile e tomo para o Pacífico.

BERNARDINO:

- Péssimas, Mariscal López, nojentas notícias, que meus oficiais de inteligência trazem. Com Caxias no comando, depois da morte de Sampaio e a saída de Bartolomeu Mitre, a coisa mudou totalmente, em favor da “negrada” brasileira. Mitre enganou o senhor naquele encontro secreto que ele esfregou os termos do Tratado da Tríplice Aliança na nossa cara, falando que não ia desrespeitar os termos - claro que pelo fato dos ingleses estarem financiando essa farsa toda. Ele tem usado nossos prisioneiros para darem informações. Os prisioneiros estão improvisando ferrovias de madeira para logística das tropas, além de fazerem trincheiras para que possam atirar nos nossos soldados. Fora que a marinha de Dom Pedro II desbloqueou o rio Paraguai. Não sei não, "Mariscal", mas vamos ter que sair da nossa capital.

- Os aliados conseguiram bombardear o forte. Várias casas e os muros foram seriamente danificados e nem mesmo a bateria Londres conseguiu os conter. Nossos soldados ou se renderam ou estão voltando para Assunção, pensando em derrubar o senhor do poder. Acusam-no de ter colocado o povo num flagelo desnecessário.

LÓPEZ:

(irritado) – Quero que mande executar o oficial responsável por esta covardia!!! Não vamos perder território para estes traidores que assinaram tratados conosco e não honraram. Custava esta gente deixar-me sair pacificamente pelo rio da Prata? Que risco eu oferecia a Mitre?

- Vá a cada vila nas cercanias de Assunção e recrute homens para formarmos mais e mais tropas e vamos para cima deles.

- Quero também que torture minha mãe e meus irmãos por estarem conspirando contra mim....

BERNADINO:

- "Mariscal", atualmente no Paraguai só temos uma boa parte de adolescentes, pois o senhor sabe que nossa população não é volumosa como a deles. Começamos com 40 mil soldados, no fim de 1864, contra 18 mil do Brasil e outros 3 mil argentinos e uruguaios embaralhados. Nós somos um país que não passa de mais de meio milhão de pessoas. Perdemos muitos dos nossos homens mais maduros em Humaitá, cerca de 12 mil soldados. Foi muito complicado mandar medicamentos e comida para eles, usando somente a ferrovia que liga Assunção até Humaitá.

LÓPEZ:

- Como está a situação de nossa ferrovia? Aquela que leva mantimentos para a fortaleza de Humaitá?

BERNARDINO:

- O Duque de Caxias improvisou uma ferrovia, como disse ao senhor, usando madeira e os prisioneiros nossos. Está neutralizando tudo pelo caminho, por meio da artilharia.

- Depois que Caxias entrou no lugar do Sampaio, muita coisa mudou nessa guerra. Ele trouxe balões e conseguiu passar muito pelo terreno até aqui, com a ajuda da marinha deles no rio Paraguai, que afundou várias de nossas chatas. O Caxias é um dos militares mais experientes deste conflito. Lutou das batalhas da Independência do Brasil até na Guerra contra Rosas e Uribe, em 1851. Ele tem muita experiência. Sabe trabalhar com a logística em situações muito complicadas. O senhor sabe que a infantaria e a cavalaria não são nada sem uma boa logística.

- Seu pai, Mariscal, havia alertado o senhor para resolver tudo na diplomacia. Entendo o senhor. Como bem disse Maquiavel: os fins justificam os meios.

López curva a cabeça e dá um murro na mesa.

Parece estar enfurecido e cada vez mais isolado.

Sendo assim, após a Batalha das Dezembradas, ele cria uma nova capital no Interior paraguaio, alguns quilômetros depois de Assunção.

CAPÍTULO 3:

FESTA NO PALACETE DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ

A corte de Francisco Solano López está reunida no nobre salão, numa noite de gala, na segunda metade de 1867.

Noite esta regada a bebidas finas, gastronomia requintada e uma orquestra a tocar músicas clássicas. Os talheres e louças são prataria pura. Usa-se a mais fina porcelana trazida de Londres, nos tempos que ainda entravam chatas pelo Estuário do Rio da Prata, em direção a Assunção.

Trata-se de uma festa, antecedida de um jantar luxuoso, para que Lynch alimente seu ego e não sinta tanta saudade da corte de Napoleão III, de Paris, onde era cortesã.

Indumentária francesa é exibida pelos convidados, grande parte engenheiros europeus e altos oficiais paraguaios. Eles todos com suas esposas, que a invejam. Invejavam pela beleza e joias, coisa que Lynch sentia prazer por egocentrismo, pelos cicios que ouve ao entrar com seu marido ao lado.

Estão reunidos generais, almirantes e familiares de Francisco Solano López, muitos dos quais conspiradores contra o casal.

Elisa Lynch não gosta dos familiares de López.

As irmãs de López também a odeiam, mas o cinismo é geral.

Na mesa, começa o diálogo:

IRMÃ DE LÓPEZ:

- Lynch, na Europa você não aprendeu que a entrada vem primeiro e depois os pratos mais quentes? Você não sabe dar ordens aos criados?

LYNCH pega a taça de vinho e arremessa bem no rosto da irmã de López.

IRMÃ DE LÓPEZ GRITA:

- Desgraçada, sei que você é espiã...Você está vendida para os brasileiros...Sei que você passa informações para agentes....

Imediatamente, López levanta e pega Lynch pelos braços e a leva para os aposentos do palácio.

SOLANO LÓPEZ:

- Pare com isso, meu amor!!! Não suporto mais sua cena de ódio com minhas irmãs....

LYNCH:

- Ela que me provocou, meu amor. Você deve tomar mais cuidado com seus familiares.

- Bernardino anda desconfiado que haja informações vazando aqui do palácio para Caxias, você precisa ser mais enérgico.

Realmente López estava começando a ordenar o assassinato daqueles que ele suspeitava de traição.

Porém, nunca suspeitou que Lynch tivesse contato com espiões do serviço secreto inglês, que tinham interesse que o Paraguai fosse aniquilado pela tríplice aliança.

Assunção estava recolhida diante dos fuzilamentos diários que os oficiais de López perpetravam.

Isso ficou mais evidente após o fracasso de contenção dos brasileiros, uruguaios e argentinos na fortaleza de Humaitá.

CAPÍTULO 4:

A INVASÃO DE ASSUNÇÃO PELOS BRASILEIROS, ENTRE 1868 A 1870.

No horizonte de Assunção começam a aparecer multidões de soldados inimigos marchando e tomando cada casa.

O desembarque em chatas, pelo rio Paraguai, que cruza Assunção, lembra enxame.

Os soldados entram nas casas, saqueiam, estupram e ateiam fogo no que podem.

Solano López, sabendo da notícia, manda preparar sua comitiva com alguns cavalos de carga e soldados mais fiéis a ele.

Afirma que precisa fazer uma nova capital.

LÓPEZ:

- Lynch, pegue todas as suas joias, mulher!!! Coloque em sacos mais discretos.

LYNCH:

- Maldita hora que sai de Paris. Odeio este lugar.

LÓPEZ:

- Calma que vamos reagir, nós vamos para Cerro Corá. Lá vamos organizar mais soldados e vamos retomar Assunção.

- Este desgraçado do Conde d’Eu me pagará caro...

- Preciso reunir tudo que puder para que lá eu compre mais armas de algum mercador que consiga chegar até nós.

(...)

É fim de tarde. Assunção está cheia de pequenos focos de incêndio e muita confusão entre a população, que corre desorientada de um lado a outro, sendo massacrada.

Na frente da tropa o Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, filha de Dom Pedro II.

Conde D’Eu fala a sua divisão:

- Matem todos os meninos. Não quero que sobre um homem neste país para lutar.

As ordens são seguidas a risca. Os soldados entram nas casas e enfiam as espadas nas crianças, lembrando muito o massacre das crianças por Herodes, no Novo Testamento judaico-cristão, que temia que o Messias tivesse nascendo para derrubá-lo do trono.

CAPÍTULO 5:

A BATALHA FINAL DE CERRO CORÁ

López está com sua comitiva, a cavalo, já cansado, e param no fim da noite para descansar, no começo de 1870, no mês de janeiro, perto da fronteira com o Brasil. Lá esperam um pouco de munição e mantimentos que seus oficiais mais leais conseguiam na Bolívia, que ajudara demais o ditador no embate com os aliados.

Fica sabendo das Dezembradas, nome das batalhas que aterrorizaram Assunção em dezembro de 1868, fazendo Caxias voltar ao Rio de Janeiro, por ter pensado que a Guerra finalizara.

Mas Dom Pedro II queria López morto ou vivo, e designa seu genro para isso: o impiedoso Conde D'eu, que poderia saber da "plata yvygüy".

A comitiva de López passou por vilarejos durante cinco dias, onde apanhou víveres e outros alimentos disponíveis, dado que a escassez já era realidade no Paraguai, totalmente isolado do mercado internacional.

Os soldados que o acompanham, montam guarda ao redor do acampamento, que logo se ilumina um pouco por causa da fogueira. Poucos soldados, a maioria visivelmente abatida por conta da penúria. Muitos deles ainda adolescentes, pois as batalhas dizimaram mais da metade da população masculina.

Lynch está suja, tendo sobre si, ainda, vestido suntuoso, "enlameadíssimo". Está a se estapear por causa dos insetos.

López está a conversar com um de seus oficiais, enquanto bebem erva-mate quente, a rodar de mão em mão.

LÓPEZ:

- Você conseguiu mais homens? Não há como pegarmos os índios aqui da região norte paraguaia? Preciso que você forme novas tropas, pois precisamos retomar Assunção das mãos dos malditos brasileiros.

OFICIAL:

- Não, meu "Mariscal". Mas conseguimos alguns meninos que encontramos pelo caminho, os quais eu raptei de famílias camponesas. Trouxemos roupas militares que sobraram. Vamos vesti-los...

LÓPEZ:

- Quero que você enterre pelo caminho os sacos que te pedi e que você marque numa caderneta o ponto, de maneira cifrada, pois ali temos como reencontrar quando eu voltar a Assunção (eram as joias de Lynch e muito ouro do Banco do Paraguai). Inverta o mapa para confundir.

A cada 1 quilômetro de marcha pelo leste do Paraguai, os ajudantes de López, sem saber que ali havia uma fortuna, iam enterrando o que ele ordenava, imaginando que fosse apenas documentos militares ou acreditando noutra coisa que os oficiais queriam que acreditasse.

As tropas dormem num bosque, alimentando-se de víveres conseguidos das populações camponesas.

Ao acordarem, por volta das seis horas da manhã, com leve neblina, observam uma cavalaria de brasileiros em direção a eles, por volta da alvorada.

Os soldados brasileiros, na sua grande maioria, mulatos, gritam:

- Matem o desgraçado do López....

López ao ouvir isso, foge, correndo e escorregando, já que era um homem obeso e sem muita agilidade por isso.

No entanto, o Cabo Diabo, um mulato brasileiro, o detecta, por ser ele obeso, e todos os demais não.

Neste momento, Lopez cai e diz, as margens do rio Aquidabã:

LÓPEZ:

- Invasores do meu país, eu vou destruí-los...

Nisto, o cabo brasileiro desfere um tiro no coração de López, quase que num impulso, pois a ordem era prendê-lo e fazer humilhações a ele. Levá-lo para ser preso no Rio de Janeiro e conseguir confiscar seus bens para saldar as guerras.

Lynch está com um de seus filhos ao colo, como uma Pietá, chorando sobre o rosto do pupilo morto. Está vivendo por lembranças de Panchito, seu nome.

Enquanto isso, os soldados brasileiros chutam o corpo de López e colocam a bandeira brasileira, com o mastro, pela garganta dele, empalando-o.

Quanto a Lynch, havia ordem direta de não matá-la, pois suas informações prestadas aos espiões ingleses foram de extrema valia na tomada de Assunção. Lynch ao perceber que López ia perder a Guerra, procura se resguardar, para poder voltar, rica, a Europa, com pagamento realizado pelos ingleses pela traição ao marido.

TERCEIRA PARTE:

PIERRE, O CAÇADOR DE TESOUROS.

CAPÍTULO 1:

O ENCONTRO DE PIERRE COM LYNCH EM PARIS ALGUNS ANOS DEPOIS DA GUERRA.

Em dezembro de 1874, um ex-militar da Marinha francesa, de nome Pierre Levy, estava em Paris, bebendo café, depois de almoçar, na área central da cidade, num restaurante aconchegante às margens do rio Sena.

Um homem de 45 anos, muito bonito, alto, magro, com olhos combinando com os cabelos negros e um bigode muito bem ornado.

Alguns anos antes, Pierre sofreu um processo penal militar por vender informações do projeto de um navio de guerra franco, por mais de um milhão de libras, para os ingleses. Porém, como não haviam provas robustas, mas apenas testemunhos de seus subordinados que não conseguiram convencer a corte marcial, seu advogado fulmina a acusação, o que também foi acompanhado pelo "parquet".

Todavia, ele realmente era culpado.

Pierre Levy era um calculista.

Agia de maneira tal que não deixava suas digitais, usando luvas e máscaras sobre o rosto. Com o dinheiro que recebeu dos britânicos, Pierre nem no banco deposita, guardando-o no porão de uma casa abandonada, na qual, na periferia parisiense, retira apenas pequenas quantias apenas para pagarem suas despesas e viagens.

Pierre teme que os agentes do serviço secreto francês estejam o acompanhando, por isso ele sempre procura usar disfarces e documentos falsos, não ostentando. Um camaleão era Pierre, mostrando-se um ótimo oficial treinado nos disfarces de um homem de informações, que são os militares que não se fardam e usam personagens para obterem material em prol dos relatórios ao alto comando.

Pelos jornais franceses, Pierre lê sobre o fato da viúva do ditador paraguaio, Francisco Solano López, estar morando em Paris, e reivindicando indenizações pessoais junto ao Império do Brasil. Lynch havia contratado advogados no Brasil para pedir indenizações milionárias que viraram notícia nos jornais da Europa.

Pierre também havia conhecido um dos maridos de Lynch, que era oficial francês, antes dela ir para os bordéis parisienses, mas nunca imaginara encontra-la, por interesses.

Ele procura saber onde está Elisa Lynch, que já está adentrando aos 50 anos. Descobre que Elisa vive, com seus filhos, num luxuoso apartamento, perto do rio Sena, região muito valorizada em Paris, principalmente após o processo de reurbanização da Cidade Luz.

Durante alguns dias, Pierre Levy cerca e observa a rotina de Elisa Lynch. Ela saia a tarde para passear com seus filhos adolescentes e alguns de seus criados mais íntimos, que trouxe de Assunção. Passeava por cafés e pelas belas praças da Paris da “Belle Epoque”.

Pierre toma coragem e se dirige a Lynch, num destes passeios às margens do Sena:

PIERRE:

- Boa tarde, Madame Lynch?

LYNCH:

- Boa tarde. Se você for jornalista, pode ir embora. Estou cansada de dar entrevistas e depois ver que o jornalista mudou tudo que eu disse. Praticamente colocam-me como uma prostituta que se deu mal. Que está mendigando. Nem lembram o quanto me dói a morte de López e de meu filho Panchito.

PIERRE:

- Não, Madame. Apenas quero oferecer meus préstimos a senhora...

LYNCH:

- Mas o quê o senhor faz?

PIERRE:

- Sou um ex-oficial de espionagem do Governo Francês. Fui oficial da Marinha. Posso ser útil a senhora de alguma forma.

Lynch pensa por alguns minutos e diz:

LYNCH:

- Olha, eu estou num processo enorme contra Dom Pedro II e aquele "paisinho" de negros que é o Brasil. Eu quero minhas terras novamente, principalmente os que têm erva mate nativa, lá no meridional da Província do Mato Grosso, que estão ocupadas por um português. Solano me deu de presente estas terras do sul da Província do Mato Grosso. Quero minhas joias e tudo que tenho direito, pois sai daqui para ir para aquele fim de mundo. Você não tem ideia das humilhações que eu passei.

PIERRE:

- Madame, diga o que eu preciso fazer para recuperar este espólio que roubaram de ti?

LYNCH:

- Olha, como é seu nome mesmo?

PIERRE:

- Pierre Levy, minha senhora.

LYNCH:

- Eu tenho uma caderneta de anotações do Francisco Solano López, que ele marcou algumas posições nas quais ele enterrou boa parte do tesouro do Banco Central do Paraguai e outra fortuna em metais preciosos, mas ele cifrou tudo, colocou em código. Eu preciso que alguém vá até o norte do Paraguai e tente encontrar esta fortuna. Eu contrato os seus serviços. Fazemos um acordo celebrado por um advogado aqui de Paris. Caso você encontre, o remunerarei com quarenta por cento de tudo que encontrar. Mas já te digo: tá tudo em código. Nem mesmo o General de confiança dele, Bernadino Caballeiro, sabe onde esta codificação. Bernadino hoje mora no Rio de Janeiro. Casou-se com uma brasileira. Mas já fiquei sabendo que ele quer o poder no Paraguai.

LYNCH CONTRATA PIERRE PARA ENCONTRAR O ENTERRO E LHE DÁ A CADERNETA

Após o fim da conversa, ambos vão ao apartamento.

Conforme o prometido, Lynch o passou a caderneta de López, cheia de rabiscos e simbologias, as quais somente López poderia entender.

O advogado de Lynch chegou, depois de algumas horas, com sua valise com modelos de contratos, e ali celebram um acordo no qual Pierre Levy fica encarregado de encontrar a fortuna dos López, no norte paraguaio, podendo ser preso por apropriação indébita, em qualquer lugar do Mundo, caso não honre esta cláusula contratual. O contrato fica arquivado num cartório de Paris.

CAPÍTULO 2:

A IDA DE PIERRE AO LOCAL DA BATALHA DE CERRO CORÁ

Pierre Levy, depois de um mês do diálogo com Lynch, embarca num vapor em direção ao Rio de Janeiro, a capital Imperial do Brasil, em 1875. Leva a caderneta com as anotações de Francisco Solano López, a qual ele procura estudar, analisando cartografias do território Paraguaio. Tenta refazer os passos da caravana que López guiou até ser morto na Batalha de Cerro Corá, centro-norte paraguaio, próximo a Ponta Porã, atual Mato Grosso do Sul.

Porém, Pierre Levy não percebeu, mas um agente do serviço secreto britânico, Michel Look, embarcou com ele, em Paris, observando todos os seus passos, sem que ele note.

Dentro do navio luxuoso, estão muitos comerciantes de café e fazendeiros, além de estudantes brasileiros que estavam na Europa cursando universidades, num clima de glamour: bem típico dos navios da época.

As noites do navio são requintadas. Mas Pierre fica trancado nos seus aposentos, somente lendo e tentando decifrar as anotações de Francisco Solano López.

Pierre levanta os dados históricos, por meio dos livros que estão consigo na embarcação de luxo, sobre o que era aquela área a ser palmilhada por ele: a Bacia do rio da Prata. Percebeu que desde a expansão de Napoleão Bonaparte, no oeste da Europa, no começo do século XIX, o império colonial de Portugal e Espanha, em derrocada, passou por conflitos no seu processo de formação dos Estados nacionais. Ainda mais quando Napoleão Bonaparte impõe bloqueio ao comércio com os britânicos.

Pierre notou, nestes livros, que os países que nasceram das ex-colônias espanholas adotaram o regime republicano e não possuíam no escravismo africano suas relações de trabalho; isso era totalmente ao contrário do Brasil, que nasceu da vinda do monarca luso Dom João VI, em 1808, o qual faz seu filho, Dom Pedro II, montar um Estado nação monarquista e escravocrata na banda oriental do superado Tratado de Tordesilhas (do fim do século XV).

Pierre percebeu também, nestes livros, como a fragmentação das regiões do antigo Vice Reino da Prata, no decorrer da primeira metade do século XIX, prejudicaram o Paraguai e a Bolívia: amplamente seccionadas por guerras dos vizinhos, antigos membros do Vice Reino do Prata, contra os dois países, roubando-lhes o mar.

Daí Pierre valoriza o caudilho argentino Juan Manoel Rosas, presidente de Buenos Aires, em tentar unir todas as nações, em 1850, numa única confederação - fracassando na Guerra do Prata, de 1851, contra o Brasil (sempre amparado pelos britânicos, que investiam na fragata de guerra brasileira com extensão dos interesses dos ingleses no Atlântico Sul).

O ESPIÃO INGLÊS

Numa questão de tempo, Levy suspeita que López colocasse de trás para frente o desenho rudimentar da paisagem do norte do Paraguai, percebendo também que o nome dos filhos de López estavam abreviados e podiam ter dado o nome de cada cova que López enterrou o tesouro do seu palácio.

O espião inglês procura um disfarce de camareiro no romper do dia. No navio mesmo, o espião consegue adentrar aos aposentos de Pierre, fazendo fotografias sobre todos os documentos que encontrou. Pierre nem nota, pois tomava seu café da manhã no restaurante do navio.

O espião inglês revela as fotos, mas não entende nada das anotações de López na cadernetinha de capa de couro, e, por essa razão, manda um telegrama, ao chegar até o porto do Rio de Janeiro. Depois de trinta dias, a Inteligência Inglesa responde que é o mapa do tesouro de Solano López, e pede que o agente siga Pierre Levy de qualquer forma.

Pierre Levy desembarca no porto do Rio de Janeiro, juntamente com todos os passageiros do navio à vapor, que veio da França, procurando um hotel nas imediações do Teatro Municipal. No hotel, o qual também hospeda o espião inglês, que o persegue, Pierre conta as libras que ele pegou do golpe que dera na França, para poder criar toda a logística da exploração do terreno do suposto tesouro.

Pierre Levy precisa embarcar novamente num vapor, desta vez para a cidade de Buenos Aires, capital argentina. O caminho em direção a Assunção, capital paraguaia, ainda obrigava o cruzar a Estuário do Rio da Prata, antes pegando mar bravio que é uma das características do encontro do Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.

Após algumas semanas, juntamente com o espião inglês que embarcou junto, Pierre desembarca em Buenos Aires, no porto que tanto desgosto deu a Francisco Solano López, com suas altas taxas alfandegárias.

Novamente pega um vapor portenho, desta vez para a cidade brasileira de Corumbá, no rio Paraguai, extremo oeste da Província do Mato Grosso, onde, junto com o agente novamente (que o segue como sombra), vai cruzar o chaco paraguaio, numa viagem difícil.

Pierre chega a Corumbá e contrata um índio aculturado, Nino, que conhece muito bem a região por onde passa o rio Paraguai. O rio em questão margeia parte do Brasil e corta ao meio o país de López, passando pela capital: Assunção.

Nino seria o guia até o perto da capital paraguaia, por meio de chata, no primeiro momento e de lombo de cavalo, num segundo momento.

Porém, no meio do trajeto, pelo rio Paraguai, o fogo aparece na margem, o fogo que não se consome, especialmente, nas madrugadas, onde há muita névoa pelo choque do rio quente com o ar frio da alta noite.

Os gritos também rasgam a noite só, onde somente a lua ilumina o leito de um rio caudaloso, como o Paraguai.

Pierre fica quieto, sem entender, mas Nino diz:

- O senhor ore muito, viu. Pois aqui é uma terra muito assombrada, pois aqui foram palcos de batalhas de guerra. Há ossos espalhados na margem. As pessoas procuram os dentes de ouro dos crânios para vender. Os crânios estão perdidos por ai. A Guerra assombrou este lugar.

- O que o senhor veio fazer? Parece ser de tão longe, pelo sotaque...

PIERRE:

- Sou arqueólogo, estou a fazer uma pesquisa sobre povos Incas que influenciaram os Guaicurus...

Não disse mais nada, pois não queria muita intimidade com Nino.

CAPÍTULO 3:

O ENCONTRO DO TESOURO E A MALDIÇÃO QUE O ACOMPANHA

O índio Nino e Pierre Levy descem o rio Paraguai numa pequena chata alugada pelo mercenário franco, por volta de uns 6 dias de navegação, pois Pierre sempre pedia para parar.

Descia, olhava o terreno, fazia anotações e embarcava novamente.

O rio extenso e de águas mansas, com tom marrom, somados ao calor, dão a viagem um ar de aventura e de medo.

O índio Nino, como piloto da embarcação, e Pierre estudando os mapas, juntamente com o diário de López.

Neste momento, o espião inglês perde-se de Pierre, pois sua embarcação não o avista mais.

O espião contrata uma chata e procurou seguir Pierre, mas ela apresenta fissuras que impedem o prosseguimento da navegação, perto do Forte Coimbra, uma vila militar no rio Paraguai, por volta de 100 km de Corumbá.

Pierre desce o rio Paraguai até, mais ou menos, 70 km de Assunção e depois, ele e o índio, cada qual com seu cavalo, dão-se a "palmilhar", sem que o índio saiba, o território por onde López percorrera com os remanescentes do seu exército.

Vão até perto da fronteira com o Brasil, em direção a Cerro Corá, em lombo de cavalo, no centro-norte paraguaio, montanhoso e não guarnecido pelo rio Paraguai (fronteira seca).

O plano de Pierre era de assassinar o índio, caso fosse encontrado o tesouro de Solano López.

A desculpa que Pierre dera ao índio é que era arqueólogo e estava atrás de vestígios de civilizações andinas que poderiam ter vivido naquela área, o que para o índio não tinha muito sentido: cavar para encontrar coisas que não fossem metais preciosos ou o que o valha. Mas não questionou muito a missão do francês, pois já havia visto outros naturalistas europeus no mesmo intento.

Andando a pé com Nino, após descansar os cavalos num tronco de árvore dos campos paraguaios, Pierre encontra um cemitério pequeno, perto das cordilheiras de Cerro Corá, quase perto de Ponta Porã, cidade brasileira, na fronteira seca, uns 300 quilômetro de Assunção, capital do Paraguai. Com 40 túmulos, mal cuidados, já com mato em volta.

Lá tinha uma casa, na qual estava uma mulher e uma menina morando, por volta do escurecer; fim de tarde.

PIERRE:

- Bom dia? Tem água para nos dar?

A menina da casa trás um pote e lhe oferece.

PIERRE:

- Como é o nome da senhora e da menina?

- Maria Hernandes e Pilar, ao seu dispor.

Pierre estranha que os lábios delas eram sem cor e com olheiras profundas em volta dos olhos. Mas segue em frente.

Após cavar, parar, cavar de novo, uma vasta área, conforme o caderninho de López sugeria de maneira enigmática, Pierre suspeita que o tesouro de López é uma lenda, desistindo, naquele momento.

Volta pelo cemitério, a tarde, e vê um túmulo que lhe chama atenção.

A lápide está escrita: "saudades de Maria Hernandes e Pilar Hernandes, mortas na Batalha de Los Niños".

O corpo de Pierre fica arrepiado. Ele anda para trás, com medo, e cai no chão. Mas ele tem um pressentimento.

Era ali. Ali que estava o tesouro.

Abre a lápide: encontra 4 sacos empoeirados e pesados.

Neste momento que ele sai do túmulo, o índio estava de costa, passando o tempo com um graveto desenhando no chão. Nino toma uma facada de Pierre bem no pescoço, morrendo ensanguentado, pois a faca pegou na veia carótida.

Pierre lava as mãos numa poça de água a sua frente.

Pierre senta, abre os sacos e lá está: pilhas de diamantes, de rubis e esmeraldas. Conseguiu o que queria.

Achou o tesouro de López!!!

Ali mesmo traça seu outro plano. Ia mudar de identidade e morar bem longe de onde Lynch o pudesse achar.

Todavia, ao caminhar com os sacos até o cavalo, ele não vê uma serpente. Pisa sem querer perto dela e toma um bote.

Era uma perigosa jararaca, muito comum nas savanas.

Pierre senta, procura fazer um torniquete, mas não há ninguém que possa ajudá-lo.

Agonizou umas 3 horas e vê a mãe e a menina da cabana bem a sua frente, talvez ele delirando por causa do veneno, e morre. Não sabe se de medo ou por causa da picada da cobra.

E aí: você iria atrás do tesouro?

A dica é: fronteira do Paraguai, de Ponta Porã até Bela Vista, do lado brasileiro...

(...)

Na verdade, o mito de López, da grandeza do Paraguai, é um mito presente no imaginário dos povoados da Bacia do rio da Prata e do rio Paraguai. São muitas as maldições e pragas que envolvem o mito, já que Solano López foi muito humilhado e sua alma ronda sempre este arquétipo, juntamente com as crianças degoladas por Conde D'Eu, o marido da Princesa Isabel, que substitui Caxias, fatigado da Guerra, em busca da cabeça do simulacro de Napoleão guarani.

QUARTA PARTE:

MADAME LYNCH, FRANCISCO SOLANO LÓPEZ, DUQUE DE CAXIAS, DOM PEDRO II E BARTOLOMEU MITRE PSICOGRAFADOS POR CHICO XAVIER

O CENTRO ESPÍRITA DE UBERABA ONDE CHICO XAVIER PSICOGRAFA AS ALMAS DA GUERRA

A cidade é Uberaba, no interior do Estado brasileiro de Minas Gerais, perto da fronteira com São Paulo – um dos pontos de aglutinação das tropas que fizeram a campanha do Mato Grosso, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870).

O ano é 1970: o Brasil vive um "período de chumbo" de uma ditadura militar: coincidentemente ano do centenário do fim da Guerra do Paraguai, cento dezenove anos do fim da monarquia de Dom Pedro II e cento e dezoito anos do fim da escravidão.

Os livros didáticos do Ministério da Educação do Brasil, de todas as séries do ensino básico, seguindo a orientação do Presidente e General Emílio Médici, colocaram o Hino Nacional Brasileiro na capa e anunciaram os herois da Guerra do Paraguai na propaganda oficial, a exemplo do Almirante Barroso e a Batalha de Riachuelo e Duque de Caxias e a Batalha das Dezembradas.

O Paraguai, que também vivia uma ditadura neste momento, comandada por militares via Partido Colorado (fundado pelo já falecido General Bernardino Caballero – personificado agora por Alfredo Strossner, imigrante de alemães), mandou erguer um túmulo para receber os restos mortais de Francisco Solano López e Madame Lynch em Assunção, como forma de ideologia ufanista, a exemplo do Brasil – tratando-os como heróis, após anos de escárnio.

Porém, fato novo cabe lembrar: os dois países beligerantes na segunda metade do século XIX, governados por ditadores militares na segunda metade do século XX, estão a celebrarem acordos.

Um deles seria a construção da maior usina de geração de energia elétrica do Mundo: a Itaipu, no rio Paraná, entre as cidades de Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, no Estado do Paraná, e Cidade Del Leste, no lado paraguaio; não mais querem uma guerra, pois depois que os aviões e os automóveis surgiram, as hidrovias perderam protagonismo; acordos de comércio por meio de rodovias e ferrovias valiam agora mais, havendo o Paraguai se tornado um dos maiores paraísos fiscais da América do Sul, abrindo-se para milhares de plantadores de soja do Brasil que lá buscavam menos impostos.

Argentina agora quem não estava muito feliz em saber que a usina continha uma quantidade tamanha de água que caso abrissem as comportas era capaz de fazer Noé partir de Buenos Aires como palco do Dilúvio - com bem já arquitetara o General Golbery do Couto e Silva em Geopolítica do Brasil.

O mês em que o médium Xavier psicografa é agosto e a temperatura está amena, chovendo muito, mas sem frio contundente no Triângulo Mineiro. O médium Xavier está na sua mesa, com a cabeça baixa, freneticamente anotando uma carta, com seu caderno e caneta BIC; um espírito atormentado de uma linda mulher loira lhe dita; há um homem fardado, barbudo, ao lado dela, cercado por sombras que se movem por sua face que lembram demônios, puxando-a pelas pernas. Os dois estão no Umbral, uma espécie de mundo de expiações de pecados de espíritos imundos.

A mediunidade é um fenômeno que todo ser humano tem em maior ou menor grau. Xavier é uma espécie de gênio, pois nasceu com alto poder desta faculdade. Consegue visualizar a energia dos espíritos, ou seja, a fração de luz que nós não vemos. Não conseguimos nem observar as frações de luz violeta que estão ao nosso redor, nem mesmo as ondas de rádio que emanam dos nossos aparelhos de TV. Xavier enxerga e ouve frações de luz e sons, pois o espiritismo é um “método científico” desenvolvido por Allan Kardec em 5 grandes livros, na segunda metade do século XIX, dos quais o Livros dos Espíritos foi um dos mais importantes.

chamado kardecismo fora muito influenciado pelo darwinismo, pelo platonismo, pelo cristianismo e pelo positivismo.

Sabe-se que o médium Xavier já psicografou Platão e grandes personalidades da Humanidade, num fenômeno que a Psicanálise de Carl Gustav Jung buscou raízes no que chamou de inconsciente coletivo: nós somos portadores de uma memória involuntária. Ela é uma reminiscência genética desde o tempo que fomos organismos unicelulares, segundo o eminente psicanalista suíço. Muitos já o chamaram, o nosso médium Xavier, de charlatão, porém, não são poucos os que possuem admiração pelos seus conhecimentos, que já foram demostrados em centenas de livros e entrevistas aos meios de comunicação do Brasil e do Mundo, até aquele momento. E olhem que não terminou nem a 4º série do nível fundamental.

As guerras são eventos, segundo a visão espírita, que servem para acelerar a evolução moral. Há uma lei do progresso espiritual da Humanidade: um, posso dizer, darwinismo moral-espiritual. Todas as guerras terminam numa cooperação entre os povos. Criam lições. Criam tratados e ensinam sobre a ética e que não há nenhuma forma de diferença entre todos os seres humanos - só suas cultural moldadas pelo meio ambiente que vivem.

Infelizmente, as guerras são o termo final da falta de capacidade de diálogo e de uso das faculdades racionais.

Todavia, no ano de 1970, não havia como mais ocorrer uma terceira guerra mundial entre potências como os Estados Unidos e a União Soviética, juntamente com seus aliados, pois todas detinham armamentos nucleares. Quis a lei espiritual que houvesse um impasse tamanho que nenhum dos gigantes fosse capaz de dar o primeiro passo em direção ao conflito, pois o vencedor ia tombar em cima do corpo do vencido, inevitavelmente; ou pior: seria obrigado, como o Isaías afirma do Antigo Testamento, a viver como ratos em buracos dentro da terra, a fazer a metáfora de uma geração que estaria por vir na face da terra, talvez a que viveria o holocausto nuclear.

Então o que falar das Guerras do século XIX?

CAPÍTULO 2: ELISA FALA PARA XAVIER.

Xavier faz a prece do Pai Nosso, coloca a caneta no caderno e se põe a serviço de Lynch:

“Olá, caro médium, antes de tudo, peço perdão por ter sido uma mulher tão amante do poder e da riqueza como fui durante a vida, a exemplo de Salomé e de Dalila, exemplos de frivolidade e luxúria, que Javé condenou no Antigo Testamento. As mulheres são criaturas de Deus e têm por missão especial serem as reprodutoras dos filhos amados do Pai, exemplos de doçura e de servidão à família. Perdi meu filho Panchito amado por um tiro de um soldado brasileiro, mas o reencontrei brevemente no mundo espiritual. Porém, ele está reencarnado ai no Brasil, como um grande ídolo de vocês, da seleção de futebol..

López sempre me puxa pelos pés, pois estamos aqui no Umbral, um local onde expiamos nossas falhas espirituais terrenas. As dívidas de López são enormes, pois assim com Heródes mandou matar crianças para que Jesus menino não vingasse como Messias e cumprisse a Profecia. López usou covardemente rebentos de mulheres paraguaias pobres para serem buchas de canhão na Batalha de Campo Grande. Irem de parede para que ele não morresse. Caxias e Conde D’Eu estão aqui com ele gemendo também, pois os militares sempre passam pelo Umbral, por mais nobres que sejam os fins de uma guerra...

Ele não consegue falar, pois os espíritos imundos ficam ao redor de sua face, o obscurecendo...

Fui, desde jovem, uma mulher rebelde. Meu pai sempre teve medo de que eu não conseguisse marido, pois um esposo era tudo para uma mulher da classe média alta do século XIX. Era muito atrevida aos 14 anos. Lia e já tocava piano. Meu pai não sabe, mas perdi minha virgindade aos 13 anos com um primo. Meu primeiro casamento foi arranjado às pressas com um médico militar, amigo dele. Casei aos 16 anos por ordem do meu pai e meu esposo percebeu que eu não era mais virgem e mesmo assim não me entregou ao meu pai, mas me tratou com profundo desprezo. Eu o traí com outro militar.

Fugi dele e encontrei, em Paris, a dona de um bordel, por volta de 1862, que me apresentou somente homens ricos da sociedade. Foi onde, por obra do acaso e do carma que conheci o Francisco Solano López. Não gostei dele não. O achei rude. Grosso. Mas sabia da fortuna. Mas não sabia nem como era o país que ele era o dono, pois nasci na Irlanda.

Chegando a Assunção eu fui humilhada pelos nativos que tinham inveja da minha cultura e beleza. As irmãs de López e as beatas me odiavam. Mas eu dei um jeito de espezinhar todos. Durante a guerra, mandei ou matar ou saquear essas pessoas, o que aumentou ainda mais a minha dívida no mundo espiritual, me fazendo demorar a encarnar.

Em Paris conheci o Pierre. Aquele tesouro transformou-se num carma. Numa maldição da prata.

López está prestes a se reencarnar. Sua encarnação será numa criança que sobreviverá a um parto sem oxigênio e ele viverá anos sobre aparelhos de ventilação artificial, pois assim é a lei do carma...”

CAPÍTULO 3: LÓPEZ FALA PARA XAVIER.

Xavier faz a prece do Pai Nosso, coloca a caneta no caderno e se põe a serviço de López:

“ (...) Eu queria dizer o tamanho desprezo que eu tenho por vocês: povo brasileiro. O médium é brasileiro e por isso vou dizer aqui tudo o que penso de vocês: raça de víboras, de fariseus das Américas.

Não tenho um pingo de misericórdia de tudo que fiz. De cada vila de vocês que queimei. Vocês roubaram o meu país. Vocês tiraram o sonho do meu povo.

Passei a minha infância toda vendo meu pai abaixando a cabeça para vocês e vendo a Argentina buscando acordo conosco para colocar limites contra vocês, que se achavam os donos do Uruguai. Mas meu pai sempre achava que diplomacia resolvia tudo. As favas! Guerra! Um viva para Napoleão Bonaparte e Simon Bolívar!

Sou muito arrependido de não ter vivido antes para ter ouvido o Manuel Rosas, presidente de Buenos Aires, que queria reavivar o Vice Reino do Prata, lá no começo de 1850, na Guerra do Prata: praticamente a vó da Guerra da Tríplice Aliança, na qual meus irmãos de língua espanhola se uniram covardemente com vocês. Ai sim vocês veriam o que era mexer com os povos americanos, de língua espanhola e sangue guarani nas veias. Sangue livre de índio livre e não de negro cativo como vocês.

O maior erro que eu cometi? Eu deveria ter concentrado todas as minhas forças no Mato Grosso. Deveria ter ocupado Cuiabá. Ter avançado todo Sertão, pois a Retirada da Laguna mostrou a total falta de competência militar de vocês em cuidarem dos Pantanais e dos Cerrados daí. Hoje seria dono de todo Goiás e quem sabe de Minas Gerais, pois vocês só ganharam a guerra, por causa da marinha que os ingleses deram para vocês, cujo Rio de Janeiro e Montevidéu davam bons portos, ao contrário de mim, que ficava refém só do porto de Assunção.

Meu pai confiou de mais em vocês e deu no que deu. O Uruguai vocês pensavam ser um quintal do Rio Grande. No final da Guerra, vocês ainda ficam com nosso rio Apa. Mas eu nunca vou perdoar. Cada acidente de avião que acontece no Brasil, cada tragédia de desabamento, saiba que eu sou um dos espíritos que estou por trás. Eu e uma falange enorme de escravos que morreram em navios negreiros sendo transportados para cortarem cana aí, nessa terra: odiamos este país.

Morri sem usufruir do meu tesouro. O enterrei entre o caminho que vai de Assunção até o Cerro Corá, na atual cidade de Pedro Juan Caballero. São 30 enterros com cerca de 10 metros de profundidade. São baús. Há uma caderneta que deixei com Lynch. Mas eu e uma falange maldita de espíritos cuidamos de cada enterro. Atormentamos as pessoas que se aproximam do local durante o sono. Quem dorme sonha. “No sonho aparece a luz...”

CAPÍTULO 4: BARTOLOMEU MITRE FALA PARA XAVIER.

Xavier faz a prece do Pai Nosso, coloca a caneta no caderno e se põe a serviço de Mitre:

“Olá caro brasileiro...

Fui o General que comandou as tropas dos 3 países em Tuiuti, no extremo sul do Paraguai, antes de Duque de Caxias assumir, formando uma grei de comandados entre o fim de 1867 e começo de 1868, após o desastre da Batalha de Curupaití, onde os paraguaios nos destroçaram, entrando de surpresa por todos os flancos e nos esfaqueando nas nossas trincheiras, enquanto dormíamos. Peço desculpas por nós argentinos abandonarmos vocês antes da invasão de Assunção, mas nós já havíamos recuperado Corrientes, cidade vizinha ao Paraguai.

Nós estávamos num momento difícil em Buenos Aires, pois não tínhamos conseguido manter a unidade do nosso território, pois cada província tinha uma identidade regional, basicamente da briga entre uma elite de origem espanhola e uma população de bugres gaúchos. Confesso a você que López manteve um encontro comigo e pediu para eu guerrear contra vocês, mas a Inglaterra não deixou.

Aqui no mundo espiritual eu noto que as nações também reverberam muito os carmas. “O Brasil é uma nação que precisa acertar contas com seu passado espiritual...”

CAPÍTULO 5: CAXIAS FALA PARA XAVIER.

Xavier faz a prece do Pai Nosso, coloca a caneta no caderno e se põe a serviço de Caxias:

“Boa noite, caro médium...Sou Luís Alves Lima e Silva, conhecido por Duque de Caxias: o único a receber este título por Dom Pedro II. Meus serviços foram muitos ao Brasil, por praticamente toda segunda metade do século XIX. Fui professor de Dom Pedro II, o ensinado a empunhar uma espada. Na verdade fui o grande pai deste país, pois ajudei a manter a integridade das terras desde o Norte até o Sul, enfrentando também a arrogância de alguns portugueses que aqui ficaram e que queriam nos colonizar novamente.

Nos campos paraguaios servi 3 anos praticamente, na parte que toca a entrada em Assunção, comandando milhares de soldados, o que é muito complicado. Muito traumático foi presenciar tanta desgraça. Eu estou no umbral por conta das atrocidades que fui obrigado a praticar, pois torturei e matei: além de muita omissão eu ter praticado ao ver barbaridades. Os fins eram nobres, os da guerra, mas muitas pessoas sofreram em minhas mãos e de meus comandados.

Peço oração por parte do senhor e do povo brasileiro para que minha alma encontre conforto. “Estou muito triste com os rumos que o país tem tomado ultimamente; a monarquia foi injustamente acusada de fazer mal ao Brasil”.

Espero que o MERCOSUL unam a todos. Chega de olharmos para o Hemisfério Norte.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 05/05/2017
Reeditado em 29/02/2024
Código do texto: T5990138
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