AS TRÊS MARIAS - capítulo 15 - CELESTE E OS ENJEITADOS

Durante muito tempo Berta segurou Leopoldo no colo, chorando e recordando detalhes de tudo que estava apagado em sua mente. Ao seu lado, Hermínia se abraçava aos dois, no esforço de tentar consolá-la, sem saber o motivo da tristeza que a acometia.

Ingrid foi a primeira a chegar e se emocionar com a cena, mas logo toda a família estava ali reunida, e não houve quem conseguisse a proeza de conter as lágrimas. A grande diferença é que agora se podia vertê-las por pura felicidade.

Dali pra frente tudo ficou mais fácil e tranquilo. Ingrid apresentou Celeste, a vizinha prestativa que amamentou o garoto, mas quando estavam se cumprimentando, Berta percebeu que o rosto da mulher estava congesto, como se tivesse chorado muito.

- Você não está bem. Diga se posso ajudá-la, de alguma maneira.

- Desculpe-me. Acabei de saber que fui despejada, porque meu marido me abandonou e só fiquei sabendo agora, que ele já não pagava o aluguel há vários meses. Não sei o que fazer.

- Sabe sim. Pegue suas coisas e venha para cá. Temos muito espaço.

Celeste ficou surpresa. Não esperava convite tão intempestivo. Ingrid, nesse momento, adiantou-se e ofereceu seu espaço, composto de quarto amplo, banheiro e antessala.

- Mas o que sua família vai dizer ou pensar de eu ficar aqui com Ingrid?

- Vão ficar contentes em ajudá-la, em compensar o bem que fez ao meu filho.

Sem dar tempo a indecisões, foram até onde vivia e a ajudaram a trazer seus poucos pertences. No grande berço de Leopoldo, pôde ser alojado também seu filho, e a antessala foi transformada em closet, para que o quarto tivesse mais espaço e conforto.

À hora do jantar, Celeste ganhou uma cadeira à grande mesa e foi anunciada como um novo membro da família. Todos aplaudiram e lhe deram as boas vindas. Ingrid evidenciava seu contentamento com largo sorriso, pois se afeiçoara muito à garota. E os dias que se seguiram, foram de risadas, choros, brincadeiras e muita bagunça, pois havia na casa três crianças, que transformaram, completamente, o ritmo e a rotina da turma toda. Mas ninguém reclamou.

A casa antiga foi transformada em centro social, onde Sal desenvolvia aulas de teatro, administrava a distribuição de donativos, fornecia refeições e cadastrava famílias,que poderiam receber algum auxílio extra, decidido caso a caso. Seu Alonso promoveu uma reforma na parte da frente do imóvel, aproveitando grande espaço ali existente, erguendo o que ele chamou de casa de espetáculos, composto de auditório para cem pessoas, palco e coxia. Sua intenção foi incentivar o casal a continuar desenvolvendo o talento, sem precisar se afastar muito de casa.

Ingrid e Celeste passaram a ajudar no comando da parte assistencial, deixando que Sal e Berta cuidassem das aulas e artes. Arranjaram um cantinho para os bebês e tiveram de fazer adaptações para funcionar como creche integral, pois várias mães, que não conseguiam ter um emprego regular, por já terem cumprido pena, tinham subempregos, não podiam pagar para alguém cuidar dos filhos e nem tinham horário certo para largar o serviço. Era comum deixarem a criança alguns dias ou até uma semana ali, sem aparecerem.

Uma das mães acabou se envolvendo em ato ilegal e acabou presa, novamente, tendo a criança de permanecer por tempo indefinido na casa. Ingrid e Celeste, raramente dormiam na casa nova, pois sempre tinham de velar pelos pequenos que ali ficavam, e se acostumaram de tal jeito à nova situação, que acabaram por trazer pertences para ali e se arranjaram como puderam. Providenciavam para que a mãe presa visse, periodicamente, sua filha, levando-lhe a garotinha nas visitas autorizadas, embora a mulher não demonstrasse grande entusiasmo.

Numa ocasião, chegando ao presídio para a visita costumeira, souberam que a tal mãe já havia sido libertada alguns dias antes. O pressentimento que tiveram, naquele momento, foi profético. A mulher nunca mais apareceu e nem se soube dela, nem mesmo na polícia. Era mais uma filha a ser incorporada à família. E a coisa não parou por aí. Com algumas variantes ou episódios esdrúxulos, insólitos, outras mães e pais agiram de forma semelhante, e outras crianças tiveram de ser cuidadas, amparadas e encaminhadas pelo pessoal, e principalmente, pelas duas garotas, que se puseram à frente dos trabalhos e nunca mais o deixaram.

Após dois anos de funcionamento, a casa tinha sessenta alunos de teatro e artes, cinquenta e duas crianças, que recebiam cuidados diários, além de cinco filhos adotivos, que conviviam, plenamente, com Hermínia e Leopoldo. Cansaço e satisfação podiam ser vistos nas expressões de Sal, Berta, Ingrid e Celeste, que se desdobravam por seus pequenos.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 07/07/2016
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