AS TRÊS MARIAS - capítulo 05 - CAPRICHOS DO DESTINO

Apesar de sempre ter tido um agradável convívio com sua irmã, antes dos meses de ausência, recentemente, agora Berta sentia necessidade de lhe falar com alguma severidade, frente às atitudes por ela tomadas, em relação a Sal ou seu relacionamento com ele.

Resolveu manter estratégico silêncio e evitar conversas desnecessárias, até que fosse possível obter um pedido de desculpas, mas os dias passavam e Cíntia nem mesmo saía de seu quarto. Como Berta passava muito tempo fora de casa, providenciando a montagem de uma peça em que atuaria, na mesma cidade, não sabia o que ocorria durante sua ausência, e só começou a se preocupar, quando chamou a irmã, não obteve resposta, entrou e se deparou com ela desfalecida, esquálida e suja, janelas fechadas, ar irrespirável e a cama tomada por imundícies. Emergência acionada, internaram-na imediatamente, tratando-lhe, primeiramente, o corpo, para depois encaminhá-la a um psiquiatra. A depressão a fisgara.

Mais uma vez, com a triste notícia, vieram Francine e Ana, do exterior, preocupadas com o que estaria acontecendo com a primogênita. Ao chegarem, quase uma semana após sua internação, já a encontraram em casa, fisicamente restabelecida, mas ainda calada e soturna, ainda que ensaiasse algum sorrisinho amarelo. Pedia desculpas a todos, incessantemente.

- Não sei porque fiquei tão alterada e arredia com a chegada de Berta.

- Sabe sim, minha irmã. Você não aceitou a presença de Sal, com normalidade.

- Pode ser, mas isso não era motivo para tanto mal estar, tanta privação de raciocínio.

- Emoções descontroladas podem destruir pessoas e até coletividades.

- Tenho de admitir que o que diz é certo, Ana. Você está com ótima aparência.

- Mas passei por maus bocados, como você. Reaja como reagi e seja realista.

Todos procuravam evitar censuras e incentivá-la a superar a depressão.

Sal a visitara no hospital, mas evitava frequentar a casa, para não perturbá-la, apesar da insistência de Berta, que não via sentido naquela atitude. Porém, como o destino é caprichoso, uma consulta de Cíntia, dois dias depois, ao médico que a atendera nos momentos críticos, foi providencial para que fosse informada de algo que abalaria, mais ainda, seus nervos.

- Vejo que está se recuperando bem. Ter a família por perto é o melhor remédio.

- Também acho. E o senhor foi muito atencioso, também.

- Devo confessar, agora que está tudo calmo, que na noite em que você aqui chegou, ao verificar seu estado precário, solicitei imediata transfusão de sangue, mas o tipo necessário ao seu caso não tínhamos, e a única reserva possível estava a mais de trezentos quilômetros de distância. Seu metabolismo estava zerando, e os presentes não exibiam compatibilidade, para se qualificarem como doadores, até que um cidadão apto apareceu, prontificou-se a doar, além da quantia convencional, correndo alguns riscos, já que sua necessidade era enorme, sem se importar com as consequências; tanto que também permaneceu internado, após a doação, por mais vinte e quatro horas, sob observação e tomando soro. Interessante é que nem reclamou.

Cíntia chorava, conforme ouvia o relato. Não imaginara algo tão solidário.

- Quem é essa pessoa, doutor. Quero agradecer pessoalmente.

- Seu nome é Salustiano. Creio que é o namorado de sua irmã.

Seu choro se tornou tão convulso, que o médico teve de deitá-la e administrar calmante.

Deixou-a descansando, numa sala própria, e chamou os familiares, para contar o que acontecera. Não houve quem não se emocionasse, inclusive Berta, que já sabia detalhes sobre a transfusão, mas nada disseram ao doutor, que permaneceu intrigado com as reações. Logo que a vitimada despertou, levaram-na para casa, evitando tocar no assunto, mas foi ela quem se pronunciou, pedindo à sua irmã que chamasse Sal para uma conversa.

Era noite, quando o rapaz chegou, sorridente, como sempre, cumprimentando a todos com naturalidade. Cíntia se levantou, abraçou-o longamente, tomou sua mão e o fez sentar-se ao centro de todos. Postou-se à sua frente, confessou tudo que dissera e pensara, desde que o conhecera, ajoelhou-se e beijou suas mãos. Ele, de pronto, levantou-se e a puxou para cima, constrangido e dizendo que nada daquilo era preciso. Não guardava mágoa alguma.

- Cumpri com minha obrigação. Se não o fizesse seria errado; e afinal, somos amigos.

- Tem razão. Somos amigos. Agora entendo o que isso significa, mas tive de aprender do jeito mais difícil. Espero que a vida me dê oportunidade de retribuir o bem que me fez, não só ao corpo, mas à alma, porque seu sangue e sua atitude me abriram os olhos e a mente.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 17/06/2016
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