AS TRÊS MARIAS - capítulo 03 - SEPARAÇÃO NECESSÁRIA

Vó Dulce nunca ficou sabendo da aventura infeliz de Ana, sendo poupada da tristeza até o dia de sua morte, poucos meses depois. Só então, quando chegou para as exéquias da mãe é que Francine tomou ciência do ocorrido. Por mais que tivesse sempre priorizado sua carreira e deixado as filhas à margem de sua vida, o choque da notícia e o aspecto ainda precário de sua filha caçula abalaram sua, aparente, firmeza de caráter. Chorou muito e resolveu não mais voltar ao seu emprego no exterior, enviando mensagem nesse sentido, imediatamente.

As meninas ficaram espantadas com a reação da mãe, e um silêncio respeitoso, triste, imperou, durante muitos dias, entre todas. Exatamente, onze dias após o enterro de Vó Dulce, apareceram dois homens e uma mulher na casa. Muito bem trajados, jeito de gringos, vieram em busca de Francine e queriam lhe falar. Berta os fez entrar, avisou que a mãe estava na rua, fazendo compras, devendo chegar logo, mas as irmãs, curiosas, se acercaram do grupo.

A mulher, que se apresentou como Manuela Fragoso, iniciou a conversa. Tinha sotaque carregado, deixando clara sua nacionalidade portuguesa. Seus acompanhantes, como explicou a seguir, eram ingleses e não dominavam o português.

- A carta que vossa mãe nos mandou foi muito enfática, descrevendo a preocupação com seus destinos e a tristeza por um incidente ocorrido, o qual não relatou. Somos diretores da organização em que ela desenvolvia seu excelente trabalho, e estamos aqui para conversar com todas vocês. Valorizamos muito a união familiar, mas também o trabalho assistencial que desenvolvemos em países carentes, e sua mãe é, simplesmente, a melhor de nosso time.

As meninas não sabiam nada do trabalho da mãe, e ficaram espantadas com o elogio.

Após alguns segundos de hesitação silenciosa, Cíntia se manifestou.

- Talvez a senhora ignore, dona Manuela, mas nada sabemos sobre nossa mãe.

- Verdadeiramente, isso é novidade para mim, mas, se me permitem, esclareço que a vossa mãe, quando se mudou para a França, foi trabalhar para uma multinacional, e estando lá, conheceu nossa organização, dedicando-lhe parte de seu tempo livre para nos ajudar. Após dois anos de colaboração, solicitamos à empresa que a empregava, um incentivo qualquer, que permitisse sua presença por mais tempo entre nós, dada a importância que passou a ter para nossos projetos. Surpreendentemente, diminuíram sua jornada de trabalho pela metade, mantendo seus ganhos no mesmo patamar, e com isso ganhamos a melhor colaboradora.

- Pelo que ela nos contou, pediu demissão de seu cargo nessa empresa.

- Soubemos disso, e estamos aqui para lhe oferecer um cargo em ONG amiga, que será igualmente rentável, permitindo que possa nos auxiliar em tempo integral. Também estamos autorizados a lhe oferecer residência e apoio para que vocês três, suas filhas, a acompanhem e possam se inserir na sociedade local, de acordo com seus interesses pessoais.

Nem bem a senhora terminou a última frase, Francine penetrou na sala, surpreendendo-se com a presença dos conhecidos. Informada sobre o objetivo das visitas, estava em vias de recusar o convite, mas Ana, saindo de seu torpor e mutismo, balbuciou algo ininteligível.

- Que está dizendo, filha? Precisa de algo?

- Volte pra lá, mãe! Eles precisam de você. As pessoas carentes também. Vou ficar bem.

- Não posso, querida. O que lhe aconteceu mexeu muito comigo. Vamos ficar juntas.

- Pela nossa proposta, dona Francine, suas filhas poderão ter todo nosso apoio por lá.

- Agradeço a consideração Manuela, mas elas já tem um universo próprio por aqui.

- Ana não tem mais, mãe.

- Como assim, Berta? Que quer dizer com isso?

- Que a senhora deve levar Ana, se ela concordar, e nós duas ficamos.

Francine não estava convencida, mas com a anuência de Cíntia e um sorriso satisfeito de Ana, tudo foi se acomodando. Combinaram que duas vezes por ano, visitar-se-iam, de um jeito ou outro, correndo as passagens por conta da citada ONG, e já no dia seguinte, mãe e filha seguiam para a Europa, agora tendo como destino Portugal, onde residiriam.

Berta e Cíntia não conseguiram esconder a tristeza, na hora da partida, mas entendiam que a irmã precisaria de cuidados médicos, carinho, suporte, e tendo a mãe por perto, além de um ambiente mais estável e seguro, a abrangência de recursos seria, infinitamente, maior.

Diz a sabedoria popular que há males que vem para o bem e que tudo acaba bem. Se não está bem, é porque ainda não acabou. Enquanto isso, temos de estar preparados pra tudo.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 12/06/2016
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