A melhor maneira de prendê-la é deixá-la livre

“Pintou as unhas de preto de novo, Amélia? ”

“Foi”

“Não gosto desses esmaltes escuros que você põe na unha...”

“Uai, quando for na manicure pintar suas unhas, Marcos, manda ela passar renda, é bem clarinho. Tu vai gostar”

Ele fez aquela cara quando eu disse isso. É uma cara que mistura desapontamento com raiva. Ele vive fazendo essa cara. “ Olha sua roupa!”, “Para de rir alto “, “Para que tanto batom? ” “Precisa andar rebolando? ” “Precisa dar tanta atenção pra ele?”... Fala um absurdo e faz a cara. Nem olho mais, prefiro ver a cara dele quando ele me namora, aí é uma cara linda de bonita. Um olhar de quem está encantado, de quem chegou ao céu e espera a porta se abrir.

Às vezes fico triste com as cobranças dele. Parece que ele quer amassar minha alma pra caber num molde, e a única coisa que quero que ele amasse é minha carne. Nádegas bem amassadas por suas mãos graúdas, ventre amassado pelo peso do seu corpo. Esse tipo de amasso bem apertado, bem quisto, bem vindo. Eu sei que poderia facilitar as coisas. Usar roupa “decente”, pensar mais nas coisas que ele gosta, ser menos expansiva, ser menos espontânea, menos independente, menos eu, menos livre... Mais dele.

Certa uma vez um amigo fotógrafo disse que na fotografia o menos é mais. Pra essa arte pode até ser. Mas pra arte de amar? Gente é diferente. Como querer que alguém seja menos, se já se nasce cheio de curiosidades pra um mundo de coisas?

Fotografia é estática, é um momento congelado que não existe mais, não pode ser repetido. Amélia nem de longe é estática. É vibrante, quente, tem desejos e vontade própria. É vida em movimento.

Fui criado sob os mimos de várias mulheres. Mamãe, vovó, irmãs, tias e primas formavam o meu harém. Ali eu era rei. Roupa engomada, comida na mesa e barra da saia no tamanho certinho

Agora vem Amélia e diz que vai me botar nos trilhos. Não pede permissão pra sair, ri alto e fala com estranhos na maior intimidade. Ainda zomba de mim se reclamo do seu comportamento.

Reconheço que estou preso ao passado. Ela vive nessa época da mulher se libertando. Sou doido para ter um filho com Amélia, mas ela usa anticoncepcional. Dou de tudo pra ela, do bom e do melhor. Amélia é tinhosa, levanta cedo e vai trabalhar. Não adianta eu me roer de ciúmes. Bota o avental na bolsa, monta na bicicleta e sai pra arrumar os quartos no hotel Nacional.

Ela é bicho solto, nos tempos de escola foi representante da turma, implicava com a música alta dos vizinhos, se metia nas confusões da família.

Não existe na terra mulher mais cheirosa, mais dengosa, mais mimosa que Amélia quando sai do banho enrolada na toalha e se denga nos meus braços.

Hoje a noite ela vai repetir o de sempre. Ao voltar pro nosso ninho vai me encher de carinho. Sentar no meu colo e contar o seu dia. Pede pra eu deixar de ciúmes bestas, que ela é só minha, só deita comigo. Nesta hora me sinto rei, sou gigante, sou seu amante.

Começo a desconfiar que a melhor maneira de prendê-la é deixá-la livre.

Colaboração e desenho: Ângela Fakir