ANINHA DA PRAIA - capítulo 10

Passei a viver na casa de Ana, com Cirilo, e tive de largar o emprego em seguida.

Para falar a verdade, abri mão de tudo que fazia até então, pois não havia um só dia em que não tivéssemos de nos deslocar para algum local distante, onde presenciava meu sobrinho fazendo coisas inexplicáveis, enquanto eu ajudava com algo mais simples e corriqueiro. Dia e noite, constantemente, de modo que dormíamos, em média, uma ou duas horas a cada vinte e quatro, mas, surpreendentemente, não sentia cansaço. Sentia-me até mais disposto.

Durante quase um ano permanecemos nessa agitação intensa, e isso foi uma benção, porque não tive tempo de refletir sobre o que fazíamos, onde íamos, como íamos, e todo o resto daquela estranheza, com a qual ainda não me acostumara. Nas últimas semanas, demos com outras pessoas que faziam o mesmo que nós. Alguns pareciam gente comum, mas havia uma turma muito estranha, na aparência, no jeito de agir e no modo de se comunicar. Minha segurança era a tranqüilidade com que Cirilo interagia com tudo e todos.

De repente, num fim de semana de novembro, acordei de um breve cochilo, às cinco horas da manhã. O lusco fusco da alvorada já dava as caras, e só então, zanzando pelo silêncio da casa, é que reparei nas duas pessoas deitadas na sala. Cheguei perto e confirmei serem minha irmã e meu cunhado. Como se percebessem minha presença, ambos levantaram e sorriram, enquanto me abraçavam, mas nada falavam, como se estivessem sem voz, e mesmo quando perguntei quando haviam chegado, nada responderam. Foi nesse instante que Cirilo veio até nós e esclareceu que com sua ajuda eu poderia me comunicar com eles.

Apertou minhas têmporas e passei a ouvi-los.

O som vinha de dentro de minha cabeça, mas era perfeitamente claro.

- Viemos avisar que deverão seguir, imediatamente, para uma comunidade subtera.

- Não estou entendendo nada. Comunidade o quê?

- Cirilo sabe do que falamos, Gab. Logo nos veremos de novo.

Mal Aninha terminou a frase e ambos desapareceram. Desvaneceram como se fossem de fumaça, e foi nesse mesmo instante que percebi estarmos, eu e meu sobrinho, com nossos corpos translúcidos, como se fôssemos fantasmas. Estatelei meus olhos e, sem esperar uma pergunta qualquer, ele esclareceu, rindo muito, que eu era tão distraído que nem me tocara de estar transitando pela casa em corpo sutil. Fomos até o quarto e ali estavam nossos corpos físicos, repousando. Após o susto, perguntei como aquilo ocorrera, mas instantaneamente, tive toda a explicação vinda de minha própria mente. Ao partilhar as aventuras com Cirilo, toda a estrutura de meu corpo físico, e por conseqüência, também de meu corpo sutil, ligado a ele, foi sendo, paulatinamente, alterada. Agora eu já conseguia sair para a dimensão paralela com consciência plena, usufruindo de possibilidades, das quais, até então, só ouvira comentários.

Aproveitando o estado de consciência ampliada, que a dimensão sutil proporcionava, fui informado de uma quantidade enorme de coisas que ignorava, sobre os alienígenas de Usaano e minha “família”, sobre as habilidades especiais de Cirilo e sobre a comunidade subterrânea, que iríamos visitar em seguida. Nunca tinha ouvido falar em comunidade subterrânea, mas não sabia, igualmente, de cidades submarinas, até nossa recente aventura. Agora minha cabeça estava recheada de informações sobre não um, mas vários núcleos subterrâneos organizados, espalhados pelo mundo. E eu estava prestes a conhecer um deles.

- Se você me acompanhar até lá, tio, conhecerá muita coisa que a humanidade ignora.

- Se eu o acompanhar? Pensei que já estava tudo certo e arranjado.

- E está, mas sua ida deve ser voluntária. Tem de ser uma imersão consciente.

- Imersão? No que, exatamente, estarei mergulhando?

- Numa realidade alternativa, totalmente distinta de tudo que já viveu e conheceu.

- Não é pouca coisa para se assimilar, certo? Mas vamos em frente, e venha o que vier.

Ele me ensinou como voltar, tranquilamente, ao meu corpo físico, porque iríamos para as profundezas da terra, munidos de nossa carcaça física. Não vou mentir, mas reconhecer que, mesmo tendo já visto tanta coisa, fui ao banheiro cinco vezes, antes de sairmos de casa.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 05/09/2015
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