ANINHA DA PRAIA - capítulo 01

Quem não conhecesse sua história, não lhe daria muito crédito.

Apesar da beleza singela, era, aparentemente, uma menina como qualquer outra. Pequena, delicada, cabelos e olhos castanhos, pele, suavemente, bronzeada, usualmente vestida de jeans e camiseta branca, sandália e nenhum adereço, nem traço de maquiagem ou algo condizente. Era uma bonita moleca, com um sorrisão capaz de desarmar um exército de kamikases, mais um olhar meigo, quase pueril.

Não demonstrava perceber o quanto era, naturalmente, bela e charmosa.

Havia, porém, algo de muito, muito estranho naquela menina.

Poucos eram os que poderiam ser considerados amigos, já que muitos dos que a conheciam e viviam nas imediações a temiam, mantinham-se afastados e diziam sobre ela coisas de arrepiar o pelo de gaudério valente.

Para entender todo o mistério que a envolvia, voltemos ao início da história.

Tudo começou em um sábado quente de novembro, trinta anos antes do dia em que, finalmente, entendi quem era Ana, Aninha da praia, a garota encantada.

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Como em todas as manhãs, Edvaldo chegou à sua banca de jornal antes do sol nascer, recolheu os pacotes de jornais, recém deixados pelo distribuidor e ajeitou seu pequeno quiosque, situado no calçadão da avenida beira mar. Quando terminou a arrumação o sol já se erguera acima do mar, e esse era o momento que ele mais apreciava. Colocava seus óculos de soldador, que eram excessivamente escuros, para se proteger da intensa claridade, e permanecia olhando, demoradamente, o brilho da água salgada, inquieta, e a serenidade do azul intenso do céu primaveril.

Foi naquele momento que percebeu um som fraco, agudo e insistente.

Primeiro pensou em algum bicho, mas logo se deu conta de que era choro de criança. Imaginou que viesse dos prédios, do outro lado da avenida, mas ao prestar mais atenção, verificou que aquilo parecia vir da praia. Inquietou-se!

Largou tudo e correu para a areia, ouvindo e vasculhando, até que deu com o embrulho, feito com jornais e um saco de farinha, meio enterrado, perto do posto dos salva-vidas, ainda vazio àquela hora.

A pequena criatura parecia faminta, suja, assada e cheia de mosquitos.

Não aparentava estar ferida, mas mesmo assim ele se apavorou.

Assustado e indeciso pegou-a sem muito jeito e foi correndo pela rua, até topar com Dona Joanita, que saía de casa para comprar pão. Mostrou-lhe o achado. Sem dizer palavra, ela o fez entrar e, prontamente, agiu como a situação exigia. Edvaldo chorava ainda, quando ela ordenou que arranjasse leite e mamadeira.

O coitado voou em busca do pedido.

Quando a polícia chegou, alertada por duas vizinhas, a menina já dormia tranqüila, nos braços daquela senhora de aparência bonachona. Sim, era uma menina, aparentando um mês de idade e olhar vivo. Nunca se soube como chegou à praia e quais eram seus pais, até pouco tempo atrás. Após o registro da ocorrência, a guria foi encaminhada ao juizado de menores, e ali ficou por alguns dias, até dona Joanita resolver que teria de ficar com a criança. Tanto brigou que conseguiu a guarda, e mesmo tendo já seus sessenta e cinco anos, tornou-se mãe, novamente.

Sua atitude emocionou os circunstantes.

Amigos ajudavam como podiam, pois a matrona era, relativamente, pobre e sozinha. A criança era bonita, esperta, brincalhona, tranqüila, sociável e sua predileção era o mar. Desde os três anos de idade brincava muito na praia, debaixo de um guarda-sol, aos cuidados do tio adotivo Edvaldo e alguns salva vidas. Eu a conheci pouco após ter feito cinco anos. Fui com meu tio buscá-la em seu primeiro dia na escola, e quando chegamos à sua casa, notamos um alvoroço na porta. D. Joanita havia falecido. Não queriam que Ana entrasse, mas ela abriu caminho, chegou-se junto ao corpo, beijou-a, fechou os olhos e chorou baixinho.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 03/08/2015
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