JACK VILLE - Capítulo I

JACK VILLE

Capítulo I

QUATRO GAROTOS

Lembro-me que foi naquelas férias de julho de 1974, que eles começaram a por em prática o plano de viajar de carona para a Bahia. Na verdade não havia plano nenhum somente a vontade de viajar, de sair um pouco daquela rotina típica de cidade do interior, onde a vida passava lentamente pelos nossos olhos. Eram quatros garotos, garotos ávidos pela vida, vida que certamente acontecia muito longe daquela realidade, realidade enfadonha, que invadia as suas almas tortas, inquietas e perdidas, carregadas de certa dose de melancolia e tédio.Na verdade buscavam um sentido, para as suas vidas vazias e sem graça, parecida com uma antiga fotografia amarelada e descolorida pelo tempo.

Vou começar falando primeiramente de um dos garotos, seu nome é Roman. Era um garoto moreno, cabelos pretos encaracolados, magro, extremamente magro, muito parecido assim com o Caetano Veloso, no começo de carreira. Coincidência ou não, tocava violão, gostava de cantar e escrever canções. A música e a literatura sempre estiveram muito presentes na sua vida, representavam tudo pra ele. Tímido e introspectivo vivia no mundo da lua, falava pouco, procurava se superar tocando violão na escola, nas festas, acampamentos e serenatas. Vencer a timidez sempre foi um enorme desafio para ele. Garoto sensível às artes. Roman tinha três amigos, o Luc, o Agenor e o Reno. Estudavam na mesma escola desde o primário, passando pelo ginásio e chegando ao colegial. Viviam a maior parte do tempo sempre juntos, uma espécie de confraria. Às vezes matavam aula e desciam pela velha estrada de terra, que dava ao pátio da pequena estação ferroviária. Última parada de trens da estrada de ferro da alta sorocabana, o chamado fim de linha, lugar pra onde mandavam os mendigos da capital, resumindo: “o cú do mundo”. Apareciam por ali, quase sempre no horário dos trens. Havia o trem que chegava da capital e outro que partia com o mesmo destino. “Chegar e partir são só dois lados da mesma viagem” como diz aquela canção do Milton Nascimento. Dois momentos únicos, naquele fim de mundo. De um lado a alegria dos que chegam, trazendo sorrisos e abraços e do outro, lágrimas e tristeza dos que partem e dos que ficam. Era aquele movimento na velha estação, onde as pessoas se reencontravam e se despediam. Parentes, amigos, conhecidos e casais de namorados, momentos carregados de emoções e sentimentos.

O trem ficava parado no pátio da estação esperando o horário do embarque, todos atentos ao enorme relógio que ficava na parede ao lado, para não perder a viagem. No meio daquele alarido, daquela balbúrdia, o frisson da ansiedade da partida, tomava conta dos viajantes ali. Recordo que os garotos sentavam naquele velho banco da estação, todos vestindo calças cor de cinza-chumbo e camisas brancas com o emblema da escola no bolso. Cada um com um cigarro no canto boca, com aquele olhar cheio de empáfia e desdém, todos se achando o máximo, cheios de poses caras e bocas, fazendo tipo, assim como no cinema, só para impressionar as pessoas. Ficavam só observando aquele fato, que de fato era um fato social na cidade, gente que chega e gente que parte para algum lugar.

O trem apita é hora de partir... - Porque o apito de trem é sempre triste? – Hora da despedida. - Adeus...! Escreva...! Não se esqueça de mim...! Eu te amo...! Beijos...! Estou indo, mas um dia eu volto...! Mande notícias...! Essas frases soltas no ar, ainda repercutem nos meus ouvidos até hoje. E assim estavam traçados os destinos dos passageiros, cada qual seguindo o seu caminho, buscando o não sei o que na vida. Finalmente o trem começa a sair, se movimentando lentamente e assim foi sumindo, apitando, apitando... Sumindo lá naquela curva, perto daquelas bananeiras. Parados, os garotos ficaram em silêncio olhando aquilo tudo, com aquele sentimento tristonho da partida, um nó na garganta e a vontade de um dia partir também, conhecer outros lugares, outras terras. E como num passe de mágica, tudo se desfaz e o que fica é somente um sentimento chamado “saudade”. Logo voltamos à realidade com o relógio da matriz, marcando as doze badaladas do sino, indicando que já é meio-dia, é hora do almoço. E assim todos retornam as suas casas e retomam seus afazeres cotidianos e a vida segue em frente na sua rotina costumeira e todos parecem muito felizes e satisfeitos, tá tudo certo. No mais nada acontece somente às galinhas ciscando na rua e os cavalos dormindo em pé no ponto de charretes e de vez em quando a voz do locutor do alto-falante anunciava uma nota de falecimento. Os garotos seguiram pelos trilhos em brincadeiras um empurrando o outro se equilibrando e assoviando uma velha canção...