NATAL A PÃO E ÁGUA
Breve apontamento para reflexão.
Há dois natais: um é o Natal em que se celebra o nascimento de Jesus.
Outro é o natal das festas, das prendas, dos ornamentos, dos banquetes, também chamado natal da família, um natal geralmente fatigante e muito aproveitado comercialmente. O primeiro é o Natal cristão, o segundo chama-se natal mas é outra coisa qualquer.
No entanto, por coincidirem, confundem-se, o que pode ser problemático para os cristãos que desejam enaltecer o facto maravilhoso da vinda de Deus ao mundo, tomando a forma de homem, e que querem fazê-lo de forma coerente.
O Natal cristão apela à modéstia, à simplicidade, à humildade, e está todo ele centrado na pessoa de Jesus, nascido em Belém da Judeia.
Como conciliá-lo com as festas marcadas pelo materialismo, pelo esbanjamento e pela ostentação, em que mais se evidencia o contraste entre ricos e pobres, natal do despesismo, do consumo, muitas vezes da discórdia, da hipocrisia, de injustiças, de competição?
Este é também o natal da «caridadezinha» a favor dos desfavorecidos, para exibir uma aparente generosidade, afinal tão precária por ser pontual, sem resolver os problemas de fundo das pessoas mais carenciadas e tantas vezes votadas ao esquecimento ao longo do resto do ano.
Depois, há toda uma encenação: os enfeites, as figuras míticas como o pai-natal e a árvore ornamentada, as prendas, as ruas engalanadas e tantas outras «fantasias» que nada têm a ver com o Natal de Jesus.
O problema maior é a mistura do Natal de Cristo com essas festas mundanas que se-lhe opõem nas suas intenções e nos seus conteúdos. Resultado: um hibridismo chocante, um coquetel intragável para muitos de nós, cristãos.
Que se fizessem as festas em Dezembro, para quem nelas quisesse participar, mas que se lhes chamasse qualquer coisa menos natal.
E que o Natal de Cristo fosse celebrado noutra data, até porque não se sabe em que época do ano Jesus nasceu, e é muito provável que não tenha sido em Dezembro.
Natal celebrado pelos cristãos, em homenagem a Jesus, ofertando-lhe, já que é seu o «aniversário», aquilo que Ele apreciaria receber: manifestações de um culto genuíno e de um verdadeiro amor ao próximo. Pois, o que fizermos a favor do nosso semelhante é como se ao próprio Cristo o fizéssemos.
Natal cristão, a lembrar o estábulo onde nasceu Jesus, «filho» dum carpinteiro, ali, na maior modéstia e até desconforto.
Mas Natal em que houve uma grande alegria. Sim, aquela alegria que transpareceu da mensagem dos emissários celestes aos humildes pastores que guardavam os seus rebanhos durante a noite. Noite tranquila, pastores empolgados pela notícia do nascimento do Salvador. Foram eles os primeiros a prestarem homenagem ao recém-nascido. Só mais tarde, já em casa (possivelmente alguns meses depois) é que vieram os magos adorá-lo e presenteá-lo com as suas dádivas.
No Novo Testamento não há ensino nem evidência de uma festa de Natal, entre os cristãos primitivos. Talvez a vinda de Cristo ao mundo (o seu Natal) estivesse permanentemente associada a outras celebrações, como a da sua morte e ressurreição.
Actualmente, as Igrejas poderiam até celebrar o nascimento de Jesus ao longo do ano, isto é, ter celebrações de Natal mensalmente, ou com outra periodicidade, um Natal espalhado pelo ano, despido de símbolos pagãos e de artificialismos.
Um Natal revestido da sua simplicidade original, realçando o que é importante: Jesus, a Sua humilhação e generosidade ao vir até nós, bem como a Sua mensagem de paz, de amor, de desprendimento, de entrega, de vida abundante e eterna.
Natal sem banquetes. Talvez mesmo um Natal só a pão e água, em plena sintonia com o Cristo que se fez pobre (II Coríntios 8,9), que com os pobres e injustiçados se identificou e a quem foi enviado (Lucas 4,18-19).
Natal com humildade, alegria, gratidão. Natal vivido em paz e a favor da paz e da harmonia entre os homens. (Lucas 2,14)
O espírito do Natal bem pode traduzir-se, afinal, no que o apóstolo Paulo escreveu, incentivando os seus leitores: “... haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens...” (Filipenses 2,5-7)
Leiria, Portugal