Ela não era surpreendente

Era apenas mais um sábado a noite, o calor era escaldante e o ar tinha aquele peso úmido. Em uma parede solidamente construída, haviam pedaços de tinta descascando expondo o reboco e manchas causadas por infiltração. Nessa mesma parede estava pendente um espelho bem velho, com marcas do tempo, oxidado nas laterais e emoldurado com acabamento barroco, mas isso não tirava sua beleza. Enfim, a mulher. Corpo de mulher, mas não era isso que importava. Estava deitada e ausente. Ela olhava para o teto, com aquele tipo de olhar perdido de quem pede por direções. Talvez refletindo suas escolhas na vida, talvez arrependida, pois o tempo a arrastava como um dente de leão ao vento, estando ela preparada ou não. Então rapidamente como acordada de um transe, ela se levanta, e faz a coisa mais óbvia que poderia fazer nessa estória. Vai ao espelho. Não, ela não era uma mulher surpreendente, era mais daquele tipo que é levada pelas histórias, protagonista coadjuvante dá sua própria existência. No espelho não se enchergava. Na vida não se encontrava. E olhando-se no espelho disse:

- Como fazer sentido se nem ao menos sou?

E para efeitos dramáticos jogou o espelho no chão, ela, que não é dada a arroubos de emoção.

Eu disse que ela não era surpreendente.

Dani Silveira
Enviado por Dani Silveira em 23/01/2017
Reeditado em 24/01/2017
Código do texto: T5890993
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