NEGRA!

Negra! Nunca tinha recebido esse vocativo! E foi navalhado em alto e cruel tom. Ela vinha de uma família de morenos. Desde cedo, a mãe, repetindo um ritual de família, alisava-lhe os cabelos. Era a mais clara de um barraco mal iluminado. Porém, aquela bolsa de estudos, no colégio mais branco da cidade, começou a retalhar suas memórias. Ela era de cor! Cabelo duro! Bicuda! Negra!

Após o quarto dia de aula, chegou em casa chorando. Não queria voltar para aquela escola. Arrependera-se profundamente de ter passado na prova. Estudou tanto para isso? Para ser tingida! A mãe não compreendia por que sua filha era chamada de negra, era tão clara, cabelo liso. "Isso é encrenca de criança, menina. Liga não. A escola é boa". Ela sabia que a escola era perversamente boa. E sobrepondo-se aos holofotes do racismo, começou a brilhar. A cada dia, Ela era um pouco mais negra, Negra, NEGRA. Tão negra que ao término do Ensino Médio, aquela escola já não era a mais branca da cidade.