E DERAM-LHE UM MARIDO
Delva ainda se recorda de quando menina, à beira do pequeno cais improvisado, olhar ao longe e ver navios de grandezas desestruturantes singrando as águas escuras da larga baía. À medida que ganhavam distância ela sentia enevoar a visão até o completo desaparecimento dos monstros de metal.
No lugar daqueles, dissipando-se da névoa como se por um mistério do sobrenatural, sempre surgia a canoa de seu Dondinho, carregada de parcas provisões. Ele e o filho, Adroaldo, desembarcavam a bruaca. Seu Nonô, o pai, trazia verduras, frutas e ali, no escambo imediato, realizavam a troca. Despediam-se.
O tempo foi passando e Delva, desmirrando no crescer, fazia entrâncias na adolescência. Adroaldo, já num porte de rapaz, começou a surgir, sozinho, da névoa misteriosa. Ria para Delva e cumprimentava seu Nonô, num respeito já pilheriento pelos meses de convivência curta na beira da areia. Escambo feito, despediam-se.
Delva passou a arreliar-se das ausências dele quando, sozinho, surgia seu Dondinho. Era um remexer de coração nuns incômodos até então inéditos para ela. Lembranças que desbragavam a solidão. Seu Nonô, de través, intuiu: Delva não demoraria para atravessar a baía. Despediriam-se.
E assim foi. Singrou aquelas águas na canoinha em companhia de Adroaldo. Aportaram na vila que, para ela, já era um mundão para futuro desbravamento. De palafitas e ruas esburacadas.
Logo vieram os rebentos. Nascidos/morridos/vingados. Desassistida dos carinhos e atenções de Adroaldo, Delva perde o olhar lá para as bandas da baía. Talvez infinita, depois da névoa.
*Dedico este conto, como parca homenagem, ao colega de RL Fakat que procura nos mostrar, através de seus textos, um Brasil que vai além dos smartphones.