Outro Dia...

( para um estagiária gostosona... )

Semana cinza, gélida, conturbada, garoa. Sexta feira.

Eram três e meia da tarde e estava ainda assoberbado de trabalho na redação daquele pasquim indecente que eu odiava, mas que ajudava no pagamento da prestação do apartamento, do condomínio, do rango, dos cigarros, da erva e do vinho. É assim que funciona. A gente nasce, cresce e morre a as contas continuam.

Desde as nove da manhã redigindo matérias para aquelas páginas que não serviam nem mesmo para limpar o cu do gato. O estomago já meio que colado às costelas, pois não tive tempo nem que agasalhar um pão com mortadela. Minha barriga roncava e meus ombros latejavam. Decidi descer os dez andares para ir fumar na rua. Agora que os deselegantes, deseducados & frustrados antitabagistas ditavam as regras apartei o botão para acionar o elevador e entrei nele de desci logo. Ganhei a rua. Acendi o cigarro e me dirigi ao meu lugar favorito de fumar. Estava cheio, droga. Não gosto de ficar socializando e fui ao café defronte. Dei uma tragada e fiquei sacando o movimento naquele horário. Nada de novo no front. E nesses momentos de sossego que acabo pensando na vida: órfão desde muito cedo, trabalhando desde então, o pouco estudo que tive me ajudou a aprender a ler e redigir um texto, prestações, responsabilidades, relacionamentos fracassados, sem filhos nem família, ótimo, refleti. O que sempre me causou engulhos foi essa gente comum & corrente. Apenas se apegam a um molde pré-estabelecido e seguem as regras cegamente. Que vida chata devem levar. Por isso mesmo vivem neuróticos, estressados, furiosos, rancorosos, esquizoides, dementes, lunáticos, medrosos & covardes, assustados com a própria sombra, paranoicos, “depressivos”, assassinos, afoitos. E fazem parecer que esse é o estado normal de ser! De onde surgia tanta dessa gente escrota? Ora, Rodolpho, seu sonhador: olhe o lugar que você vive e mora. Olha ao seu redor. Pergunta respondida. Terminei o cigarro e entrei no café e pedi um copo de chá verde que levei para fora e acendi outro cigarro. Saboreava delica e lentamente a fumaça azul. Isso iria me matar um dia. Quem quer ser eterno? Nem Lázaro, porra. Tenho certeza que ele não pediu em momento algum para ser ressuscitado e nem quisesse isso. Mas essa bosta é um poço de contradições e absurdos que as mesmas pessoas que passavam por mim com suas existências insossos acreditavam nisso e poderiam até te matar se você as contradissesse. “A morte surda caminha ao meu lado”, com dizia outro, e essa regrinha básica e inevitável eu sabia muito bem e encarava isso com franqueza e desdém. É melhor não acreditar em deus que acreditar no deus errado. Esse sempre foi meu lema. Fumava e observava. Apenas observação e vício. Um dia como outro qualquer. Dei a última fumada e arremessei a butuca no bueiro mais próximo. Lá ia eu voltar ao meu calvário diário. Faltavam quatro horas ainda. E tem gente que ainda quer matar o tempo! Essas aí acabam é matando a gente. Apertei o botão do elevador para subir e voltar ao meu posto.

No quinto andar entrou a gostosona da estagiária da chefona e me deu um lindo sorriso. Talvez o dia não estivesse tão ruim assim...

Curitiba, 26 de setembro de 2014, 13 graus célsius, Primavera.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 26/09/2014
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