A CAPACIDADE DE CADA UM

A CAPACIDADE DE CADA UM

Houve uma época na minha existência atual em que, quando jovem, preparei-me para prestar o famoso vestibular. Graças à sorte que Deus concedeu-me, ingressei numa faculdade federal e, tal como acontece a todos que conseguem tal vitória, o nome aparece nos jornais que publicam as listas de aprovados.

Minha mãe, aos prantos e com o jornal nas mãos, abraçava-me, dando-me os parabéns e afirmando o quanto estava orgulhosa de mim pela conquista.

Já meu pai, sem muita emoção, apenas disse: “Parabéns”, estendendo os braços para um frio e formal aperto de mãos.

Nesse momento, a decepção tomou conta de mim. A tomada só não foi total em virtude da alegria em que estava mergulhado e pela emoção de minha mãe.

Mas, tudo bem. Deixei para lá. Mas, a má impressão ficou registrada. Talvez não se importasse com as minhas vitórias ou não sentia orgulho de mim.

Alguns anos mais tarde, prestei prova para uma escola técnica e, mais uma vez auxiliado pela sorte permitida por Deus, não só logrei a aprovação como havia conquistado a 1a colocação.

As cenas maternais repetiram-se, mas a grande surpresa ficou por conta de meu pai.

Veio cumprimentar-me com alegria, com entusiasmo e, inclusive, com piadas: o 2º colocado tinha um nome típico da cultura russa. Então, meu pai, em tom de brincadeira, disse: “Veja só! Venceu, até mesmo, um russo!”

Porém, o que testemunhei foi um homem tentando ser o que não conseguia.

A explicitação da sua alegria era artificial. Sabe quando se vê, nitidamente, que a pessoa está forçando uma barra para mostrar ser aquilo que não é? Pois, bem. Esse era o meu pai naquele momento.

O mais provável é que a minha mãe tenha o repreendido pela frieza na minha aprovação no vestibular e, então, o meu pai tentou fazer diferente dessa vez.

Nesse dia, entendi que o meu pai ficara contente, sim, com a minha aprovação no vestibular. Porém, aquela formalidade era a maneira natural dele de mostrar contentamento.

Vi, portanto, que havia sido injusto em meu julgamento, pois estava a cobrar algo de alguém que não tinha condições para tal.

Não cabe, aqui, alguma crítica ao meu pai por não ser capaz de explicitar alegria e emoção como a minha mãe. A crítica é para mim mesmo que não soube receber as congratulações da maneira que elas tinham sido dadas. Agi tal como um aniversariante que se chateia com a simplicidade do embrulho, não prestando a atenção na beleza do presente.

E, assim, quantas injustiças cometemos?

Quantas foram ou são as vezes que esperamos de alguém além do que ela pode nos oferecer? Quantas vezes chegamos, mesmo, a cobrar.

Aí, quando não somos atendidos nas nossas expectativas, nos decepcionamos e nos aborrecemos. No entanto, quantas decepções e aborrecimentos seriam evitados se tentássemos descobrir ou enxergar a capacidade de cada próximo que cruza a nossa trajetória terrestre?

Imaginem o quanto o meu pai sentia-se mal naqueles instantes em que tentava ser o que não era? Estava a se agredir para me agradar.

E quantas são as pessoas que obrigamos a se agredirem para agradar-nos?

Queremos que as pessoas se comportem da forma que nos agrade ou façam o que julgamos ser correto, esquecendo-nos de que cada um tem a sua própria personalidade, com as suas limitações e opiniões que levam a essas ou àquelas atitudes.

Temos o cônjuge desejoso de ouvir “te amo” da pessoa amada mil vezes ao dia, ao passo que o amor pode estar presente mesmo que não se diga isso vez alguma.

Temos o ofendido que exige que o ofensor fale em alto e bom tom: “desculpe-me”. Mas, não percebe que o dito ofensor, incapaz de pedir perdão, é, no entanto, capaz de flagelar-se por dentro após o reconhecer o erro.

Temos o filho que gostaria de ter um pai carinhoso, que o beijasse na fronte e o afagasse diariamente. Porém, não percebe que, talvez, o método educacional do avô não tenha conferido tais competências ao seu genitor.

Temos o pai que sentiria-se muito feliz em ver o filho seguir a trilha profissional planejada a ele. Mas, não parou para perguntar se a profissão escolhida para o filho lhe fará feliz.

Precisamos entender que aqueles que nos cercam possuem as suas próprias habilidade e competências.

Cada um oferece aquilo que é capaz de dar na forma que é capaz de oferecer.

Que Jesus continue nos abençoando.

Rio de janeiro, 26 de Março de 2016