Jesus Cristo expulsa os vendilhões do Templo
Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (9a semana)
 

Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de moedas. Fez ele um chicote de cordas, expulsou todos do templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as mesas. Disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes. Lembraram-se então os seus discípulos do que está escrito: O zelo da tua casa me consome (Sl 68,10). Perguntaram-lhe os judeus: Que sinal nos apresentas tu, para procederes deste modo? Respondeu-lhes Jesus: Destruí vós este templo, e eu o reerguerei em três dias. Os judeus replicaram: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu hás de levantá-lo em três dias?! Mas ele falava do templo do seu corpo.” (Jo 2,13-21)
 
Esta é uma das passagens, diferentemente da maioria, que pode ser encontrada nos quatro evangelhos (Mt 21,12-14; Mc 11,11.15-17; Lc 19,45-47; Jo 2,13-21).

Entretanto, nos três primeiros, nos evangelhos mais narrativos, como já abordamos na primeira semana, a passagem da expulsão dos vendilhões do templo é apresentada, apenas, com breve descrição do fato, o qual, naqueles Evangelhos, ocorre logo após a entrada de Jesus em Jerusalém, no dia em que comemoramos o Domingo de Ramos, poucos dias antes de Sua prisão e morte. Há quem defenda, inclusive, que o fato aqui em análise teria sido o estopim para Seu cárcere derradeiro e morte na cruz.

Já no Evangelho segundo São João, esse episódio é apresentado logo após seu primeiro milagre, nas bodas de Caná, ao narrar sua chegada a Jerusalém, próximo à páscoa dos judeus, sem, no entanto, fazer qualquer menção à sua entrada triunfal na cidade, como o fora pelos outros evangelistas. Para João, cremos, foi mais importante marcar o início da vida pública de Jesus com tal intervenção, manifestando-se de forma discordante das atividades habituais lucrativas no templo e introduzindo a idéia de um novo Templo. Além disso, São João, não apenas narra o fato da expulsão, mas vai além, trazendo-nos uma explicação apresentada pelo próprio Cristo Jesus, exortando todos para a importância do Templo – do verdadeiro Templo. Porém, que Templo era esse?

Iniciemos nossa reflexão pela forma que o evangelista começa a narrativa em tela: “Estava próxima a Páscoa dos judeus”. Destacando, assim, que a páscoa que se aproximara era a dos judeus e não a de Cristo, deixando-nos, mesmo que de forma velada, a mensagem de que não eram aquelas atividades que faziam no templo, a desejada e a verdadeira prática de adoração, ou seja, aquela não era a verdadeira Páscoa, assim como, aquele não era o verdadeiro Templo.

Recordemos um pouco da história.

É sabido que Jerusalém, na época de Jesus, além de ser um grande ponto de confluência comercial, era, também, o centro religioso de uma vasta região, onde centenas de milhares de pessoas dirigiam-se para realizar seu ato de devoção a Javé, em especial na época da páscoa, pagando seus dízimos e oferecendo sacrifícios, fato coordenado e controlado pelos sacerdotes, escribas e fariseus.

Todo israelita, após atingir a idade adulta, tinha a obrigação de fazer ofertas a Javé, pagando, em moeda hebraica, uma determinada quantia ao tesouro do templo. Na festa da páscoa judaica, a adoração no templo deveria ser acompanhada de uma “oferta”, em dinheiro, e/ou do sacrifício de um animal, o mais puro possível, de preferência, sem manchas.

Ocorre que, por ser aceita no templo apenas a moeda hebraica, os cambistas, que ficavam no pátio do templo, vendiam aos fiéis, por um preço exorbitante, tal moeda. Além disso, como os animais a serem oferecidos deveriam ser sem defeitos, era muito difícil e dispendioso que os mesmos fossem trazidos até o templo, principalmente os de maior porte, restando, aos peregrinos, comprá-los, também, dos comerciantes locais, ou seja, era uma dupla extorsão – a venda da moeda hebraica e a venda de animais para serem sacrificados. Lamentavelmente, os sacerdotes recebiam um percentual dos lucros decorrentes de tais negociações.

Somente pelo episódio extorsivo, já seria compreensiva a ira de qualquer pessoa que almeja a justiça e a não exploração das pessoas, em especial dos mais necessitados. Quem de nós não se sente assim, quando presencia ou toma conhecimento de episódios de exploração da população carente, cuja prática, normalmente, é realizada exatamente por aqueles que deveriam, ou, pelo menos, poderia, protegê-los ou ajudá-los?

Dessa forma, pode-se aceitar e entender tamanha ira de Jesus ao presenciar tal fato, não apenas pelo comércio nas dependências do templo, mas, principalmente, pela exploração e extorsão do povo mais humilde, contando, com a lamentável participação dos sacerdotes e dos aristocratas, em nome de práticas de adoração e veneração a Javé. Em nome de Deus, ludibriavam e exploravam o povo. Em nome de que deus?

Lembremo-nos que vendilhões são indivíduos que vendem suas mercadorias pelas ruas, sem um ponto fixo, mas podem, em sentido figurado, ser considerados como aqueles que traficam em coisas de ordem moral. No caso da passagem em questão, podem ser vistos como aqueles que tiram proveito moral indevido, aproveitando-se da pureza e da religiosidade das pessoas. Esse era o perfil dos vendedores que viviam do comércio do templo, acobertados e apoiados pelos sacerdotes, pois, além das mercadorias que vendiam serem para uso sagrado, sua forma de comercialização fora totalmente preenchida de ganância e de exploração.

Na verdade, Jesus não açoitou somente os vendilhões, mas sua ação estava direcionada a todos aqueles que participavam de tal sistema corrupto e imoral, incluindo os aristocratas e sacerdotes. Estava Ele voltando-se contra a extorsão e a exploração, em especial dos mais carentes. Condição que se agravava por estar vinculada ao templo, às práticas religiosas. Existe condição mais aviltante que a exploração de pessoas carentes em nome de Deus?

Se houvesse apenas a narrativa da ação de Jesus contra os vendilhões, já teríamos um importante ensinamento em relação a corrupção e a exploração de nossos irmãos, principalmente quando tal fato ocorre relacionado a um templo religiosos, deixando de ser um local sagrado, para se tornar em um lugar de comércio extorsivo. Porém, São João foi mais além. Ele nos traz a fala de Jesus afirmando que “Destruí vós este templo, e eu o reerguerei em três dias”. Nesse momento, pode-se perceber, nitidamente, que Jesus, além de sua ira contra a exploração das pessoas, Ele estava se referindo ao respeito ao “Novo Templo”, que foi “reerguido” após três dias de sua “destruição”.

Mas Ele não parou por ai!

O novo Templo espiritual, em substituição ao templo de pedra, não estava limitado ao Seu corpo santo, mas ao corpo de cada um por quem Ele teria dado a vida. Se cremos que fomos, de fato, redimidos pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, devemos crer que, igualmente ao seu corpo santo, o nosso, também, é templo do Santo Espírito.

São Paulo, em sua primeira epístola aos coríntios, chamou-nos a atenção para que atentássemos para o nosso corpo como sendo membros de Cristo (1Cor 6,15) e mais, ao efésios ele disse:

Conseqüentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus.” (Ef 2,19-22)

Dessa forma, a ira de Jesus Cristo contra os “vendilhões”, na verdade, significa toda a ira contra a opressão, a corrupção, a exploração e tudo o mais que agride a integridade física e moral de cada um de nós, irmãos em Cristo, verdadeiros Templos do Espírito Santo. 

Pois, com a vitória de Jesus Cristo sobre a morte, ressuscitando, o Seu corpo estará sempre presente na Eucaristia, mas também, o seu Espírito estará, também, sempre presente em cada um de nós.

É por isso que, a João, não interessava apenas a narrativa da expulsão dos vendilhões do templo, mas, acima de tudo, trazer-nos a afirmação de que Jesus, com o Seu santo corpo, era o verdadeiro Templo, o qual permanece vivo, ainda hoje, em nós.

Respeitemos, então, o novo e verdadeiro Templo, santuário sagrado do Espírito, e não deixemos que atitudes como as dos vendilhões façam parte de nossa vida, para que tenhamos, permanentemente, o encontro verdadeiro com o Deus vivo.

Não nos esqueçamos das palavras de São Paulo: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado - e isto sois vós.” (1Cor 3,16-17)

Fiquem com Deus e até a próxima semana.

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 11/03/2011
Código do texto: T2842014
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