Ficou no passado... EC
Certamente deixamos muita coisa no passado e quase sempre associada a pessoas. Às vezes porque não nos serve mais. Às vezes porque não suportamos conviver com aquilo. Às vezes porque não queremos, de jeito nenhum, perdê-la.
Boa parte de nossa vida é feita do que deixamos no passado. Coisas boas e ruins, como uma colcha de retalhos.
A questão não é guardar apenas, mas como guardamos. Como costuramos nossa colcha?
Talvez as dificuldades de um relacionamento nos façam lembrar mais dos momentos infelizes do que viver a alegria de ter ultrapassado uma difícil etapa da vida. Ou um longo tratamento de saúde que nos traga constantemente à memória a dor ao invés de agradecer a benção de ter sido curado. Um acontecimento que põe à prova nossa capacidade de superação,então nos submetemos às lembranças, ruminando o sofrimento e nos esquecemos de celebrar.
Temos um passado e seria bem melhor que fosse cheio de boas lembranças, pouquíssimos ou nenhum ressentimento. Eu diria que este é um passado saudável.
Que importância damos àquilo que ficou marcado? Se tivéssemos de criar uma imagem, o que seria o passado? Se fosse, por exemplo, uma roupa? Estaríamos vestidos para uma festa, cobertos de trapos ou pior, completamente nus?
É normal guardarmos lembranças desagradáveis, porém ao lembrá-las temos que chegar ao ponto de não mais sofrer. Coisa difícil, eu sei. Se ainda sofremos é porque a ferida insiste em sangrar embaixo de uma casca fina e sensível, disfarçada de “nem ligo mais...” ou “ não consigo viver sem...” Tem cicatrizante que dê jeito?
O único remédio para este mal é o AMOR.
Não falo apenas de um amor específico do tipo homem e mulher, mas do amor em plenitude de vida, mais amplo e multiplicador. Aquele que Cristo viveu e ensinou quando convivia com seu próximo, sem levar em conta se o seu próximo era mulher pecadora, homem rico ou pobre, uma autoridade ou um desconhecido. Santo Agostinho disse que o amor ao próximo é muito diferente do amor por si próprio e ambos são reconhecidos pelos frutos.
Às vezes não deixamos o passado ir. Estamos atados às lembranças. O sofrimento é uma forma de colocar em evidência o “eu”.
Uma vez, uma amiga de longa data vendo minha tristeza insistente comparou-me a uma vela que estava se apagando e perguntou se aquilo que me deixava triste era mesmo um bom motivo pra tanto sofrimento. A comparação me deixou assustada e a pergunta me fez ver que às vezes damos importância demais para algo (ou alguém) que nem é tão importante assim, a ponto de nos tirar a alegria de viver. Valorizar a vida é dar importância ao que nos faz crescer, evoluir, mesmo que seja, eventualmente, uma derrota momentânea ou uma renúncia. Todo problema traz um ensinamento e não seremos os mesmos depois de vencer uma dificuldade.
Saudade tem que ser sempre boa.
Saudade boa é quando a lembrança vem acompanhada de um sorriso, ainda que surjam lágrimas. Se traz dor... bem, talvez não seja saudade, mas mágoa: esse sentimento que nos envenena aos poucos. A mágoa pode ser uma vingança tardia. “Guardar ressentimento é como tomar veneno e querer que o outro morra". Frase atribuída a William Shakespeare.
Não sei se é dele esta frase, mas que é verdadeira e cortante como navalha, isso é.
Quando lembramos nosso passado, sorrimos mais do que choramos?
Enquanto vivemos, o presente é o que temos de fato e toda nossa vida vai virar passado. Um dia seremos lembrança. É uma forma de eternizar o que somos e fazemos.
Eu posso viver o dia de hoje como se fosse o primeiro ou o último dia da minha vida. Tanto um quanto o outro são importantíssimos porque são únicos e insubstituíveis.
A vida é um dom de Deus e não podemos deixá-la passar sem que tenha sentido, valor e significado. A minha vida é única, a sua vida é única e não haverá outra pessoa como eu ou como você.
Quando chegar o tempo em que eu terei mais passado que presente pra contar espero que minhas histórias sejam agradáveis. Depende do que eu deixei ficar em algum lugar do passado...