Os remédios do amor e o amor sem remédio
Sermão do Mandato
Pregado em Lisboa, no Hospital, ano 1643.
"Os remédios do amor, mais poderosos e eficazes que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência e receitado a arte, são estes quatro:
o tempo, a ausência, a ingratidão e, sobretudo o melhorar objeto .
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.
Atreve-se o tempo a colunas de mármores, quanto mais a corações de cera!
São afeições como às vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito.
O tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto e basta que sejam usadas para não serem as mesmas.
Gaste-se o ferro com o uso, quanto mais o amor?
O mesmo amor é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
As enfermidades do amor têm na mesma dilatação o melhor remédio.
O amor, a quem remediou e pode curar o tempo, bem poderá ser que fosse doença, mas não é amor.
O amor perfeito, e que só merece nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá às jurisdições do tempo.
O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi amor, porque se chegou a ter fim, nunca teve principio.
É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidade.
O segundo remédio do amor é a ausência.
Muitas enfermidades se curam com a mudança de ares.
O amor com a da terra.
E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes à outra terra?
Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes?
Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas o que farão?
Os dois primeiros efeitos da morte são dividir e esfriar.
Morreu um homem, apartou-se a alma do corpo, se o apalpardes logo, achareis algumas relíquias de calor, se tornastes daqui a pouco, tocastes um cadáver frio.
Estes mesmos efeitos têm a ausência.
Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam.
Palpitam no coração as saudades, rebentam nos olhos as lágrimas, saem da boca suspiros.
Mas, e depois? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecido, tudo frieza.
Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar esfriou.
O terceiro remédio do amor e o mais forte: a ingratidão.
A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão.
Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor à ausência,
é sem-razão de que todos se queixam;
mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento , à mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda.
Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato?
O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo.
Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, à ingratidão pelo entendimento e pela vontade.
E ferido o amor no cérebro, e ferido o amor no coração, como pode viver?
Mas, é a ingratidão com o amor, como o vento com o fogo:
se fogo é pequeno, apaga-o vento; se é grande, ascende-o mais.
O quarto remédio do amor: a melhora do objeto.
Um amor com outro se apaga.
É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades.
O maior contrário de uma luz é outra luz maior.
As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o Sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas.
O mesmo lhe sucede ao amor, por grande e estremado que seja.
Que aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desabou o menor."
Sermão do Mandato
Pregado em Lisboa, no Hospital, ano 1643.
"Os remédios do amor, mais poderosos e eficazes que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência e receitado a arte, são estes quatro:
o tempo, a ausência, a ingratidão e, sobretudo o melhorar objeto .
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.
Atreve-se o tempo a colunas de mármores, quanto mais a corações de cera!
São afeições como às vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito.
O tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto e basta que sejam usadas para não serem as mesmas.
Gaste-se o ferro com o uso, quanto mais o amor?
O mesmo amor é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
As enfermidades do amor têm na mesma dilatação o melhor remédio.
O amor, a quem remediou e pode curar o tempo, bem poderá ser que fosse doença, mas não é amor.
O amor perfeito, e que só merece nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá às jurisdições do tempo.
O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi amor, porque se chegou a ter fim, nunca teve principio.
É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidade.
O segundo remédio do amor é a ausência.
Muitas enfermidades se curam com a mudança de ares.
O amor com a da terra.
E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes à outra terra?
Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes?
Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas o que farão?
Os dois primeiros efeitos da morte são dividir e esfriar.
Morreu um homem, apartou-se a alma do corpo, se o apalpardes logo, achareis algumas relíquias de calor, se tornastes daqui a pouco, tocastes um cadáver frio.
Estes mesmos efeitos têm a ausência.
Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam.
Palpitam no coração as saudades, rebentam nos olhos as lágrimas, saem da boca suspiros.
Mas, e depois? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecido, tudo frieza.
Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar esfriou.
O terceiro remédio do amor e o mais forte: a ingratidão.
A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão.
Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor à ausência,
é sem-razão de que todos se queixam;
mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento , à mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda.
Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato?
O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo.
Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, à ingratidão pelo entendimento e pela vontade.
E ferido o amor no cérebro, e ferido o amor no coração, como pode viver?
Mas, é a ingratidão com o amor, como o vento com o fogo:
se fogo é pequeno, apaga-o vento; se é grande, ascende-o mais.
O quarto remédio do amor: a melhora do objeto.
Um amor com outro se apaga.
É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades.
O maior contrário de uma luz é outra luz maior.
As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o Sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas.
O mesmo lhe sucede ao amor, por grande e estremado que seja.
Que aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desabou o menor."