Davi entre os estrangeiros - 2Sm3

Como pretendemos analisar vários ângulos tipológicos da vida de Davi, temos que retornar ao primeiro livro de Samuel já examinado por nós. Vamos a um breve contexto.

Saul havia sido reprovado em dois testes – quanto a esperar Samuel para sacrificar ao seu Deus, diante do cerco dos filisteus (1 Sm 13) e quando não destruiu totalmente aos amalequitas, desprezando uma ordem direta divina e profética (1 Sm 15).

Davi então é ungido rei por Samuel diante de seus irmãos, o que nos faz lembrar obrigatoriamente da unção de Jesus pelo Espírito no início de seu ministério:

“E aconteceu que, como todo o povo se batizava, sendo batizado também Jesus, orando ele, o céu se abriu; e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como pomba; e ouviu-se uma voz do céu, que dizia: Tu és o meu Filho amado [o significado do nome Davi], em ti me comprazo” (Lc 3.21-22).

A partir daqui Davi terá uma vida dupla – ora em companhia de Saul em seu reino, ora na casa de seu pai com suas ovelhas – lembrando o ministério duplo de Jesus – ora junto ao trono do Pai em intercessão, ora junto às ovelhas dispersas de Israel.

“Davi, porém, ia e voltava de Saul, para apascentar as ovelhas de seu pai em Belém” (1 Sm 17.15).

Mas a derradeira falha de Saul diante de toda a nação fica explícita em sua falta de coragem, falta de comunhão divina, falta de atitude diante de Golias – afrontador de Israel e por analogia, Satanás afrontando céus e terra na falta de um campeão. O filho amado aparece e lhe corta a cabeça, numa clara alusão às palavras de Paulo.

“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo” (Cl 2.14-15).

Com a vitória triunfal de Davi, e aos olhos de todo o povo, ele é integrado definitivamente ao reino de Saul, mas aí começam seus problemas. Sua clara dignidade pessoal, sua eleição aos olhos do próprio Deus, o abandono do Espírito do Senhor na vida de Saul, levam a uma perseguição insistente e sistemática da parte do rei reprovado.

Desnecessário lembrar toda perseguição de Satanás na vida e ministério de Jesus.

Davi chega ao ponto de ter que fugir de Israel e se abrigar entre os inimigos de seu próprio povo, vivendo como um banido, um revoltoso, um desertor entre estrangeiros. Citemos apenas um caso.

“E Davi levantou-se, e fugiu aquele dia de diante de Saul, e foi a Aquis, rei de Gate [cidade dos filisteus]. Porém os criados de Aquis lhe disseram: Não é este Davi, o rei da terra? Não se cantava deste nas danças, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares? E Davi considerou estas palavras no seu ânimo, e temeu muito diante de Aquis, rei de Gate. Por isso se contrafez diante dos olhos deles, e fez-se como doido entre as suas mãos, e esgravatava nas portas de entrada, e deixava correr a saliva pela barba” (1 Sm 21.10-13).

Ora, se Davi já era rei de Israel pela unção de Samuel, mas tinha que fugir de diante de Saul, então Saul era um usurpador do trono de Israel, exatamente como Satanás é hoje um usurpador do trono do mundo, pois ‘o mundo ainda jaz no maligno’ embora a vitória esmagadora de Cristo na cruz.

Isto nos leva a crer, por analogia, 1) a presente era da Igreja, onde o evangelho é pregado e aceito no mundo, pelos gentios, enquanto 2) Israel está por um pouco de tempo ‘esquecido’ aos olhos de Deus. Comparemos duas passagens acerca destas duas visões.

“E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória” (! Tm 3.16).

“Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado (Rm 11.25).

E assim como Davi teve que aguardar a destruição do reinado ímpio de Saul para poder reinar, também o Filho de Deus espera agora que certos inimigos sejam derrotados pela mão potente de Deus para poder reinar, não só sobre Israel, mas sobre todo o mundo.

“Mas este [Jesus], havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés” (Hb 10.12-13).

E quanto à ‘loucura’ de Davi entre os gentios, poderíamos encontrar um interessante paralelo em Paulo.

“Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século [Satanás]? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Co 1.20-21).

Realmente são muitos os paralelos entre a história do amado de Deus e o amado do Pai. E certamente nem enxergamos um décimo do que poderia ser visto.

Que Deus nos agracie nestes últimos dias a andar com propósito firme diante de Deus, como Davi sempre andou.

Passaremos a seguir para Mefibosete, outro personagem ligado a Davi e suas tipologias.