Lembranças das existências passadas

A lembrança das existências infelizes, juntando-se às misérias da vida presente, tornaria esta ainda mais penosa. Seria um acréscimo de sofrimentos que Deus nos quis evitar. Sem isto, qual não seria, por vezes, a nossa humilhação ao pensarmos naquilo que fomos! Quanto ao nosso melhoramento, essa lembrança seria inútil. Durante cada existência damos alguns passos à frente, adquirimos algumas qualidades e despojamo-nos de algumas imperfeições. Cada uma delas é, assim, um novo ponto de partida, no qual somos aquilo que nos fizemos, onde nos tomamos pelo que somos sem termos que nos inquietar com aquilo que fomos.

Se numa existência anterior fomos antropófagos, que é que isto importa se não mais o somos? Se tivermos um defeito qualquer, do qual já não restam traços, é uma conta liquidada, com a qual não temos mais de nos preocupar. Suponhamos, ao contrário, um defeito do qual só nos corrigimos pela metade. O restante irá encontrar na vida seguinte. Tomemos um exemplo: um homem foi assassino e ladrão. Foi castigado na vida corporal ou na vida espiritual. Arrepende-se e se corrige da primeira tendência, mas não da segunda. Na existência seguinte será apenas ladrão, talvez um grande ladrão, mas não mais assassino. Ainda um passo à frente e será apenas um pequeno ladrão um pouco mais tarde e não mais roubará, mas poderá ter a vontade de roubar. A sua consciência neutralizará depois desse último esforço todo traço da doença moral terá desaparecido, ele será um modelo de probidade. Que lhe importa, então, aquilo que foi? A lembrança de ter morrido no cadafalso não seria uma tortura e uma humilhação perpétuas? Aplicai este raciocínio a todos os vícios, a todos os erros, e podereis ver como a alma progride, passando e repassando pelos crivos da encarnação.

Deus não é mais justo por tornar o homem o árbitro de sua própria sorte, pelos esforços que pode fazer para se melhorar, do que por fazer sua alma nascer ao mesmo tempo em que seu corpo e condená-la a tormentos perpétuos por erros passageiros, sem lhe dar os meios de se purificar de suas imperfeições? Pela pluralidade das existências, seu futuro está em suas mãos. Se levar muito tempo para progredir, sofre as consequências: é a suprema justiça. Mas a esperança jamais lhe é negada.

Roberto Valverde
Enviado por Roberto Valverde em 19/03/2017
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