Ação de Roubar - Protesto

Ah, roubar um beijo... Roubar um bolinho de chuva da travessa, ainda quente e todo cheio de açúcar e canela! Furtar um olhar do menino amado ou uma flor do caminho para ofertar ao namorado. Roubinhos que não doem e não deixam ninguém infeliz ou magoado.

Pensar que na vida não completamos este verbo apenas com tais objetos. Infelizmente, há os bandidos, os criminosos e desalmados que conseguem roubar a paz, a vida e o sossego da gente.

Arrancam às pressas objetos dos seus desejos para transformá-los em pedras de crack ou outra droga alucinógena qualquer. Não sabem eles que o dinheiro levado representava as horas a fio do trabalho atento dos olhos fixos no bordado do ponto a ponto pacientemente feito por dias. Ou o pagamento de mercadorias que outras pessoas que nos confiaram o crédito nos deixaram levar antes de pagar. Ou ainda o pagamento do ir e vir do transporte escolar, do almoço ou lanche fora de casa e de compromissos assumidos com outras pessoas ao longo do mês. O dinheiro representando o crédito, a responsabilidade, a confiança e o compromisso que todo cidadão trabalhador tem todos os meses com outras pessoas.

Levam também objetos cujo valor não é o material em si, mas o que há arquivado nele: fotos, documentos, textos, registros que fazem parte da história de alguém. Momentos que ficarão perdidos e que serão trocados por qualquer prazer momentâneode pessoas que optaram por um caminho sem volta. Pessoas que morrem aos poucos e matam aos poucos. São os vilões e as vitimas da mesma história.

Famílias inteiras vivem cercadas por gente em que troca de muito pouco arranca a paz, a vida de muitos.

A tranquilidade virou luxo, raridade. Quem sofre a violência qualquer tipo de violência leva para sempre a alma arranhada pelo medo e a insegurança,enquanto há pessoas com vida fácil e ganho fácil, sem o esforço diário que todo trabalho digno exige. Parece que seremos simplesmente sujeitos (e simples sujeitos!) a trancas e chaves e cadeados em portas e janelas, alarmes, cercas elétricas, muros altos e câmeras de vigilância 24h. Infelizmente, o ladrão entra conosco, pela porta da frente, quase de mãos dadas, se não tivesse com a arma apontada para as nossas cabeças e nos empurrando para dentro.

Ah, e ainda tem mais! Caso não nos bata, agrida, amarre, estupre, mate, nos faça reféns, temos que agradecer por só ter levado aqueles objetos que o nosso digno trabalho com o tempo iremos comprar novamente.

Agora, nem mais podemos sentir saudades de roubar um beijinho sequer, porque até a palavra roubar nos causa calafrios e seja lá qual for o objeto que a complete.

Autora: Luciane Mari Deschamps

(Indignada ainda)